Rafael pegou um táxi e partiu para o aeroporto. O motorista do táxi era um homem simpático e tranquilo, e como Rafael estava bem adiantado, foi dirigindo tranquilamente pela última faixa. De repente, sem dar nenhum sinal, um carro saiu do acostamento e praticamente “jogou” o carro em cima do táxi. O motorista do táxi pisou com força no freio e usou toda sua habilidade para não perder o controle do carro. Conseguiu escapar de um grande acidente por um triz.
O motorista do outro carro, que havia sido um completo irresponsável, abriu a janela e começou a gritar insultos e palavrões para o taxista. Mas o que aconteceu em seguida foi incrível, e Rafael quase não acreditou nos seus olhos: o motorista do táxi, ao invés de devolver a agressão com palavrões e acusações, apenas sorriu e acenou para o outro motorista de maneira calma e simpática. Rafael não aguentou e perguntou:
– Por que você fez isso? Este cara quase nos envolveu em um terrível acidente, que poderia ter destruído seu táxi e nos mandado para o hospital! Você deveria ter gritado e xingado ele no mesmo nível!
– É verdade – disse o taxista, dando um grande sorriso – mas há algum tempo eu decidi viver minha vida de outra maneira. Tudo começou quando eu aprendi a “Lei do Caminhão de Lixo”.
Rafael não entendeu nada. Nunca havia escutado sobre a “Lei do Caminhão de Lixo”. Quando o motorista viu a expressão confusa de Rafael, começou a explicar:
– Muitas pessoas são como caminhões de lixo. Elas andam por aí, carregadas de lixo, cheias de frustrações, raiva e desapontamento. Como o lixo se acumula, elas precisam de algum lugar para descarregar, e às vezes descarregam sobre os outros. Na prática, a “Lei do Caminhão de Lixo” significa aprender a não receber as coisas de forma pessoal. Quando acontecer de alguém jogar sobre você o lixo que está transbordando, como aconteceu com este motorista, apenas sorria, acene, deseje o melhor para a pessoa e siga em frente. Não pegue o lixo delas e espalhe sobre outras pessoas no trabalho, nas ruas ou em casa. Pois, se você reagir, você também terá se transformado em um “Caminhão de Lixo”.
Talvez esta tenha sido a melhor viagem de Rafael. Além de ter chegado são e salvo ao aeroporto, ele aprendeu uma das lições mais importantes da vida: as pessoas que fazem muito “barulho” são aquelas que estão mais vazias. Agressões muitas vezes podem refletir ressentimentos e tristezas acumulados. Devemos fazer a nossa parte e não sair espalhando por aí o lixo que atiram sobre nós.
A Parashat desta semana, Metzorá (que literalmente significa “Pessoa contaminada com Tzaráat”), continua explicando detalhes da doença chamada “Tzaráat”. Muitas vezes esta doença é erroneamente traduzida como “lepra”, justamente porque a Tzaráat apresentava também uma manifestação física através de manchas na pele, que se assemelhavam às manchas da lepra. Porém, a Tzaráat era uma doença espiritual, consequência de alguns tipos específicos de transgressão, em especial o “Lashon Hará”, que é o ato de causar danos físicos, financeiros ou psicológicos a outras pessoas através de informações negativas divulgadas sobre elas.
A Parashat nos ensina o processo através do qual o Metzorá precisava passar para expiar seu erro, como está escrito: “E ordenará o Cohen (sacerdote), e a pessoa a ser purificada pegará dois pássaros vivos, puros, um bastão de cedro, um fio de lã vermelha e hissopo” (Vayikrá 14:4). Rashi (França, 1040 – 1105) explica que cada um destes ingredientes trazia mensagens relacionadas com a transgressão cometida. Por exemplo, os pássaros, que são animais que fazem barulho e ficam piando sem parar, vêm expiar a transgressão que foi feita com barulho, isto é, o Lashon Hará.
O Talmud nos ensina algo semelhante. Cada uma das roupas do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) tinha o propósito de expiar alguma transgressão específica do povo judeu. Uma das roupas do Cohen Gadol era o “Meil”, uma túnica azul celeste que tinha sinos presos em sua borda. Estes sinos serviam justamente para fazer barulho, como está escrito: “E ele (o “Meil”) deve estar sobre Aharon quando ele fizer o serviço, para que seu som seja escutado quando ele entrar no Santuário” (Shemot 28:35). O Talmud (Zevachim 88b) ensina que o “Meil” servia para expiar a transgressão de Lashon Hará, como está escrito: “Que venha a roupa que faz barulho e expie pelo pecado que faz barulho”.
