Prioridades na vida

Karen era uma jovem rica que tinha tudo: um marido maravilhoso, filhos perfeitos e um emprego que lhe pagava bem. Porém, ela não conseguia conciliar tudo na vida. O trabalho e os afazeres lhe ocupavam todo o tempo, deixando sempre um vazio na área familiar. Se o trabalho lhe consumia muito tempo, ela deixava os filhos de lado. Se surgiam problemas com os filhos, ela deixava de lado o marido. E, assim, as pessoas que ela amava eram sempre deixadas para depois. Certo dia, seu pai, um homem muito sábio, lhe deu um presente: uma flor extremamente rara e cara, da qual havia poucos exemplares em todo o mundo. O pai disse a Karen:
 
– Querida, esta flor vai te ajudar muito mais do que você imagina. Você terá apenas que regá-la algumas vezes, podá-la entre as estações e, às vezes, conversar um pouco com ela. Em troca ela lhe dará este perfume maravilhoso e estas lindas flores de beleza sem igual.
 
Karen ficou emocionada, pois a flor tinha uma beleza única e rara. Karen cuidava com carinho da flor e a regava diariamente. Mas o tempo foi passando, os problemas foram surgindo, o trabalho foi consumindo o seu tempo e a sua vida confusa não lhe permitia mais cuidar da flor. Ela chegava em casa e olhava a flor. As flores ainda estavam lá, não mostravam nenhum sinal de fraqueza, apenas estavam lá, lindas e perfumadas. Então ela passava direto e ia cuidar de outras coisas. Até que um dia Karen chegou em casa e levou um imenso susto. A flor estava completamente seca, as raízes ressecadas, as flores caídas e as folhas amarelas. Colocou água e esperou alguns dias, mas nada mudou. Já era tarde demais, a flor havia morrido. Karen chorou muito pela terrível perda. Ela ligou ao pai, contando o que havia acontecido e pedindo para que ele lhe desse outra flor daquelas, pois já havia se acostumado com sua beleza e com aquele perfume maravilhoso, não queria perde-la. Então o pai respondeu carinhosamente:
 
– Eu já imaginava que isso aconteceria, mas não posso lhe dar outra flor, porque já não existe outra igual a esta. Ela era única. E esta é a lição que eu sabia que esta flor iria te ensinar. Seus filhos, seu marido e sua família também são únicos. Todos são bênçãos que D'us colocou na sua vida, mas você tem que aprender a regá-los, a podá-los e a dar atenção a eles, pois assim como a flor que não é cuidada morre, os sentimentos não cuidados também morrem. Você se acostumou a ver a flor sempre lá, sempre florida, sempre perfumada, e se esqueceu de cuidar dela. Assim também acontece com nossas famílias. Às vezes deixamos as pessoas mais importantes de lado, sem perceber que, aos poucos elas estão indo embora de nossas vidas.
 
Sucót e Shemini Atseret são épocas nas quais devemos ter claridade sobre o que temos na vida, e refletir se estamos cuidando da maneira correta da nossa joia mais preciosa: nossas famílias. 

 

Este Shabat coincide com a Festa de Sucót. Por isso não lemos a Parashá da semana, e sim um trecho  específico da Torá relacionado com Sucót. Além disso, no Shabat de Sucót também lemos a Meguilat Kohelet, escrita pelo mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech (Rei Salomão). E, terminando o ciclo das Festas do mês de Tishrei, no próximo domingo de noite (23/10) inicia-se a Festa de Shemini Atseret. Nossos sábios também conectaram Shemini Atseret com a Festa de Simchá Torá, o dia no qual nos alegramos pelo término do ciclo de leitura semanal da Torá. Em Simchá Torá lemos a última Parashá, Vezót HaBrachá, e imediatamente recomeçamos a ler o início da primeira Parashá da Torá, Bereshit, demonstrando o quanto a Torá é querida para o povo judeu e o quanto queremos continuar estudando-a e se aprofundando nos seus conhecimentos.
 
O nome dado pela Torá, Shemini Atseret, significa literalmente “O oitavo, o dia da parada”, como diz o versículo: “E no oitavo, o dia da parada, qualquer Melachá (atividade construtiva) não deverá ser feita” (Bamidbar 29:35). Rashi (França, 1040 – 1105) nos explica que, após sete dias de Sucót, nos quais oferecemos Korbanót (sacrifícios) em nome de todos os povos do mundo, D'us vira-se para o povo judeu e diz, como um pai que se despede de seu filho querido: “É muito difícil para Mim a partida de vocês. Por favor, fiquem Comigo mais um dia”. Este dia “a mais” é Shemini Atseret, como se fosse o oitavo dia de Sucót, um dia no qual “paramos” e ficamos mais um pouco pertos de D'us antes de voltarmos para nossas vidas cotidianas, depois de uma época de proximidade e crescimento espiritual que se iniciou com o mês de Elul.
 
