“As filas na porta da casa do Rav Simcha Bunim Alter (Israel, 1898 – 1992), mais conhecido como Gerer Rebe, normalmente eram muito longas. Ele era muito querido, e por isso multidões iam diariamente à sua casa, para pedir uma Brachá (Benção) ou simplesmente para vê-lo. Certo dia a fila estava especialmente longa e as pessoas começaram a ficar impacientes. No desespero, um homem começou a empurrar os outros para forçar sua entrada na casa do Rebe, mas o Gabai (pessoa responsável pelo controle de entrada das pessoas nas casas de grandes rabinos) o empurrou de volta. O homem, muito irritado, protestou em voz alta, e o Gabai, não aguentando aquele desaforo, lhe deu um sonoro tapa na cara. Ao ver aquela cena, todos na fila ficaram em silêncio e pararam de reclamar e empurrar. O Gabai ficou feliz, imaginando que o Rebe ficaria orgulhoso ao saber de sua atitude, que havia colocado ordem na casa.
Mais tarde, naquele mesmo dia, um grupo de homens estava reunido na sala do Rebe para Minchá (reza da tarde). Apesar de já haver dez homens, o Gabai estranhou que o Rebe não autorizava o início da reza, como se ainda estivesse esperando alguém para completar o Minian. O Gabai perguntou se podia começar a reza, mas o Rebe, com sofrimento no olhar, respondeu:
– Eu sinto muito, mas nós n&atildde;o podemos começar ainda, pois falta uma pessoa para o Minian. Apesar de termos 10 homens aqui na sala, você não pode ser contado como parte do Minian, pois a Halachá diz que alguém que bate em seu companheiro é desqualificado para fazer parte de um Minian…”
O Gabai pensou que havia feito uma grande Mitzvá, mas descobriu, de forma amarga, que na realidade havia feito uma grave transgressão. Precisamos tomar cuidado com cada ato que fazemos, para não nos enganarmos e cometermos transgressões achando que estamos fazendo Mitzvót.
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Nesta semana lemos a Parashá Ki Tissá, que descreve um dos erros do povo judeu mais difíceis de serem entendidos: a construção do Bezerro de Ouro. Como os judeus puderam fazer um erro tão grave como este, de construir uma estátua de ouro, apenas quarenta dias após D'us ter se revelado diante de todo o povo no Monte Sinai? Como abandonaram tão rapidamente Moshé, o líder que havia tirado o povo judeu do Egito, e criaram o Bezerro de Ouro como um novo intermediário?
Nossos sábios explicam como o erro começou. Moshé subiu no Monte Sinai para receber a Torá, e avisou que permaneceria no alto da montanha por 40 dias. Porém, houve um erro no cálculo de quando Moshé deveria retornar, e o povo esperou por ele um dia antes da data correta. Como Moshé não voltava, o povo se desesperou. O Talmud (Shabat 89a) se aprofunda um pouco mais e explica que o Yetser Hará (nossa má inclinação) tentou confundir os judeus com argumentos de que Moshé tinha morrido, mas não conseguia convencê-los. Então ele mostrou aos judeus uma imagem de Moshé morto, deitado em uma cama. Aquela imagem mostrada pelo Yetser Hará causou um enorme pânico no povo, que acreditou no que viu e passou a exigir de Aharon um novo intermediário, através do qual eles reestabeleceriam sua conexão com D'us.
Mas há algo nesta explicação do Talmud que nos chama a atenção: o método utilizado pelo Yetser Hará para confundir o povo judeu em relação à morte de Moshé. Mostrar falsas imagens não é a tática tradicionalmente utilizada pelo Yetser Hará para nos enganar. Normalmente ele causa em nós apenas a confusão de ideias, como tentou fazer em um primeiro momento com o povo judeu. Por que neste caso o Yetser Hará mudou sua forma de atuação e mostrou ao povo judeu uma imagem falsa?
Para entendermos a transgressão do Bezerro de Ouro, precisamos voltar ao primeiro erro da história da humanidade, o erro de Adam e Chavá (Adão e Eva), que comeram o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, apesar de D'us ter proibido. Explica o Rav Chaim Vologziner (Lituânia, 1749 – 1821) que antes desta transgressão, Adam e Chavá não tinham Yetser Hará dentro deles. Porém, isto não quer dizer que eles não tinham livre arbítrio, pois eles também tinham um relacionamento com o mal, através do contato com a serpente que existia no Gan Éden. Mas a forma de contato com o mal era completamente diferente, pois o mal era algo externo, completamente fora deles. O objetivo do mal era persuadir Adam e Chavá a fazerem atos que fossem repugnantes ou logicamente errados, como convencer uma pessoa de que seria bom para ela pisar em uma fogueira acesa. De alguma maneira a serpente conseguiu convencê-los a comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, causando consequêos a comer do fruto do bem e do mal, causando consequ convencer uma pessoa de que seria bom para ela pisar em uma fogueira acesncias para eles e para todos os seus descendentes. Ao comer do fruto proibido, Adam e Chavá trouxeram aquele Yetser Hará, que antes era algo apenas externo, para dentro deles. A partir daquele momento eles se transformaram em seres cuja essência era uma combinação de bom e mal.
