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Sabendo pedir perdão

“Michel ganhou de presente um papagaio. Mas o que poderia ser uma diversão para a família acabou se tornando um verdadeiro “presente de grego”. O papagaio se comportava mal e tinha um péssimo vocabulário. De cada dez palavras que ele falava, oito eram palavrões.
 
Michel se esforçou para reeducar o pássaro. Ele ficava constantemente dizendo palavras educadas e tocando músicas suaves, mas nada funcionava. Então ele mudou a tática e tentou reeducá-lo através de castigos. Ele gritou, ameaçou, chacoalhou o pássaro, mas o papagaio ficou ainda mais irritado e rude.
 
Certo dia, quando Michel estava com convidados importantes em casa, o papagaio começou a falar palavrões. Desesperado, Michel pegou o papagaio, colocou-o no congelador e fechou a porta. Por alguns momentos ele ouviu o pássaro gritando e bicando a porta, mas de repente tudo ficou quieto. Michel ficou com medo de ter machucado o pássaro e rapidamente abriu a porta do congelador. O papagaio estava com os olhos esbugalhados, visivelmente assustado. Ele subiu no braço estendido de Michel e disse:
 
– Por favor, eu sinto muito por ter te ofendido com a minha linguagem baixa e meus maus atos. Eu peço perdão e vou me esforçar para corrigir meu comportamento.
 
Michel ficou espantado com a drástica mudança de atitude do pássaro. De repente ele havia ficado educado, tranquilo, e havia até pedido perdão! Mas Michel não entendia como um castigo de apenas um minuto havia feito algo tão milagroso. Anteriormente ele já havia tentado trancar o papagaio em uma caixa, sem nenhum resultado. Por que no congelador havia funcionado? Então o papagaio fez uma pergunta que esclareceu tudo:
 
– Desculpe a curiosidade, mas posso saber quais palavras feias aquele frango que está no congelador falou para você?”
 
A piada pode ser engraçada, mas não é engraçado causar mal aos outros e não ter a dignidade de pedir perdão. Assumir um erro e pedir perdão é uma demonstração de grandeza. Como no caso do papagaio, saber pedir perdão pode nos ajudar a não entrar em muitas frias na vida… 
 


 

Nesta semana lemos a Parashat Mishpatim (que literalmente significa “juízos”). A Parashat traz diversas leis “Bein Adam Lehaveiró” (entre o homem e seu semelhante), que visam manter uma convivência harmoniosa entre as pessoas. Entre os ensinamentos da Parashat estão as leis de compensação por qualquer tipo de dano causado. A Torá traz como exemplo o caso de dois homens brigando, e um deles causa acidentalmente lesões corporais a uma terceira pessoa. Neste caso, aquele que causou o dano é considerado completamente responsável pelas consequências do seu ato. A Torá, ao descrever a compensação exigida do agressor, utiliza uma famosa expressão: “Olho por olho, dente por dente” (Shemot 21:24).
 
Os babilônios se basearam neste versículo da Torá para criar a famosa “Pena de Talião”, que consta no Código de Hamurabi. De acordo com a Pena de Talião (que vem do latim “talis”, que significa “idêntico”), o “olho por olho, dente por dente” deveria ser aplicado ao pé da letra, isto é, aquele que quebrasse o dente de outra pessoa era castigado com a quebra do seu dente. Porém, esta aplicação prática feita pelos babilônios demonstra que eles entenderam o versículo da Torá de uma forma completamente equivocada. De acordo com a transmissão oral dos nossos sábios, o “olho por olho, dente por dente” significa que a pessoa que causou uma lesão corporal ao outro deve pagar como indenização o valor monetário do membro que foi atingido. O Talmud (Baba Kama 84a) comprova esta declaração ao afirmar que seria impossível infligir ao agressor uma lesão física exatamente igual à que ele causou em sua vítima, pois não existem duas pessoas fisicamente ou emocionalmente idênticas.
 
Porém, se pararmos para refletir, surge uma grande dúvida. Se toda a intenção do versículo é apenas ensinar que a vítima pode cobrar do agressor uma compensação monetária, então por que a Torá se expressa com uma linguagem que, se tomada literalmente, indica que o agressor estaria sujeito a uma punição física? A Torá não deveria ter explicitado que se trata apenas de uma compensação monetária, escrevendo literalmente “pagamento de um olho por olho”, para evitar uma interpretação tão equivocada quanto à dos legisladores do Código de Hamurabi?
 
