Grandes pequenos atos

Há alguns anos, Aharon Feldman (nome fictício), um judeu de Dallas, foi pela primeira vez para Israel e ficou extremamente tocado com o país, com seu povo e particularmente com a Emuná (fé) das pessoas. Quando ele visitou o Muro das Lamentações, ficou fascinado pela sinceridade e intensidade com a qual um judeu Chassídico fazia sua Tefilá (reza). Ele balançava para frente e para trás, completamente absorto em sua conversa com D'us. Em toda sua vida Aharon nunca havia visto alguém derramar seu coração diante de D'us com tanta pureza. Naquele momento Aharon decidiu que, assim que voltasse para casa, faria uma generosa doação de Tzedaká (caridade) pelo mérito daquele Chassid que ele nem mesmo sabia quem era.
 
Assim que voltou para Dallas, Aharon tentou procurar na cidade alguma sinagoga na qual aquele Chassid se sentiria confortável em rezar. Um dia ele entrou em uma sinagoga ortodoxa, quase no fim de Shacharit (reza da manhã). Aharon começou a analisar o lugar e seus frequentadores, todos eles vestindo seus Tefilin e cobertos com seus Talitót. O homem se encantou com aquele lugar e decidiu que sua busca havia chegado ao fim, pois aquele era o lugar para o qual ele daria sua doação.
 
Depois da reza, o rabino da sinagoga foi dar as boas vindas àquele estranho. Para a surpresa do rabino, o aperto de mão veio junto com um cheque de 10 mil dólares. Era uma enorme quantia, que podia ajudar muito nas atividades religiosas da sinagoga. Uma Tzedaká (caridade) dada por um homem que o rabino mal conhecia, em mérito de um homem que nenhum dos dois jamais voltaria a ver na vida. E aquele momento acabou tornando-se apenas o início de um envolvimento cada vez maior daquele doador com a sinagoga de Dallas, o que possibilitou que a sinagoga crescesse e pudesse fazer muitas atividades em prol do povo judeu. (História Real)
 
A história certamente não terminou aqui. Quando aquele Chassid for para o Céu, D'us começará a fazer a contabilidade dele, levando em consideração os bons e maus atos feitos na vida. Então D'us incluirá os méritos daquela doação na sinagoga de Dallas e todos os frutos positivos que nasceram disto. O Chassid, espantado, dirá para D'us: “Há algum engano aqui. Eu nunca fui para Dallas, e muito menos fiz uma doação de 10 mil dólares!”. Então D'us explicará que, por causa daquela Tefilá feita com tanta Kavaná no Muro das Lamentações, ele havia meritado todas as consequência positivas que vieram depois. Naquele momento o Chassid entenderá como são importantes cada um dos pequenos atos que fazemos neste mundo, e o impacto que eles têm sobre nós mesmos, sobre os outros à nossa volta e sobre o mundo inteiro. 
 


A Parashá desta semana, Eikev, começa com a promessa de D'us que, caso o povo judeu siga as leis e estatutos da Torá, receberá muitas recompensas, como está escrito: “E eis que, pelo fato de vocês terem escutado estas leis… E (D'us) amará vocês, e os abençoará” (Devarim 7:12,13). Na verdade este tema se repete diversas vezes na Torá, sempre D'us condicionando as Brachót (bênçãos) aos nossos bons atos. Porém, nesta Parashá, um termo incomum é utilizado: “Ekev”. O significado literal seria “pelo fato de”, mas Rashi traz uma explicação alternativa para a utilização deste termo. A palavra “Ekev” também significa “calcanhar”, e é uma alusão às Mitzvót que as pessoas tendem a tratar de forma leviana. Como são Mitzvót que parecem ser pouco importantes, as pessoas tendem a “pisar sobre elas com seus calcanhares”, isto é, desprezar seu cumprimento. Por isso a Torá veio nos comandar a sermos cuidadosos inclusive no cumprimento destas Mitzvót que normalmente são negligenciadas.
 
Apesar de parecer um ensinamento sem muita importância, se prestarmos atenção em nossos atos, perceberemos que caímos frequentemente nesta armadilha em nossas vidas. Por exemplo, nós pensamos que honestidade significa ter a oportunidade de roubar uma grande quantidade de dinheiro e conseguir vencer a tentação. Entretanto, o verdadeiro teste de honestidade não é com grandes valores de dinheiro, é justamente com os pequenos valores. A pessoa é testada em sua honestidade quando recebe troco a mais no banco, quando pensa em enganar o seguro saúde e pedir um reembolso maior do que foi gasto ou quando compra produtos pirateados. Em casos como estes, muitos acabam optando por fazer o que é incorreto, baseando-se em uma série de racionalizações para justificar seus maus atos. Portanto, não é a honestidade que faz com que estas pessoas não roubem valores maiores de dinheiro, e sim o medo de serem pegas pela polícia ou a falta de racionalização para maldades tão descaradas.
 
Na realidade, a pessoa que é cuidadosa mesmo com as pequenas coisas tem muito mais chance de enfrentar com sucesso os grandes testes da vida. Por exemplo, se a pessoa se acostuma a ser excessivamente honesta, isto se torna parte do seu caráter. Desta maneira, mesmo que ela seja submetida a um grande desafio de honestidade, é muito provável que sairá vitoriosa. Em outras palavras, o nosso caráter não é construído durante os momentos de grandes testes, e sim na nossa luta diária para nos tornarmos pessoas melhores.
 
Muitas batalhas que surgem em nossas vidas poderiam ser vencidas se mantivéssemos a constância do nosso caráter. Nossos sábios explicam que o Tzadik (justo) não é aquele que nunca cai, e sim aquele que cai repetidas vezes, mas após cada queda ele se levanta e se reforça em alguma área para não voltar a cair. E o contrário também é válido, pois o Rashá (malvado) não é a pessoa que faz o mal, e sim aquele que quando cai, ao invés de tentar se levantar e não repetir mais seu erro no futuro, desiste e se deixa levar por seus maus instintos. Portanto, errar é algo que acontece com todos, tanto os Tzadikim quanto os Reshaim. A diferença está após a queda, se a pessoa vai decidir se levantar e melhorar, ou se vai preferir ficar no chão, reclamando das dificuldades da vida. Adam e Chavá não foram expulsos do Gan Éden por causa da transgressão que cometeram, e sim por não terem admitido seu erro e por não terem se responsabilizado por seu mau ato.
 
Outra mensagem que a Parashá também nos transmite é em relação ao cuidado com a nossa avaliação distorcida sobre quais são as coisas mais importantes e quais são as coisas secundárias em nossas vidas. Em especial na nossa sociedade ocidental, na qual nossos valores são moldados por Hollywood e pelos estilistas italianos. Isto pode acabar custando caro, quando desprezamos valores verdadeiros e importantes na vida por causa de uma visão distorcida. É como uma pessoa que monta sobre o teto do carro um bagageiro portátil. Sem ler o manual de instruções, a pessoa começa a montar utilizando apenas a sua lógica, através de tentativa e erro, encaixando uma peça na outra. O que acontece no final? Sobram alguns pequenos parafusos, que aparentemente não servem para nada, e por isso são jogados no lixo. No meio da viagem, a pessoa faz uma parada em um posto de gasolina e constata, para seu desespero, que o bagageiro portátil colapsou e foi perdendo partes ao longo do caminho. Aqueles pequenos parafusos eram justamente os componentes que fixavam as partes móveis, e por terem sido jogadas no lixo, deixaram o conjunto inteiro desmontar.
 
A vida também é assim. Se não soubermos quais são as prioridades, se “pisarmos com o calcanhar” em valores importantes e verdadeiro por acharmos que não são importantes, temos grande chances de colapsar no futuro. O mais triste é que, como na história do bagageiro portátil, só percebemos nosso erro no meio da viagem, quando fazemos um retrospecto e percebemos quantas coisas importantes ficaram para trás. Alguns ainda conseguem se reconstruir, mas para muitos acaba sendo tarde demais.
 
Esta é uma das grandes vantagens do judaísmo. Diferente da cultura ocidental, onde os valores mudam constantemente e nos deixam perdidos em relação à direção na qual devemos caminhar, podemos confiar que os valores eternos da Torá são corretos e nos levam para a direção correta na vida. Os ensinamentos da Torá resistiram aos desafios do tempo e, apesar das rápidas mudanças que o mundo sofreu, continuam extremamente relevantes e atuais. As tecnologias podem evoluir, mas o ser humano, e principalmente a nossa alma, não mudaram, e a Torá ensina quais são as nossas reais necessidades e como preenchê-las.
 
Estamos sempre esperando por grandes eventos que possam nos inspirar e nos levar a patamares espirituais mais elevados. Ansiamos por encontrar um grande amor, por um por do sol estonteante, por uma incrível viagem exotérica ao Nepal, pois acreditamos que somente assim alcançaremos o crescimento que buscamos. Mas isto faz com que estejamos sempre no “banco de reservas”, esperando o momento de entrar em campo. A verdade é que já estamos no meio do jogo, e o momento mais importante das nossas vidas é o “agora”. Não são os grandes atos que vão mudar o mundo, e sim os pequenos atos do cotidiano. Por isso, não fique esperando o momento certo, faça com que o “agora” seja o momento certo, para mudar a sua própria vida, a das pessoas à sua volta e do mundo inteiro.  

SHABAT SHALOM                                           
 
Rav Efraim Birbojm

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