Estas duas fontes da Torá ressaltam que a essência do Lashon Hará é o barulho que ele faz. Porém, isto traz alguns questionamentos. Em primeiro lugar, o Rambam zt”l (Maimônides) (Espanha, 1135 – Egito, 1204) ensina que a pessoa que escuta Lashon Hará tem mais responsabilidade na transgressão do que aquele que fala. Se o Lashon Hará está tão associado ao ato de “fazer barulho”, por que aquele que escuta é mais responsável pelo erro do que aquele que fala?
Além disso, o Rav Isroel Meir HaCohen zt”l (Bielorrússia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, dedicou sua vida a ensinar as leis de “Shmirat Halashon” (cuidados com a fala), para que as pessoas se conscientizassem sobre a gravidade do Lashon Hará. Ele nos ensina, por exemplo, que para transgredir o Lashon Hará não é necessário que a pessoa denigra verbalmente o outro. Até mesmo com gestos ou informações escritas é possível transgredir o Lashon Hará. Portanto, onde está o elemento de “barulho” na transgressão de Lashon Hará, se a pessoa pode transgredir até mesmo sem abrir a boca?
Explica o Rav Yohanan Zweig que, para responder todos estes questionamentos, antes precisamos entender quais são as verdadeiras motivações de um “Baal Lashon Hará” (pessoa que não se importa com o Lashon Hará e não cuida de sua boca, denegrindo outras pessoas o tempo inteiro). Cada ser humano tem uma necessidade profunda de validar sua existência, e há duas maneiras através das quais uma pessoa pode tentar suprir esta necessidade. A primeira maneira é internamente, se esforçando no autoconhecimento e investindo em continuamente melhorar e preencher o seu verdadeiro potencial. A segunda maneira é externamente, diminuindo as outras pessoas, o que traz para ela uma falsa sensação de superioridade. O “Baal Lashon Hará” é aquele que nunca consegue medir seu valor de maneira interna, através de seu próprio potencial. Como ele avalia seu valor de maneira externa, sempre se comparando com outras pessoas, ele tem a necessidade de colocar os outros para baixo, para assim se autoafirmar e se sentir melhor.
Quando alguém define seu valor apenas em relação aos outros, ele precisa de um “palco” e de “expectadores” que aceitem as suas palavras, pois se ninguém o escuta, ele não consegue obter o sentimento de superioridade desejado. Este é o conceito do “barulho” citado pelas fontes da Torá. Não o barulho produzido pela fala, mas sim o barulho de chamar a atenção e denegrir os outros em volta na tentativa desesperada de mostrar o seu valor. Portanto, aquele que escuta o Lashon Hará está transgredindo mais do que aquele que fala, pois está fornecendo o “público” necessário para que o “Baal Lashon Hará” possa fazer barulho para se autoafirmar.
Esta terrível doença, de medir seu próprio valor através da comparação com os outros, se espalhou através da nossa sociedade moderna. As empresas acabam incentivando ainda mais o sentimento de competição ao medir os funcionários sempre de forma relativa, comparando-os uns aos outros. Também os pais e professores acabam errando muito na educação das crianças ao compará-las com os irmãos e colegas. É muito comum pais e professores, ao darem uma bronca em uma criança, questionarem: “Por que você não é como seu irmão, que é tão comportado?”. Achamos que com este tipo de bronca estamos educando, mas podemos estar fazendo justamente o contrário. Podemos estar criando uma criança infeliz que, quando chegar à idade adulta, passará o resto da vida tentando encontrar seu valor apenas baseado na comparação com os outros.
A comparação com os outros é uma ferramenta que, quando mal utilizada, pode ser extremamente destrutiva, pois inibe a habilidade de nos conhecermos e sabermos quem nós realmente somos. Quando definimos nosso valor através de comparação, não colocamos nenhuma ênfase em atingir o nosso verdadeiro potencial. Nosso sucesso atualmente é medido baseado muito mais em nossas vitórias sobre os outros do que em nossas verdadeiras conquistas. Por isso, precisamos fugir deste “vício” e aprender a nos valorizarmos e valorizarmos as outras pessoas de acordo com o potencial verdadeiro de cada um, sem nenhum tipo de comparação. Aos olhos de D'us, cada ser humano tem uma função única e especial, e é este potencial que nós temos que focar todos os dias da nossa vida. Assim, haverá cada vez mais seres humanos saudáveis, felizes e vivendo de acordo com seu verdadeiro potencial.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm