“A abelha estava sempre contente, voando de flor em flor e produzindo seu delicioso mel. Certa vez um grilo encontrou-a e começaram a conversar. Em certo momento, não contendo a curiosidade, o grilo perguntou:
– Senhora abelha, desculpe a invasão de privacidade, mas há algo que sempre me intrigou e eu gostaria de saber. Como você consegue ser tão feliz e estar sempre de bem com a vida? Afinal, você trabalha muito, do momento em que o sol nasce até o momento em que o sol se põe. Você voa de flor em flor, em um incansável trabalho de recolher o pólen. Você se esforça no limite das suas forças para todos os dias fabricar seu delicioso mel. Porém, depois de todo este esforço, vem o ser humano, pega o seu mel e vai embora sem nem mesmo dar satisfação. Como pode ser que, mesmo assim, você nunca tira esse sorriso do rosto?
– Vou te contar qual é a fonte da minha felicidade – respondeu a abelha, sorrindo – É verdade que eu me esforço e, depois de dias de trabalho, vêm o ser humano e leva todo o meu mel embora. Porém, há algo que ele nunca vai conseguir tirar de mim: o segredo de como se faz o delicioso mel. É por isso que eu sou tão feliz.”
Não são as circunstância da vida que determinam se vamos ser felizes ou não, e sim a consciência de como somos especiais. Ninguém pode levar embora a alegria daquele que sabe seu verdadeiro valor.
Nesta semana lemos a Parashat Tetzaveh (que literalmente significa “Comande”), que descreve detalhes das roupas utilizadas pelos Cohanim (sacerdotes) e pelo Cohen Gadol (Sumo sacerdote). No final da Parashat também estão descritos alguns dos serviços feitos no Mishkan (Templo Móvel) como, por exemplo, o sacrifício do “Korban Tamid”, que era oferecido duas vezes por dia, como está escrito: “Você deve oferecer um cordeiro de manhã, e o segundo cordeiro você deve oferecer no final da tarde” (Shemot 29:39).
Este versículo, que parece apenas um ensinamento “técnico”, na verdade contém uma lição muito preciosa. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que discute qual é o ensinamento mais importante da Torá. De acordo com o Rabi Akiva, o principal ensinamento da Torá é “Ame ao próximo como a ti mesmo” (Vayikrá 19:18). Já de acordo com outro sábio, Ben Azai, o ensinamento mais importante está contido no seguinte versículo: “Esta é a conta dos descendentes de Adam: no dia em que D'us criou o ser humano, Ele o fez à semelhança de D'us” (Bereshit 5:1). Há outro Midrash que traz uma terceira opinião, de Rabi Shimon ben Pazi, que afirma que o ensinamento mais importante da Torá é justamente o versículo trazido na nossa Parashá: “Você deve oferecer um cordeiro de manhã, e o segundo cordeiro você deve oferecer no final da tarde”. Mas afinal, qual é o motivo da discussão entre os sábios da Torá? E o que cada um destes versículos têm de tão especial?
Há três tipos de relacionamentos nos quais cada ser humano deve buscar atingir a perfeição: “Bein Adam Lehaveiró” (entre a pessoa e seu companheiro), “Bein Adam LaMakom” (entre a pessoa e D'us) e “Bein Adam LeAtzmó” (entre a pessoa e ela mesma). E estas três áreas de relacionamento são tão interdependentes que, se houver deficiência em uma delas, as três acabam ficando deficientes. Mas como fazer para conseguir ser completo nestas três áreas?
Explica o Rav Yohanan Zweig que uma das características mais importantes na capacidade humana de fazer realizações e ter sucesso em qualquer empreendimento na vida é o seu grau de autoestima. A pessoa com baixa autoestima não se sente motivada a realizar nada, e acaba ficando acomodada. Portanto, a discussão que existe entre os sábios sobre qual é o ensinamento mais importante da Torá é justamente para definir no que a pessoa deve focar para que consiga desenvolver uma definição positiva de si mesma, isto é, se deve ser no seu relacionamento com o próximo, com D'us ou consigo mesma.
