Quem ajuda quem

“O Raban Yohanan ben Zakai, um dos maiores sábios da época do 2º Templo, era uma pessoa muito elevada espiritualmente. Certa vez ele viu em um sonho que seus sobrinhos, filhos de sua irmã, perderiam naquele ano setecentos dinarim (moeda da época), uma enorme quantia de dinheiro. Sem contar nada a eles sobre o sonho, Raban Yohanan forçou-os a dar-lhe aquela quantia de 700 dinarim para que ele distribuísse entre os pobres e necessitados. Mas seus sobrinhos, apesar de serem homens de negócio muito ricos, não deram o valor completo e deixaram faltando 17 dinarim.

Na véspera de Yom Kipur, oficiais do governo chegaram para prender os sobrinhos do Raban Yohanan ben Zakai. Eles foram falsamente acusados de sonegação de impostos e mandados para a prisão. O Raban Yohanan foi visitá-los e os tranquilizou, dizendo que quando pegassem deles os 17 dinarim que faltavam, eles seriam soltos e não perderiam mais nenhum centavo. Os sobrinhos questionaram como ele sabia daquilo, e o Raban Yohanan ben Zakai esclareceu:

– Eu já havia sido informado em um sonho do decreto que vocês perderiam 700 dinarim neste ano.

– Então por que você não nos disse nada? – questionaram os sobrinhos – Certamente se nós soubéssemos, teríamos dado os 700 dinarim completos e teríamos evitado estes problemas!

– Eu queria que vocês cumprissem a Mitzvá de Tsedaká de forma sincera, apenas pelo ato de fazer bondade, e não com segundas intenções. Se eu tivesse contado o sonho, vocês teriam me dado o dinheiro apenas para poupar sofrimentos, não para ajudar os pobres.
(História Real, Talmud Baba Batra 10a).

Mesmo as perdas financeiras e os sofrimentos que elas envolvem podem ser transformados em méritos se utilizamos nosso dinheiro para dar Tzedaká.
 


A Parashá desta semana, Re'eh, traz diversos assuntos distintos, como o cuidado com falsos profetas, as leis de Kashrut e as Festas judaicas. Outro assunto trazido pela Parashá é a importância de sermos misericordiosos com os pobres, como está escrito: “Se houver um pobre entre vocês, qualquer um de seus irmãos em qualquer uma das suas cidades… você não deve endurecer seu coração e nem fechar sua mão para seu irmão pobre” (Devarim 15:7). A Torá nos ensina a sermos generosos e darmos Tzedaká (caridade) a todos aqueles que estão em dificuldade.

Quando uma pessoa rica ajuda um pobre, aparentemente é o pobre quem está recebendo algo. Mas nossos sábios ensinam que isto não é verdade. O Talmud (Baba Batra 10a) conta que certa vez um malvado romano chamado Turnus Rufus questionou de forma irônica o grande sábio Rabi Akiva. Ele perguntou: “Se o seu D'us gosta tanto dos pobres, por que Ele não os sustenta?”. Rabi Akiva não se abalou com o questionamento e respondeu: “Para nos salvar dos sofrimentos do Guehinom (local de expiação espiritual que as almas passam depois do falecimento)”. O Rabi Akiva, em sua resposta, nos ensina algo fantástico: pensamos que é o rico que ajuda o pobre, mas na verdade é o pobre que ajuda o rico.

O mesmo conceito aprendemos da história de Ruth, a moabita que se converteu ao judaísmo e se tornou uma grande Tzadeket (Justa) dentro do povo judeu, meritando ser a bisavó de David HaMelech (Rei David). Ela era da realeza de Moav, um povo idólatra, e abandonou todo o conforto da casa de seus pais para seguir o caminho de D'us. Ela foi para Israel com sua sogra, Naomi, em estado de pobreza total, sem ter nem mesmo o que comer. Ela então foi buscar trigo nos campos de um homem piedoso chamado Boaz, que cumpria a Halachá (lei judaica) de deixar parte da colheita para os pobres recolherem. Quando Ruth voltou para casa com uma enorme quantidade de trigo e sua sogra perguntou onde ela havia conseguido tanta fartura, ela respondeu: “O nome do homem para quem eu trabalhei hoje é Boaz” (Ruth 2:19). Mas o que significam estas palavras de Ruth? Ela havia feito algo por Boaz, o dono do campo? Havia trabalhado para ele? Responde o Midrash (Ruth Rabá) que daqui aprendemos que mais do que o rico faz pelo pobre, o pobre faz pelo rico. Está escrito que Ruth “trabalhou” para Boaz, pois ela deu a Boaz a possibilidade de receber méritos por sua bondade com os pobres.