Além disso, o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 – Egito, 1204), em seu livro de Halachót (Leis), na seção “Leis de Lesões e Danos”, nos ensina as diversas exigências legais na compensação de danos causados a outra pessoa. Ele ressalta o grande contraste que existe entre a restituição exigida em casos de danos à propriedades e em casos envolvendo lesões corporais. O Rambam afirma que quando alguém causa uma lesão corporal, o pedido de perdão à vítima é obrigatório para que ocorra uma restituição completa.
 
Porém, este comentário do Rambam é um pouco difícil de ser entendido. Por que ele incluiu a exigência de pedir perdão no meio de leis que falam sobre a compensação monetária de um dano? Além disso, o Rambam também inclui esta exigência na seção “Leis de Teshuvá (arrependimento)”. Ele afirma que mesmo que a pessoa tenha feito uma restituição monetária completa pelo dano que causou, seu erro não é expiado até que ele peça perdão e consiga apaziguar a pessoa que sofreu o dano. Mas por que a necessidade do pedido de perdão se a pessoa já foi completamente compensada por sua perda monetária? Já não foi devolvido à vítima tudo o que foi retirado dela?
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que a resposta está em um interessante ensinamento do Talmud (Brachót 33a), que afirma que apesar da vingança normalmente ser uma forma de comportamento inaceitável, há algumas poucas exceções, em situações muito específicas, na qual ela é permitida. A palavra “vingança” em hebraico é “Nekamá”, que vem da mesma raiz de “Kam”, que significa “reestabelecer”. Quando uma pessoa sofre um dano, não apenas suas posses ou seu corpo são atingidos, mas também a sua dignidade. Isto é ainda mais acentuado quando a pessoa sofre lesões corporais, pois o agressor exerceu sobre a vítima uma dominação física, diminuindo sua autoestima. Portanto, a vingança, quando permitida, é uma forma de reestabelecer a dignidade da pessoa insultada.
 
Foi justamente por este motivo que a Torá escreveu que a restituição de uma lesão corporal deve ser “olho por olho, dente por dente”. Esta expressão tem um significado de castigo físico ao agressor, e nos ensina que a única maneira de realmente restaurar a autoestima da vítima seria aplicando ao agressor exatamente o mesmo dano que ele causou. Porém, nossos sábios explicam que na prática este tipo de restituição seria impossível, pois de qualquer maneira a consequência não seria idêntica para o agressor e o agredido e, portanto, acabaria sendo injusta. Por este motivo a punição física foi substituída por uma compensação monetária. Mas por outro lado, o dinheiro também não é capaz de restaurar a autoestima destruída da pessoa. Então o que fazer para que a justiça seja feita? Além da compensação monetária, o agressor também deve implorar pelo perdão de sua vítima, pois no momento em que o agressor busca apaziguar sua vítima, um pouco de sua dignidade danificada é restaurada.
 
Aprendemos daqui que pedir perdão e apaziguar uma pessoa que possamos ter ofendido através de algum dano ou agressão é um componente integral da restituição dos prejuízos causados. É por isso que o Rambam inclui o pedido de perdão no meio das leis que discutem a compensação monetária dos danos causados. Além disso, espiritualmente a pessoa não consegue alcançar a expiação do seu erro até que devolva o que foi retirado do seu companheiro. Isto vale para a parte material do dano, mas também se aplica para a parte psicológica. Portanto, o pedido de perdão e o apaziguamento é um dos pré-requisitos para receber expiação pelo erro cometido, pois ajuda a devolver a dignidade que havia sido retirada da vítima. E é por isso que o Rambam inclui também a necessidade de pedir perdão em suas “Leis de Teshuvá”.
 

Diz o ditado que errar é humano. E realmente é impossível que um ser humano nunca erre, magoe ou cause danos aos outros, mesmo que seja sem intenção. Porém, está em nossas mãos consertar os erros que cometemos, tanto materialmente quanto psicologicamente. Um simples “me desculpe, eu errei” pode derrubar muitas barreiras criadas por brigas e discussões. Assumir o erro e pedir perdão é uma demonstração de maturidade e grandeza espiritual. Por isso, apesar de errar ser humano, saber pedir perdão é Divino.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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