Mas este ensinamento de Rashi desperta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, fica realmente mais fácil a despedida se a deixarmos para o dia seguinte? Não seria mais fácil terminar logo com o sofrimento, como no caso do band-aid grudado na pele, que é muito menos doloroso quando retirado com um único puxão do que quando retirado aos poucos?
 
Além disso, o Talmud (Sucá 48a) nos ensina que Shmini Atseret não é uma continuação de Sucót, e sim uma Festa por si só, e tem o seu próprio caráter de “Chag”. Rashi explica que é um dia por si só pois “neste dia não nos sentamos na Sucá”. Porém, este motivo é suficiente para fazer de Shemini Atseret uma Festa por si só? Entendemos que D'us fixou uma Festa chamada Sucót na qual nos sentamos na Sucá, mas por que fixar uma Festa pelo fato de não nos sentarmos na Sucá?
 
Finalmente, Rabi Yonatan ben Uziel, famoso sábio da época dos Tanaim que traduziu a Torá para o aramaico, nos explica que a palavra “Atseret” significa “um alegre retorno para a sua própria casa”. Como isto se encaixa com a explicação dos nossos sábios do Talmud (Sucót 2a) de que a natureza da Festa de Sucót é “abandonar as nossas casas permanentes e entrar em nossas casas temporárias”? Se a alegria de Sucót é representada pelo ato de abandonar nossas casas permanentes, como pode ser que, tão pouco tempo depois, temos um Chag cuja alegria vem de abandonar nossas casas temporárias e voltar para nossas casas permanentes?
 
Explica o Rav Elchanan Shoff que, infelizmente, vivemos em uma geração que não sabe definir o que é o principal em nossas vidas e o que é secundário. Por exemplo, cada vez trabalhamos mais, em busca de luxos que não nos preenchem de verdade, e deixamos de lado nossas famílias e nossa espiritualidade. Será que realmente sabemos dar valor às nossas famílias? Dedicamos o tempo que elas merecem? Uma pessoa que ama seus filhos estaria disposta a abrir mão de qualquer coisa pelo bem deles. Um pai, mesmo passando necessidades, não venderia seu filho nem mesmo por milhões de dólares. Somente quando temos algo na vida que faz todo o resto parecer completamente sem valor é que começamos realmente a viver.
 
Porém, se sabemos que nossos filhos são tão preciosos, por que não damos a eles a devida atenção? Pois no nosso cotidiano esquecemos quais são as nossas prioridades. É por isso que justamente no Shabat de Sucót, a “época da nossa alegria”, nossos sábios fixaram a leitura pública de Kohelet. Shlomo Hamelech começa seu livro com as seguintes palavras: “Futilidade das futilidades, tudo é fútil” (Kohelet 1:2). Em Sucót nos lembramos da futilidade das coisas pelas quais dedicamos tanto do nosso precioso tempo. Quando abandonamos nossas casas em Sucót, isto nos ajuda a definir o que é real e importante e o que não é. A Sucá nos ajuda a perceber quais são as coisas que precisamos de verdade e o que são apenas luxos que podemos viver sem. Esta é a grande alegria de Sucót: saber identificar que aquele que tem uma família, que tem saúde e que tem valores morais e espirituais guiando sua vida é um grande milionário. E que não há miserável maior do que aquele que tem muitos bens, mas que não sabe reconhecer o que é o principal e o que é secundário na vida.
 
Porém, normalmente este ensinamento é esquecido quando terminamos Sucót e voltamos para casa. Retomamos nossa vida normal, dormimos novamente em nossas camas, comemos em nossas salas de jantar, e Sucót fica apenas como uma mera lembrança. Mas não é isto o que D'us quer para nós. Devemos levar para nossas casas, para o ano inteiro, as conquistas espirituais de Sucót. Após um enorme trabalho desde o mês de Elul, vamos abandonar assim com tanta facilidade todas as nossas conquistas espirituais? Vamos perder tão rapidamente toda a claridade que batalhamos tanto para adquirir?
 
Este é o objetivo de Shemini Atseret. Devemos voltar para as nossas casas permanentes, mas com a sensação de que continuamos vivendo em uma habitação frágil e passageira. Shmini Atseret é o Chag de “não sentar na Sucá”. Todos os enormes ganhos espirituais que conquistamos ao sentar na sombra da santidade da Sucá podem ser levados para fora da Sucá, para nossas casas, para o ano inteiro. É por isso também que nossos sábios fixaram a Festa de Simchá Torá junto com Shemini Atséret, para nos ensinar que apenas através do estudo constante da Torá podemos chegar a este equilíbrio e esta claridade durante o ano inteiro.
 
Enquanto em Sucót “saímos do nosso mundo” e nos sentamos na Sucá para ficarmos envolvidos em Kedushá (santidade), em Shemini Atseret voltamos ao nosso mundo trazendo esta Kedushá. Devemos aproveitar Sucót e Shemini Atséret, “Zman Simachateinu”, a época mais alegre do ano, para alegrar o nosso ano inteiro.

SHABAT SHALOM E CHAG SAMEACH

R' Efraim Birbojm

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