Quem está no comando?

José era um homem tranquilo, sempre de bom humor, e para ele tudo estava sempre bem. Mas não foi sempre assim, pois quando José era mais jovem, ele era extremamente crítico com tudo, e por isso estava sempre mal humorado. Qualquer coisa que interferisse em seus planos causava nele uma profunda irritação. Tudo mudou com uma conversa que ele teve com alguém que havia aprendido a ver a vida com outros olhos.
 
Certamente o mundo mudou após os atentados de 11 de setembro de 2001, no qual terroristas desviaram dois aviões comerciais americanos e os jogaram contra as Twin Towers, um dos mais famosos cartões postais dos Estados Unidos. As duas torres gigantescas, onde milhares de pessoas trabalhavam, pegaram fogo e desabaram diante dos olhos de um mundo pasmo e assustado. Além do abalo psicológico que os ataques causaram, demonstrando a fragilidade perante a ameaça terrorista, este atentado causou a perda de quase três mil vidas inocentes.
 
Mas a tragédia também despertou o lado bom de muitas pessoas. Durante e após os atentados, foram vistos muitos atos de bondade, ajuda mútua e solidariedade. Por exemplo, uma empresa disponibilizou parte dos seus escritórios para que pessoas que haviam sobrevivido aos atentados, mas que haviam perdido tudo, pudessem recomeçar seus negócios. Cada sobrevivente tinha alguma história incrível para contar sobre aquele dia fatídico. Roberto, o chefe de segurança desta empresa que abrigou os sobreviventes dos atentados, sempre gostava muito de conversar com as pessoas e escutar, com todos os detalhes, as suas histórias maravilhosas.
 
Certo dia, Roberto viu José tendo um ataque de fúria por causa de uma impressora que não funcionava. Ele precisava imprimir um documento importante, mas a impressora se recusava a funcionar como deveria. Completamente fora de si, José chegou ao ponto de socar a máquina diversas vezes. Ao ver aquela cena, Roberto convidou José para um café, e começou a contar as histórias de muitos sobreviventes dos atentados. Todas continham pequenos detalhes que fizeram toda a diferença entre a vida e a morte. O chefe de uma empresa chegou mais tarde naquele fatídico dia simplesmente porque aquele era o primeiro dia em que seu filho foi à escola. Uma mulher atrasou-se porque justamente naquele dia o despertador não tocou. Outra mulher ficou presa em um congestionamento. O funcionário de uma empresa havia chegado menos de um minuto atrasado ao ponto e perdeu seu ônibus. Uma mulher teve que trocar de roupa porque, na pressa de sair, derramou café em seu vestido. Um executivo teve dificuldade em fazer pegar o motor do carro. O filho de um empresário demorou para se levantar da cama, fazendo com que ele saísse de casa atrasado. Alguém teve que atender uma ligação urgente quando já estava na porta de casa, e por isso acabou se atrasando. E havia ainda muitas outras histórias, todas com pequenos contratempos que, no final das contas, haviam salvado a vida das pessoas envolvidas.
 
A partir daquele dia, José mudou sua forma de viver. Atualmente, quando ele se depara com um congestionamento, perde um elevador, atende uma ligação no momento em que já estava na porta de casa ou se atrasa por não conseguir imprimir um documento, pequenas coisas que antes o aborreciam demais, agora o fazem refletir: “Estou exatamente onde D'us quer que eu esteja neste momento”.
 
Esta é uma importante lição para nossas vidas. Na próxima vez em que você sentir que “levantou com o pé esquerdo”, naqueles dias em que tudo parece dar errado – seus filhos demoram para se vestir, você não se lembra onde deixou as chaves do carro, você pega todos os semáforos fechados no caminho ao trabalho – não se irrite nem se sinta frustrado. Agradeça a D'us por Ele estar cuidando de você. Nem sempre compreendemos a vontade de D'us, mas Ele sempre quer o melhor para nós. O difícil é saber ler nas entrelinhas da nossa vida. 

Nesta semana lemos a Parashat Nassó (literalmente “conte”), que traz o assunto dos “Matanót Kehuná”, os presentes que o povo judeu dava aos Cohanim (sacerdotes). Como os Cohanim se dedicavam apenas aos serviços espirituais do Templo, estes presentes eram a forma deles se sustentarem. Um dos exemplos de “Matanót Kehuná” era o “Maasser” (um décimo da produção do campo), que deveria ser separado e presenteado aos Cohanim. Logo depois a Parashat apresenta as leis de “Sotá”, quando uma mulher despertava em seu marido uma suspeita de infidelidade e ficava momentaneamente proibida para ele até que a situação se esclarecesse. Para que o relacionamento pudesse voltar ao normal, a mulher precisava passar por uma “cerimônia” na qual fazia um juramento de inocência e bebia “águas amargas” preparadas pelo Cohen. Estas “águas amargas” comprovavam se ela havia sido realmente infiel ou não, pois caso nada acontecesse, era uma prova de que ela era inocente, mas se fosse culpada de adultério, as “águas amargas” causavam uma morte terrível e dolorosa para a mulher e para o adúltero.
 
