Sacrifício pelos filhos

Certa vez Yaacov (nome fictício) foi falar com o Rav Elazar Menachem Man Shach zt”l (Lituânia, 1899 – Israel, 2001), Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) da Yeshivá de Ponovich, em Bnei Brak. Ele tinha uma interessante pergunta em relação à Mitzvá de “Kibud Av Ve Em” (honrar os pais):

– Rav, nesta semana meu pai me pediu para que eu parasse de fumar. Eu tenho obrigação de escutá-lo?

– Não entendi sua pergunta – respondeu o Rav Shach – É óbvio que você tem o dever de escutá-lo, por causa da Mitzvá de “Kibud Av Ve Em”!

– Mas Rav – insistiu Yaacov – eu já fumo há muitos anos, e será um enorme sacrifício conseguir parar de fumar. Por isso eu estou perguntando se realmente eu preciso escutar meu pai…

– Como você pode considerar a possibilidade de não escutar seu pai apenas pelo fato de ele ter pedido algo difícil? Você acha que isto te isenta da obrigação de escutá-lo? – questionou o Rav Shach – Eu já fui fumante, sei o quanto é difícil parar de fumar. Mas a verdade é que milhares de dificuldades como esta não chegam nem a um milésimo do que nós devemos aos nossos pais. Ao invés de pensar no sacrifício que você terá que fazer pelo seu pai, você alguma vez já parou para pensar quantos sacrifícios ele já fez por você na vida? 
 


Nesta semana lemos a Parasha Ki Tetse, que traz uma das Mitzvót mais enigmáticas da Torá: o “Shiloach HaKen”. Se uma pessoa encontra um ninho de pássaro e a mãe está lá, cuidando dos seus ovos ou dos seus pequenos filhotes, a Torá proíbe a pessoa de pegar a mãe junto com os ovos ou os filhotes. O correto é primeiro espantar a mãe, garantindo sua liberdade, e somente depois pegar os ovos ou os filhotes. Mas qual é a lógica desta Mitzvá?

Há alguns detalhes que tornam esta Mitzvá ainda mais interessante e enigmática. Por exemplo, a Torá descreve explicitamente a recompensa daqueles que a cumprem: “Para que seja bom para você e seus dias se prolonguem” (Devarim 22:7). Mas por que uma recompensa tão grande, de prolongamento da vida, para uma Mitzvá aparentemente tão simples, de espantar um pássaro do seu ninho? Qual mensagem D'us quer nos transmitir ao valorizar tanto esta Mitzvá?

Além disso, a Torá detalha as 613 Mitzvót que D'us nos comandou no Monte Sinai, sendo que 248 delas são Mitzvót positivas (Mitzvót que devemos ativamente cumprir, como fazer o Brit Milá no 8º dia de vida de um bebê ou colocar Tefilin) e 365 são Mitzvót negativas (Transgressões que devemos evitar, como o “Não matarás” e o “Não roubarás”). As Mitzvót negativas normalmente têm o seu castigo explicitamente escrito na Torá, mas as recompensas das Mitzvót positivas não estão escritas. As duas únicas exceções em toda a Torá são as Mitzvót de “Shiloach HaKen” e “Kibud Av ve Em”, pois apesar de serem Mitzvót positivas, suas recompensas estão explícitas na Torá.

Ao observarmos as recompensas explícitas destas duas Mitzvót positivas, algo nos chama ainda mais a atenção: a recompensa das duas Mitzvót é exatamente a mesma. Enquanto em relação ao “Shiloach HaKen” está escrito “Para que seja bom para você e seus dias se prolonguem” (Devarim 22:6,7)”, em relação ao “Kibud Av Ve Em” está escrito “Para que se prolonguem seus dias” (Shemot 20:12). Porém, estas parecem ser Mitzvót muito diferentes e sem nenhum tipo de vínculo entre elas. Então por que a Torá somente ensinou a recompensa destas duas Mitzvót positivas, e por que justamente as duas têm exatamente a mesma recompensa? Há algum ponto em comum entre elas?

Responde o Rav Yaacov Weinberg zt”l (Israel, 1923 – EUA, 1999) que o ponto em comum é a Messirut Nefesh (auto sacrifício) que as duas Mitzvót envolvem, e em ambos os casos a Torá oferece uma grande recompensa como um estímulo para o reconhecimento desta Messirut Nefesh envolvida nelas.

