Esfriando os ânimos

“Nachum e Chani eram dois jovens judeus que haviam chegado à idade de se casar. Eles foram apresentados um ao outro por um “Shadchan” (profissional que apresenta pessoas com o propósito de casamento) e, após alguns encontros, perceberam que tinham muito em comum. Os encontros estavam indo tão bem que chegaram a pensar em ficarem noivos.
 
Porém, antes do noivado se concretizar, o Shadchan recebeu uma grande soma de dinheiro para procurar um bom rapaz para uma garota americana que estava estudando em Israel. Pensando em todos os rapazes que conhecia, o Shadchan chegou à conclusão de que Nachum seria perfeito para aquela menina americana. Completamente cego pelo dinheiro, ele bolou um plano perverso para terminar o relacionamento de Nachum e Chani. Em primeiro lugar, ele contatou os pais de Nachum e disse a eles: “Ouçam, estou feliz com este belo Shiduch do Nachum com a Chani, mas eu gostaria de dizer algo a vocês, para que não surjam queixas contra mim após o casamento: os pais da Chani estão espalhando maus rumores sobre vocês”. Os pais de Nachum ficaram arrasados com aquela notícia, e imediatamente decidiram interromper o Shiduch.
 
Não querendo correr riscos, o Shadchan ainda foi falar com os pais de Chani: “Escutem bem, eu não quero que vocês tenham problemas depois do casamento. Eu sei que parece um belo Shiduch da Chani com o Nachum e que tudo está indo bem, mas quero que vocês saibam que a família de Nachum está espalhando rumores desagradáveis ​​sobre vocês”. Ao escutar isso, os pais de Chani também prontamente decidiram interromper o Shiduch. Nachum, que agora estava livre para conhecer outras moças, foi apresentado à garota americana, mas o Shiduch acabou não dando certo.
 
Três meses depois, Nechemia, o pai de Nachum, pensando sobre todo o incidente, não conseguia entender por que Efraim, o pai de Chani, teria espalhado rumores sobre eles. Ele o conhecia desde os tempos em que ainda eram jovens estudantes da Yeshivá e sabia que Efraim não era este tipo de pessoa. Ele decidiu conversar com Efraim pessoalmente para esclarecer a história.
 
– Por que você fez isso, de espalhar maus rumores sobre nós? – perguntou Efraim, muito chateado – Nós te fizemos algo?
 
– Eu? – perguntou confuso Efraim – Fomos informados de que vocês fizeram isso, Nechemia! Estávamos muito chateados, pois escutamos que vocês estavam espalhando maus rumores sobre nossa família!
 
Após alguns instantes de confusão, Efraim e Nechemia entenderam que tudo havia sido um plano do Shadchan que, por ganância, havia causado toda aquela confusão. Chamaram os filhos, conversaram com eles e, naquela mesma noite, um prato foi quebrado e o noivado de dois jovens que não cabiam em si de tanta alegria foi realizado”.
 
Quantos aborrecimentos e sofrimentos poderiam ter sido evitados se, ao invés de guardarmos rancor no coração, tivéssemos a grandeza de julgar as pessoas para o bem e tentássemos esclarecer a situação antes de tomarmos decisões precipitadas? (História real, retirada do livro “Impact!”, de autoria de Dovid Kaplan).

Nesta semana lemos a Parashat Kedoshim (que literalmente significa “Sagrados”), que está repleta de Mitzvót “Bein Adam Lehaveiró” (entre a pessoa e seu companheiro), nos ensinando que, para atingirmos um nível de santidade elevado, não é suficiente apenas nos preocuparmos com o nosso relacionamento “Bein Adam LaMakom” (entre o homem e D'us), também é fundamental sermos muito cuidadosos nos nossos relacionamentos interpessoais. E entre as Mitzvót “Bein Adam Lehaveiró” trazidas na Parashat, há uma que é extremamente importante para o nosso cotidiano: “Não odeie seu companheiro em seu coração; advirta seu companheiro e não carregue sobre ele a transgressão” (Vayikrá 19:17).
 
É importante lembrar que, quando a Torá utiliza a palavra “ódio”, não se refere apenas a um nível de ódio venenoso e prejudicial, mas inclui também níveis muito menores de descontentamento com o próximo. Por isso, precisamos ser muito cuidadosos nos nossos relacionamentos e com os nossos sentimentos em relação às outras pessoas. Porém, este versículo desperta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, a Torá está ressaltando que é proibido odiar outra pessoa no coração, o que aparentemente nos ensina que o problema é apenas quando o ódio fica guardado no coração. Pode ser que o ódio expressado externamente não está proibido pela Torá? Isto parece estranho, em especial por sabermos que o sentimento de ódio gratuito é tão grave que causou a destruição espiritual do nosso Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Além disso, qual é a conexão entre as diferentes partes do versículo, que aparentemente não tem nenhuma relação entre si? E, finalmente, o que significam as palavras “e não carregue sobre ele a transgressão”?
 
De acordo com o Talmud (Erchin 17b), realmente a proibição descrita no versículo se refere apenas ao ódio que fica guardado no coração da pessoa e não inclui, por exemplo, o ódio expressado externamente. Obviamente que é proibido expressar o descontentamento com outra pessoa de uma maneira hostil, que causa sofrimentos, e caso a pessoa faça isso, pode transgredir uma série de outras graves transgressões, como “não se vingar” e “não guardar rancor”. Porém, aquele que expressa seu rancor e seu descontentamento não transgride a Mitzvá de “Não odeie seu companheiro em seu coração”, pois neste caso o ódio não ficou guardado no coração. De acordo com o Sefer HaChinuch (Mitzvá 238), apenas transgride esta Mitzvá aquele que, ao ser machucado por alguém, guarda o ódio dentro de si e não tenta expressar seus sentimentos para a pessoa que o machucou. Mas por que a Torá focou, nesta Mitzvá, apenas o ódio do coração?
 