Normalmente imaginamos que a expressão “mais do que o rico faz pelo pobre, o pobre faz pelo rico” se refere apenas ao Mundo Vindouro, e que a única contribuição que o pobre dá ao rico é o mérito que ele recebe por ter cumprido a Mitzvá de Tzedaká, como ressaltou o Rabi Akiva quando afirmou que aquele que dá Tsedaká se salva de sofrimentos espirituais que virão depois da morte. Mas aprendemos da história do Raban Yohanan ben Zakai e seus sobrinhos que também nesta vida o rico recebe mais do que o pobre. Quando uma pessoa dá Tzedaká, ela pensa que está fazendo um favor ao pobre com seu dinheiro. Mas a verdade é que quem nos dá todo o dinheiro que temos é D'us, e parte do que Ele nos dá não é para nosso uso, e sim para dividirmos com os pobres. Se não usamos o dinheiro para Tzedaká, como era a vontade de D'us, então Ele utiliza seus enviados para pegar de volta este dinheiro. E como ensinam nossos sábios, “muitos são os enviados de D'us”, isto é, D'us controla o mundo inteiro e facilmente pode tirar de uma pessoa um dinheiro que não pertence a ela.

Portanto, é isto que nossos sábios querem transmitir quando afirmam que o bem que o pobre faz ao rico é maior do que o bem que o rico faz ao pobre, pois o dinheiro que o rico dá já pertence ao pobre, e quando o pobre recebe este dinheiro, automaticamente faz com que o rico fique protegido de sofrimentos e dificuldades terríveis, como afirmou o mais sábio de todos os homens, Shlomo HaMelech (Rei Salomão): “A Tzedaká salva da morte” (Mishlei – Provérbios 10:2).

Mas ainda fica um grande questionamento sobre este ensinamento dos nossos sábios. Vimos que na verdade quem ganha no final das contas é aquele que dá ao pobre. Então por que o pobre precisa sofrer tanto, e passar por necessidades, fome e sede, se os méritos vão para o rico?

Responde o Rav Eliahu Dessler (Latvia, 1892 – Israel, 1953), em seu livro Michtav MeEliahu, algo incrível, que muda completamente nossa perspectiva de como devemos enxergar as dificuldades que temos na vida. Ele afirma que vale a pena para o ser humano viver uma vida de privações e pobreza, até mesmo com dores e doenças, desde que saia disso algo bom para os outros. A pessoa com necessidades normalmente causa com que pessoas precisem ajudá-lo, e assim acabem recebendo méritos para toda a eternidade por causa dele. Portanto, o necessitado também acaba recebendo méritos pelas bondades que causou aos outros.

Aprendemos então que aquele que deixa de ajudar um pobre acaba cometendo três transgressões. A primeira transgressão é que ele perde para sempre a alegria eterna que receberia no Mundo Vindouro pelo cumprimento da Mitzvá de Tzedaká. A segunda transgressão é que a pessoa tentou segurar em seu poder um dinheiro que não era seu. A parte do dinheiro que foi mandada para que a pessoa utilize como Tzedaká, caso não seja utilizada para este fim, também não fica nas mãos dela e acabará se perdendo de outra maneira. E a terceira transgressão é causar um sofrimento em dobro ao pobre. O primeiro sofrimento é que a pessoa poderia ter minimizado as necessidades do pobre com sua Tzedaká, mas ao não ajudá-lo, causou com que o sofrimento dele se prolongue por mais tempo. Além disso, a pessoa que não ajuda o pobre faz com que o sofrimento do pobre tenha sido “em vão”, pois o rico não permitiu que o motivo verdadeiro do sofrimento do pobre, isto é, dar ao rico a possibilidade de fazer bondade, se cumpra.

Normalmente aquele que dá dinheiro a um pobre sente que o pobre agora tem uma dívida de gratidão com ele. Mas de acordo com o que nossos sábios ensinaram é justamente o contrário, é aquele que ajuda o pobre que deve se sentir endividado e precisa agradecer pela oportunidade que o pobre lhe ofereceu. Portanto, na próxima vez em que você der uma Tzedaká, agradeça a quem está recebendo, pois na verdade é ele quem está lhe ajudando, neste mundo e no Mundo Vindouro.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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