Quando a Torá nos instruiu a honrar os nossos pais, um dos motivos é para nos fazer reconhecer os enormes sacrifícios que os pais fazem pelos seus filhos. Esta verdadeira “entrega total” já começa durante a gravidez, quando a vida dos pais começa a sofrer mudanças. A mãe começa a sentir náuseas, tonturas e um cansaço fora do normal, mudando toda a rotina do casal. Depois do nascimento a situação fica ainda mais complicada, pois as tranquilas noites de sono se transformam em noites de vigília, tanto durante a amamentação quanto nas noites em que as crianças ficam doentes e precisam dos cuidados dos pais. E como diz o famoso ditado, “pequenas crianças, pequenos problemas; grandes crianças, grandes problemas”, pois conforme a criança vai crescendo, assim também as preocupações dos pais com o seu bem estar, com a sua educação e com as dificuldades naturais do seu crescimento. E talvez o auge de todo o stress seja o momento do casamento dos filhos, quando recai sobre os pais o grande peso de arcar com as despesas da festa e de uma possível ajuda financeira ao novo casal. Portanto, ser pai significa abrir mão de seu próprio conforto em prol do conforto dos seus filhos. A Torá oferece esta recompensa incrível, o prolongamento dos dias de vida, para aquele que cumpre a Mitzvá de honrar os pais justamente para que as pessoas se esforcem para apreciar, reconhecer e agradecer toda a Messirut Nefesh feita por eles desde a sua concepção.

É exatamente o ponto da Messirut Nefesh pelos filhos que conecta a enigmática Mitzvá de “Shiloach HaKen” com a Mitzvá de “Kibud Av Ve Em”. Qualquer pessoa que já tentou pegar um pássaro com suas próprias mãos sabe que isto é uma missão praticamente impossível. Os pássaros são muito ágeis e levantam voo ao menor sinal de ameaça. Em uma praça cheia de pombas, basta chegarmos perto e elas já levantam voo para alcançar algum lugar mais seguro. Existe uma única forma de agarrar um pássaro com as nossas próprias mãos: no momento em que ele está no ninho, cuidando de seus filhotes ou chocando seus ovos. Por que? Pois como qualquer outra mãe, o pássaro está disposto a sacrificar sua própria liberdade apenas para estar junto com os filhotes, tentando protegê-los de qualquer perigo.

Esta é a essência da Mitzvá de “Shiloach HaKen”. Ao nos obrigar a espantar a mãe, a Torá está nos proibindo de tirar vantagem do imenso sacrifício que uma mãe faz pelos seus filhos, que é parte de seu instinto maternal. Não podemos aprisionar o pássaro nos aproveitando deste momento de “fraqueza”. Portanto, quando damos para a mãe dos filhotes a sua liberdade, deixando-a ir embora, estamos evitando utilizar contra ela o atributo de se sacrificar pelos filhos. De certa maneira isto também é uma forma de apreciar e reconhecer o ato de Messirut Nefesh de uma mãe pelos seus filhos, e por isso as duas Mitzvót estão tão conectadas. E em ambas as Mitzvót, pelo fato de estarmos reconhecendo e apreciando o amor maternal e a enorme preocupação que os pais têm com seus filhos, acabamos nos tornando merecedores de receber uma recompensa tão grande quanto o alongamento dos dias.

Desta Parashat aprendemos o quanto é querido aos olhos de D'us darmos o devido valor a todo o sacrifício que nossos pais fizeram ou continuam fazendo por nós. Na verdade, a Mitzvá de “Kibud Av Ve Em” é tão importante que não termina nem depois do falecimento dos pais. Mesmo depois que eles já partiram deste mundo, continuamos obrigados a honrá-los e a fazer de tudo para elevar suas almas. A Halachá (Lei Judaica) exige que, ao se referir aos nossos pais, mesmo já falecidos, devemos fazê-lo sempre de uma maneira muito honrosa e respeitosa.

Infelizmente vivemos de acordo com aquele ditado que diz que “somente damos valor para a luz quando ela falta”. Somos tão egoístas que, na maioria das vezes, somente aprendemos a dar valor aos nossos pais quando nós temos os nossos próprios filhos e sentimos na pele as dificuldades de criá-los. Através destas duas Mitzvót tão especiais, de “Shiloach HaKen” e de “Kibud Av ve Em”, D'us nos estimulou a prestarmos mais atenção nas coisas boas que recebemos dos nossos pais e a refletirmos sobre o quanto eles se dedicaram e se dedicam por nós, e o quanto devemos a eles as nossas próprias vidas e tudo o que recebemos de bom deles.

“Um pai consegue cuidar de 10 filhos, mas 10 filhos não conseguem cuidar de um pai”

“SHETIKATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA)
SHABAT SHALOM                                          

Rav Efraim Birbojm

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