O resultado foi que eles e seus descendentes ficaram sujeitos à principal força do Yetser Hará: a confusão. Quando uma pessoa sabe que um ato é claramente errado, ele não o comete. Da mesma maneira que uma pessoa não coloca a mão no fogo pois sabe das consequências negativas deste ato, assim também as pessoas deveriam racionalmente se cuidar das transgressões por causa de todas as suas consequências negativas. Porém, a tática do Yetser Hará é convencer a pessoa de que aquele ato equivocado não é uma transgressão, ao contrário, é a coisa certa a se fazer. É por isso que o Talmud (Sotá 3a) nos ensina que uma pessoa somente comete uma transgressão quando entra nela um espírito de estupidez ou insanidade, isto é, quando ela perde completamente o senso de certo e errado, e faz o que é errado por estar plenamente convencido de que é realmente a coisa certa a se fazer.
O Talmud (Shabat 146a) explica que este novo status da humanidade continuou até a entrega da Torá no Monte Sinai, mas naquele momento o “veneno” engolido por Chavá foi completamente anulado. Os judeus conseguiram se elevar ao ponto de atingir o mesmo nível de Adam Harishon antes de seu pecado, alcançando novamente a imortalidade. Neste novo status, eles estavam tão elevados que não havia mais Yetser Hará dentro deles, e novamente o mal havia se tornado algo apenas externo. De acordo com este nível que eles atingiram, não havia mais sentido para o Yester Hará enganá-los com sua arma tradicional de confusão interna. A forma de persuasão precisou ser algo externo, da mesma maneira que a serpente fez com Chavá, e por isso o Yetser Hará apelou para a falsa imagem de Moshé morto em uma cama. Quando o povo judeu caiu na enganação do Yetser Hará, o “veneno” da transgressão de Adam e Chavá voltou para dentro do ser humano, permitindo ao Yetser Hará novamente causar em nós confusão interna.
Deste ensinamento podemos entender o nosso Yetser Hará e sua forma de atuação. Desde o momento em que o Yetser Hará entrou em nós e passou a fazer parte de nossa própria essência, vivemos com a difícil tarefa de discernir entre o bem o mal que há dentro de nós. A principal arma do Yetser Hará é nos convencer que a transgressão que estamos fazendo é algo permitido. Em alguns casos o Yetser Hará consegue nos convencer de que o erro é até mesmo uma Mitzvá. Isto pode acontecer até mesmo em transgressões graves, como o Lashon Hará (maledicência). Muitos denigrem outras pessoas com sua fala e se justificam dizendo que aquele tipo de comentário é permitido, ou que é permitido falar Lashon Hará daquela pessoa em particular. A pessoa que transgride não assume para si mesma que está falando Lashon Hará, ao contrário, ela racionaliza que está completamente coberta pela Halachá (Lei judaica) em suas palavras. Se oferecêssemos muito dinheiro para que uma pessoa que cumpre as Mitzvót da Torá falasse Lashon Hará, ela certamente recusaria, pois reconhece, intelectualmente, que nenhuma quantia de dinheiro vale a transgressão de uma única Mitzvá da Torá. Então como pode ser que esta mesma pessoa fala Lashon Hará muitas vezes durante o dia sem receber absolutamente nenhum ganho monetário? Pois ela engana a si mesma e se convence de que não está falando Lashon Hará.
Na prática, como podemos discernir entre o bem e o mal que há dentro de nós? Explica o Rav Yehonasan Gefen que uma das ferramentas mais importantes é o estudo da Torá e de todos os detalhes de suas Mitzvót. Se uma pessoa estuda diariamente as Halachót de Shmirat Halashon (cuidados com a fala), por exemplo, será muito mais difícil para ela racionalizar que o Lashon Hará que ela quer falar é permitido. Outra ferramenta fundamental é o estudo diário de Mussar (ética), que auxilia nossos passos de autoaprimoramento e nos ajuda a entender como o Yetser Hará funciona, para sabermos como lutar contra ele. E, por último, outra ferramenta essencial é o “Cheshbon Hanefesh” (reflexão sobre os nossos atos) diário. Normalmente o Yetser Hará nos ataca e nos engana nos momentos em que os desejos nos puxam em direção às transgressões. Na hora em que os desejos estão muito fortes, tudo parece permitido. Mas quando fazemos uma reflexão diária, nos momentos em que o Yetser Hará já não está nos atacando de maneira tão forte, este é o momento propício para enxergarmos que a “Mitzvá” que pensamos ter feito foi na verdade uma grande transgressão. O Cheshbon Hanefesh diário nos permite olhar para trás e racionalmente analisar a verdadeira natureza dos nossos atos.
A combinação destas três ferramentas, associado a um investimento de longo prazo, certamente nos colocará no caminho correto, o caminho que nos trará a clareza de ideias necessária para um real autoconhecimento. Somente assim conseguiremos discernir entre o bem e o mal que existe dentro de nós, para investirmos sempre no bem e anularmos, como no momento da entrega da Torá, o lado negativo que existe em nós.
Rav Efraim Birbojm
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