Porém, sabemos que nada está escrito de maneira aleatória na Torá. Há um conceito chamado de “Smichut Parashiót” (proximidade de assuntos), que nos ensina que quando dois assuntos aparentemente desconectados estão escritos um após o outro na Torá, é para nos ensinar que há uma conexão entre eles. O Talmud (Brachót 63a) faz esta conexão e explica que quando uma pessoa se recusar a dar o “Maasser” da sua produção ao Cohen, a consequência é que sua esposa acabará sendo suspeita de infidelidade. Isto significa que aquele que não deu o “Maasser” ao Cohen acabará sendo forçado a ir ao Cohen para que ele realizasse a cerimônia das “águas amargas”, que esclareceria se ele poderia ou não retomar seu relacionamento com sua esposa.
 
Porém, esta explicação do Talmud é difícil de ser entendida. O Rav Yehuda Loew zt”l (Polônia, 1525 – República Checa, 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, faz um interessante questionamento. A aparente mensagem da Torá é uma advertência àquele que não aprecia e não honra o Cohen, sentimento que ele demonstra quando se recusa a dar ao Cohen seu “Maasser”. D'us castiga a pessoa fazendo com que aquele que desprezou o Cohen necessite dos serviços do Cohen. Mas se esta é a mensagem, então por que isto ocorria envolvendo justamente as leis de “Sotá”? A mesma mensagem poderia ser transmitida através de uma série de outros serviços nos quais a presença de um Cohen era requerida, como a purificação de uma pessoa que estava contaminada com a doença espiritual de “Tzaráat”! Além disso, por que o ato do marido, de não entregar o “Maasser” para o Cohen, causa com que sua esposa seja suspeita de leviandade e indiscrição? Qual é a conexão entre as duas coisas?
 
A resposta está nos detalhes da explicação trazida pelo Talmud. Não está escrito que se trata de alguém que não separou o “Maasser” de sua produção, e sim de alguém que separou o “Maasser”, porém se recusou a entregá-lo ao Cohen. Mas quem teria este tipo de atitude? Podemos entender a motivação de alguém que é mesquinho e egoísta, e que se recusa a separar o “Maasser” da sua produção por não querer dividir com os outros o que é seu. Porém, qual é a motivação desta pessoa que já separou o “Maasser” da sua produção, mas que se recusa a entregá-la ao Cohen?
 
Responde o Rav Yohanan Zweig que uma das piores características do ser humano é ser uma pessoa controladora e dominadora, que quer exercer seu poder e sua influência sobre todos à sua volta. Exatamente esta característica pode ser observada na pessoa que não deu seu “Maasser” ao Cohen, pois ele não está demonstrando ser mesquinho, já que separou o “Maasser” da sua produção, mas está demonstrando que é uma pessoa dominadora, que quer manter seu controle sobre o Cohen, e por isso não entrega para ele o “Maasser”.
 
Quando a pessoa tem este tipo de atitude em relação ao Cohen, certamente também se comporta assim com as outras pessoas. Ao juntar o assunto dos “Matanót Kehuná” com o assunto de “Sotá”, a Torá está nos ensinando que aquele que quer sempre exercer o controle sobre os outros provavelmente se relaciona com sua esposa da mesma maneira. E esta dominação do marido sobre a esposa pode causar dois tipos de consequência: ou a esposa pode acabar se rebelando contra seu marido, chegando ao absurdo de cometer um ato de infidelidade, ou o marido pode desenvolver um ciúmes tão doentio que chegará ao ponto de obrigar a própria esposa a beber as “águas amargas” apenas para tirar da cabeça suas suspeitas. Isto se comprova com a linguagem utilizada no versículo que inicia as leis de “Sotá”: “Um homem um homem quando sua esposa se desviar” (Bamidbar 5:12). A Torá repete a linguagem “Ish”, que significa “homem”, demonstrando que o caso de “Sotá” pode acontecer quando o marido quer ser “homem demais”, isto é, quando quer dominar e controlar sua esposa.
 
É interessante perceber que o castigo desta pessoa dominadora é “Midá Kenegued Midá” (medida por medida). Sua própria esposa, sobre quem ele quis exercer controle, se tornava proibida para ele, e o único que podia permitir que ele retomasse o relacionamento com ela era o Cohen. Isto fazia com que ele se defrontasse com a realidade de que, na verdade, ele não tinha controle sobre nenhum dos dois.
 
Esta característica de dominação não é algo que atrapalha apenas nos relacionamentos “Bein Adam LeHaveiró” (entre o homem e seu companheiro). A pessoa que quer sempre impor a sua vontade sobre os outros acaba, no final das contas, também fazendo isso com D'us. Por que ficamos tão bravos quando acontece algo diferente do que esperávamos? Por que reagimos com irritação quando as coisas não saem exatamente como havíamos planejado? Pois no fundo queremos que nossa vontade sempre se cumpra, e esquecemos que o mundo tem um Dono, que controla cada pequeno detalhe com Supervisão Particular. O Talmud (Shabat 105b) afirma que “alguém que rasga as suas roupas com raiva, quebra suas coisas ou espalha o seu dinheiro em uma crise de raiva é considerado como se tivesse feito idolatria”. A perda de controle é uma demonstração de orgulho e prepotência, e a falta de humildade nos faz esquecer que não estamos no controle da situação.

D'us é Misericordioso, e tudo o que Ele faz é para o nosso bem. Mesmo quando as coisas parecem ser negativas, há alguma bondade escondida por trás. Sempre estamos vendo somente parte da história, e apenas D'us tem a visão completa. Portanto, apenas Ele sabe o que é realmente bom para nós. Por isso, quando nossos planos não saem como planejamos, precisamos ter a tranquilidade e a humildade de saber que, apesar da nossa vontade não ter se cumprido, a vontade de D'us se cumpriu.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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