Tapas para educar, não para machucar

“Havia um homem muito rico que era dono de um imenso pomar, de onde emanava um cheiro delicioso. No centro do pomar o homem construiu uma bela casa, para que pudesse desfrutar daquela linda vista e cuidar do pomar. Para que ninguém estragasse nada, o homem cercou todo o pomar com um muro bem alto.

Certo dia o homem voltou para casa e percebeu que havia um pequeno buraco no muro. Procurou no pomar e viu um homem que roubava frutas e colocava em uma sacola. O dono do pomar poderia ter chamado a atenção do homem, mas decidiu não fazer nada, afinal, não era algo tão grave assim pegar algumas frutas do pomar dos outros.

Mais alguns dias se passaram e o homem percebeu que o buraco estava maior. Quando procurou o ladrão de frutas, desta vez viu que ele não roubava apenas as frutas individualmente, mas arrancava galhos inteiros para levar mais frutas de uma só vez. Novamente o dono do pomar achou que não valia a pena brigar por causa disso e deixou que o ladrão levasse as frutas.

Na semana seguinte, o dono do pomar percebeu que a pequena abertura havia se transformado em um portão. Foi quando viu, horrorizado, que o ladrão já não roubava apenas frutas ou galhos das árvores. Com um machado na mão, ele derrubava as árvores inteiras e as levava embora. Isso o dono do pomar não podia aguentar. Chamou a polícia, que chegou rapidamente e pegou o homem em flagrante. O homem apanhou muito dos policiais e ficou todo machucado.

Vendo aquela cena, um grande remorso tomou conta do dono do pomar. Por não ter feito nada quando o ladrão começou com pequenos delitos, ele havia contribuído para que ele chegasse a níveis cada vez piores. Se desde a primeira vez ele tivesse brigado com o homem, nada disso teria acontecido”

Ensina o Chafetz Chaim que quando uma pessoa começa a se desviar do caminho correto, a tendência é que ela se desvie cada vez mais. Para nos ajudar a não se desviar, D'us nos “cercou” com as Mitzvót. Mas muitas vezes abrimos “buracos no muro”, isto é, transgredimos as Mitzvót. Então D'us precisa nos mandar castigos, para nos ajudar a voltar aos caminhos corretos, evitando que continuemos a abrir buracos cada vez maiores no muro, o que poderia comprometer o nosso futuro.
 


A Parashá desta semana, Reê, começa com um aviso de D'us: “Veja, Eu coloco hoje diante de vocês a Brachá (benção) e a Klalá (maldição)” (Devarim 11:26). D'us está nos advertido sobre as duas possibilidades que temos na vida, de cumprir as Mitzvót que Ele nos entregou ou transgredi-las, e as consequências de cada uma das escolhas. Porém, observando detalhadamente este versículo, surge uma pergunta: por que está escrito “a Brachá e a Klalá” e não “a Brachá ou a Klalá”? Como podem estar as duas coisas juntas?

Estamos acostumados a recompensar as boas ações e castigar as más ações. Mas não estamos acostumados a recompensar alguém por não ter feito o mal ou a castigar alguém por não ter feito o bem. Em outras palavras, castigamos um ladrão por ter cometido um roubo, mas não recompensamos uma pessoa por ela ter deixado de roubar algo que ela desejava. Recompensamos uma pessoa por ter nos ajudado a limpar nossa casa, mas não a castigamos se ela não quiser ajudar. Portanto, em um mesmo ato não há como juntar a Brachá e a Klalá, elas não se aplicam juntas à mesma situação.

Porém, observarmos na Torá que não é assim que D'us se comporta. Vemos na Torá que a Brachá e a Klalá podem sim estar juntas. Por exemplo, existe uma grave proibição de consumir o sangue dos animais, como está escrito “E qualquer homem da Casa de Israel ou peregrino que habitar entre eles e comer algum sangue, colocarei Minha ira sobre a pessoa que comer o sangue, a banirei de seu povo” (Vayikrá 17:10). Já na Parashá desta semana está escrito “Mas não comerás o sangue; o derramarás na terra, como água… Não o comas, para que esteja bem contigo e teus filhos depois de ti…” (Devarim 12:16,25). Por um lado, comer sangue é uma grave transgressão com um terrível castigo, por outro lado aquele que evita de comer sangue é recompensado por isso. Explica Rashi, comentarista da Torá, que se a recompensa se aplica a deixar de comer sangue, que é algo repugnante, mais ainda se aplica a coisas proibidas pelas quais a pessoa sente um forte desejo mas consegue deixar de fazer. E é isto que o primeiro versículo da Parashá nos ensina, que de acordo com as regras que D'us criou para o mundo, é possível que a mesma Mitzvá traga Brachá ou Klalá. Mas por que esta diferença entre o comportamento dos seres humanos, onde não vemos a Brachá e a Klalá juntas, e o comportamento de D'us, onde sim é possível que a Brachá e a Klalá estejam juntas?

Ensina o Rav Yitzchak Blazer que para entender, precisamos antes diferenciar entre dois tipos de castigo e recompensa. Existe um castigo e recompensa que está ligado com o passado, e há um castigo e recompensa ligado com o futuro. Por exemplo, quando uma pessoa encontra dentro de sua casa um ladrão ameaçando sua família, ele golpeia o ladrão sem piedade, e com certeza estes golpes não têm nenhuma intenção de educar e endireitar os caminhos futuros do ladrão. Toda a motivação dos golpes é uma vingança pelo ladrão ter
entrado na casa para roubar e machucar sua família. O mesmo acontece com a recompensa que uma pessoa dá ao seu companheiro por um serviço prestado, ele paga por um ato passado. Quando nos focamos no passado, somente há Brachá se a pessoa fez algo bom e Klalá se a pessoa fez algo ruim, os dois não andam juntos.

Já o castigo e a recompensa que são voltados para o futuro são diferentes. É o que acontece no relacionamento entre um pai e um filho. Por exemplo, quando um filho pequeno tenta atravessar a rua sozinho, colocando em risco sua vida, seu pai lhe dá uma boa surra. A surra não é uma vingança contra o ato que o filho cometeu, afinal, é apenas uma pequena criança ainda sem discernimento de certo e errado. Toda a intenção do pai ao aplicar sofrimentos ao seu filho é direcionada para o futuro, para criar nele o medo de atravessar a rua sem cuidado, protegendo assim a sua vida. Também quando o pai dá ao filho presentes, não o faz como um pagamento de algo que ele fez no passado, e sim como um incentivo para que ele continue andando nos caminhos corretos. Quando pensamos no futuro, existe Brachá por fazer o certo e castigo por deixar de fazer o certo, existe castigo por fazer o incorreto e Brachá por deixar de fazer o incorreto.

Da mesma forma que o pai se comporta com seu filho pensando no seu bem futuro, assim também D'us, o nosso Pai, se comporta conosco, os Seus filhos. Os castigos e recompensas de D'us não são um pagamento por coisas que aconteceram no passado, são um incentivo para o nosso futuro crescimento espiritual. Nos ensina o Midrash (parte da Torá Oral) que D'us não mandou as Brachót e as Klalót para o nosso mal, e sim para nos ensinar qual é o caminho bom, para que o escolhamos e possamos receber nossa recompensa. D'us se preocupa com o nosso futuro, com a nossa eternidade, e Ele quer mais do que nós que tenhamos prazeres eternos no Olam Habá, pois Ele criou o mundo com este objetivo. Portanto, todos os sofrimentos que Ele nos manda são por amor, para nos despertar, para nos ajudar a voltar ao caminho correto, nos ajudando a meritar a nossa vida eterna.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
 

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