Quando a pessoa machucada discute com o agressor e vai tirar satisfações, normalmente o ódio diminui. Porém, quando a pessoa não toma nenhuma atitude, ela faz com que o ódio cresça dentro dela, causando consequências ainda mais graves. Um exemplo disso é o incidente descrito no Tanach sobre os filhos de David HaMelech (Rei David), Amnon, Tamar e Avshalom. Amnon cometeu um erro gravíssimo com sua meia-irmã Tamar, causando em Avshalom, irmão de Tamar, um ódio enorme. Nossos sábios afirmam que se Avshalom tivesse ido falar com Amnon sobre o que aconteceu, seu ódio teria se dissipado. Mas, ao invés disso, Avshalom guardou o ódio em seu coração, causando com que este ódio fosse crescendo e se tornando doentio, até o ponto em que ele se levantou e, dois anos depois, assassinou Amnon. Apesar do ato de Amnon ter sido abominável e de Avshalom ter aparentemente o direito de estar furioso com o que aconteceu, no entanto o grande erro de Avshalom foi não ter ido falar com Amnon, e assim ter deixado o ódio crescer até chegar ao ponto de causar, além do assassinato, outras terríveis consequências futuras descritas no Tanach.
 
Foi por isso que nesta Mitzvá a Torá focou justamente no ódio guardado dentro do coração, pois é um ódio que tem um agravante não encontrado no ódio expressado externamente. Guardar no coração pode resultar em uma intensificação do ódio e pode trazer consequências ainda mais desastrosas, o que poderia ter sido evitado se tivesse sido colocado para fora. O Sefer HaChinuch explica que esta diferença faz com que o ódio no coração seja ainda pior do que o ódio expressado, pois causa um enorme mal entre as pessoas, além de conflitos permanentes entre irmãos e amigos.
 
Com este conceito podemos entender a continuação do versículo: “Advirta seu companheiro”. Em um entendimento mais simples, estas palavras referem-se à Mitzvá de repreender o próximo quando o vemos cometendo alguma transgressão. Da mesma maneira que existe o crime de “omissão de socorro”, quando alguém não faz nada para salvar uma pessoa que está em risco de vida, também existe a “omissão de socorro espiritual”, quando alguém vê seu companheiro fazendo uma transgressão, isto é, manchando sua própria alma e colocando seu futuro espiritual em risco, e não faz nada para salvá-la. Porém, estas palavras do versículo também têm outro significado, e inclui uma situação na qual a pessoa foi ferida verbalmente por seu companheiro. Neste caso, a pessoa não deve guardar a mágoa para si, em seu coração, ao contrário, ela deve falar com quem a agrediu. “Advirta seu companheiro” significa que, ao invés de guardar no coração, coloque o que está incomodando para fora, de uma maneira educada e controlada, advertindo quem lhe agrediu.
 
De acordo com o Rav Chaim ben Atar zt”l (Marrocos, 1696 – Israel, 1743), mais conhecido como Or HaChaim, há dois possíveis resultados de expor para a pessoa que nos agrediu, de forma equilibrada, a dor que ela nos causou: a pessoa pode explicar o seu lado da situação, mostrando que, na realidade, tudo não passou de um grande mau entendido, ou ela pode admitir que se comportou de maneira inadequada e, agora que percebeu o dano que causou, pedirá desculpas e se comprometerá a não errar novamente. Isto explica as palavras finais do versículo: “Não carregue sobre ele a transgressão”, isto é, mesmo que alguém te machuque, você não deve imediatamente assumir que a pessoa fez uma transgressão intencional. Ao contrário, não jogue sobre ela a culpa, julgue-a de maneira favorável e dê a ela uma chance de se explicar. Dê o benefício da dúvida a todas as pessoas, pois mesmo que alguém tenha errado, ao conversarmos com ela sobre o seu erro, ela poderá se arrepender de coração ao perceber os danos que causou.
 
Explica o Rav Yehonasan Gefen que desta Mitzvá aprendemos o quanto é grave e condenável guardar ódio em nossos corações, e o quanto uma simples conversa pode ser importante para dissipar o ódio acumulado. A experiência demonstra que, quando seguimos as instruções da Torá nesta área, o resultado quase sempre é que a pessoa se explica ou pede desculpas pelos danos não intencionais causados. A grande maioria das pessoas não é ruim e não tem intenção de causar danos e machucar. Por isso, quando a pessoa que foi agredida com duras palavras explica ao agressor como ela está se sentindo mal, o resultado é quase sempre positivo, evitando uma desnecessária intensificação do ódio e acabando com futuras dores e sofrimentos.
 
Não é fácil abordar alguém que nos machucou, ainda mais de uma maneira calma e educada. Porém, o medo de que não dará certo não nos isenta da obrigação da Torá de tentarmos esclarecer a situação. Existe uma importante Mitzvá de julgar para o bem e nunca acreditar nas primeiras impressões. Esta Mitzvá pode nos salvar da transgressão de “Não odeie seu companheiro em seu coração” e suas terríveis consequências. Muito sofrimento e dor são causados por problemas que nem mesmo existem na realidade, e tudo poderia ser resolvido com uma conversa franca e aberta.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Related Articles

Back to top button