De acordo com o Rabi Akiva, quando a pessoa faz atos de bondade e demonstra seu amor ao próximo, ela constrói uma percepção positiva de si mesma. Quando a pessoa aprende a amar os outros, a olhar os outros de maneira positiva, a buscar sempre no outro o que ele tem de melhor, ela também acaba amando e respeitando a si mesma. Por isso ele ensina que o versículo mais importante é “Ame ao próximo como a ti mesmo”
Ben Azai discorda de Rabi Akiva, pois opina que a pessoa que tem baixa autoestima, isto é, que não ama nem a si mesma, certamente não conseguirá amar os outros. Então o que a pessoa deve fazer para apreciar a si mesma? A Torá nos ensina que D'us criou o ser humano à Sua imagem e semelhança. Um exemplo impressionante deste conceito espiritual pode ser visto no caso de uma pessoa que recebe pena de morte por alguma grave transgressão, como aquele que blasfema o nome de D'us em público. Mesmo sendo uma transgressão abominável, a Torá ordena que o corpo do blasfemador morto pelo Beit Din (Tribunal Rabínico) seja enterrado no mesmo dia em que foi executado, como está escrito: “Seu corpo não deve permanecer pendurado na forca durante a noite, ele deve ser enterrado naquele dia, pois uma pessoa pendurada é uma maldição para D'us” (Devarim 21:23). Mas o que significa que manter aquele corpo sem ser enterrado é uma maldição para D'us? Rashi (França, 1040 – 1105) explica que deixar o corpo daquele transgressor exposto durante a noite seria depreciativo com D'us, em cuja imagem e semelhança aquele homem foi criado. Isto significa que mesmo alguém tão baixo e abominável quanto um blasfemador ainda mantém em seu corpo o “selo” da imagem e semelhança com D'us. Portanto, a consciência de que o ser humano é uma criatura Divina é suficiente para que ele receba uma definição positiva de si mesmo, possibilitando que ele consiga aperfeiçoar também o seu relacionamento com as outras pessoas.
Rabi Shimon ben Pazi acha que a resposta de Ben Azai não é satisfatória, pois saber que o homem foi criado à imagem e semelhança de D'us é apenas um indicativo do potencial do ser humano. A simples consciência deste potencial não pode ser a fonte de autoestima do ser humano, pois o efeito contrário pode acontecer caso a pessoa entenda que tem um tremendo potencial, mas que na realidade ela não o está alcançando. Por isso, o Rabi Shimon ben Pazi ensina que a nossa fonte de autoestima vem de outro tipo de entendimento. Na Parashat desta semana vimos que D'us exige que O sirvamos oferecendo Korbanót duas vezes por dia. Isto significa que, apesar de D'us ser Onipotente, Ele criou um relacionamento com o povo judeu no qual nós podemos dar algo para Ele, como se pudéssemos oferecer algo que preenchesse as “necessidades” de D'us. A consciência de que a pessoa é necessária em um relacionamento é um enorme construtor de autoestima. E o impulso final na nossa autoestima vem do reconhecimento de que Aquele que “necessita” de nós é D'us. O entendimento de que temos um relacionamento com D'us e que Ele deseja que O sirvamos dá ao ser humano autoestima.
Para que o ser humano possa perceber seu incrível potencial, ele deve antes de tudo desenvolver sua autoestima. De acordo com Rabi Akiva, isto pode ser alcançado focando no relacionamento com o próximo. Ben Azai opina que o relacionamento do ser humano consigo mesmo é a chave para uma autodefinição positiva. E finalmente Rabi Shimon ben Pazi opina que a consciência do ser humano de seu relacionamento com D'us é a fundação para obter sucesso em todos os tipos de relacionamento.
Portanto, a conclusão da discussão dos nossos sábios é que na verdade os três têm razão, somente cada um deles focou em uma das nossas três áreas de relacionamento. Para chegar à perfeição não basta trabalhar em apenas uma delas, é necessário trabalhar nas três, e a chave do sucesso é ter uma boa autoestima. A pessoa que não tem uma boa autoestima não está bem com ela mesma, com os outros e nem mesmo com D'us. Acaba tornando-se alguém triste, mal humorado e acomodado espiritualmente. Já aquele que trabalha sua autoestima, que se esforça para olhar para si mesmo de uma maneira positiva, de procurar o que tem de melhor dentro de si, consegue estar bem consigo mesma, com os outros e com D'us, pois vai se transformar em uma pessoa positiva, alegre, bem humorada e com muita energia para fazer o seu trabalho espiritual.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm