“O Rav Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, viveu em Radin, na Polônia, um local onde o inverno era extremamente rigoroso. Quando ele tinha cerca de 94 anos, o Yetzer Hará (Má inclinação) tentava de tudo para convencê-lo a não sair da cama de manhã, para fazê-lo perder a reza na sinagoga. Algumas vezes o Yetzer dizia para ele: “Chafetz Chaim, agora é inverno, está muito frio lá fora, fique mais um pouco na cama quentinha”. Outras vezes o Yetzer Hará tentava outro argumento: “Chafetz Chaim, você já é um homem muito velho, você precisa descansar mais um pouco”. E havia oportunidades em que o Yetzer Hará dizia para ele: “Chafetz Chaim, está cedo demais, você não precisa rezar agora, deixe para rezar mais tarde”.
Como o Chafetz Chaim conseguia vencer seu Yetzer Hará? Respondendo para ele: “Yetzer Hará, não seja um hipócrita. Você foi criado junto com o mundo, isto é, você já está velho. E mesmo sendo bem mais velho do que eu, você já está de pé desde a madrugada, no frio, trabalhando. Então por que eu, que sou muito mais jovem do que você, deveria continuar deitado, ao invés de fazer o meu trabalho espiritual?”
O Chafetz Chaim nos ensina que para vencer o Yetzer Hará, temos que saber lutar contra todas as estratégias que ele utiliza para tentar nos derrubar. Ele tenta nos enganar com argumentos simples. Por isso, precisamos estar sempre alertas para saber contra-argumentar cada um deles.
Na Parashá desta semana, Shoftim, a Torá nos descreve vários aspectos da conduta do povo judeu nas guerras. Moshé começa ressaltando a importância de cada soldado judeu não sentir medo, mesmo nas situações de aparente desvantagem numérica, enfatizando que D'us lutaria junto com o povo. Um “Cohen (sacerdote) de guerra” era especialmente nomeado para as batalhas, e um de seus trabalhos era encorajar os soldados antes da guerra. E assim ele falava aos soldados: “Escute, Israel, vocês se aproximam hoje da batalha contra seus inimigos. Não deixe que seu coração se acovarde, não tenha medo, não sinta pânico, e não se quebre diante deles” (Devarim 20:3). É interessante perceber que o Cohen repetia algumas vezes a mensagem “não sintam medo”, mas utilizando diferentes linguagens.
Mas esta necessidade repetitiva de encorajamentos é aparentemente incoerente com um ensinamento do Talmud (Sotá 44b), que diz que apenas os mais Tzadikim (Justos) do povo iam para a guerra, e qualquer transgressão, mesmo as mais leves, desqualificava a pessoa para ser um soldado do povo judeu. Se estamos falando de um exército composto por soldados espiritualmente tão elevados, certamente eram pessoas com muita Emuná (fé). É entendível que eles se amedrontassem, por causa da pressão, quando sentissem a guerra se aproximando. Mas após um primeiro encorajamento, os soldados já deveriam voltar ao seu nível original de Emuná. Então por que o Cohen repetia tantas vezes o conceito de não ter medo, e com tantas linguagens diferentes?
Explica o Rav Eliahu Dessler que uma pessoa com medo não se concentra na luta e contagia seus companheiros, desmotivando todos à sua volta. Por isso, quando um povo saía para lutar contra outro, utilizava quatro tipos de “truques” para apavorar o inimigo. A primeira artimanha era fazer muito ruído batendo objetos uns contra os outros, dando a impressão de que um exército gigantesco se aproximava. Então eles faziam seus cavalos relincharem, dando a impressão de que o exército inimigo era muito bem equipado. Depois disso gritavam com toda força, produzindo um ruído ensurdecedor, que era escutado a dezenas de quilômetros. E finalmente, eles tocavam trombetas, produzindo um som que por si só já amedrontava aqueles que escutavam.
É por isso que o Cohen utilizava quatro expressões diferentes de encorajamento, uma para cada estratégia de guerra utilizada pelo exército inimigo. “Não deixe que seu coração se acovarde” por causa do relincho dos cavalos, “não tenha medo” por causa do barulho dos objetos, “não sinta pânico” por causa do toque das trombetas, e “não se quebre diante deles” por causa dos gritos dos soldados. Mas por que não era suficiente apenas um único encorajamento? Se os inimigos utilizassem apenas uma única estratégia para amedrontar, como o relincho dos cavalos, o encorajamento do Cohen seria suficiente para fazer voltar a Emuná do povo judeu. A partir daí, mesmo que fizessem mais cem vezes seus cavalos relincharem, isto não traria mais medo. Mas quando eles mudavam e utilizavam uma nova estratégia, voltava o perigo de o medo surgir, e por isso era necessário um novo encorajamento. Portanto, para cada uma das quatro táticas de desencorajar o exército inimigo, era necessário um tipo diferente de incentivo do Cohen.
Este conceito trazido na nossa Parashá, apesar de ter sido ensinado há mais de 3.000 anos, também pode ser utilizado para nossas vidas. Qualquer general sabe que um dos pré-requisitos para vencer uma guerra é conhecer bem o inimigo. Quanto mais conhecemos o exército inimigo, suas armas e suas formas de ataque, melhor podemos nos preparar para enfrentá-lo e derrotá-lo. Mas se vamos para a frente de batalha despreparados, podemos ser pegos de surpresa, com menos possibilidade de reação. Este conceito vale para as guerras físicas, mas também pode e deve ser utilizado na nossa guerra espiritual contra o nosso maior inimigo: o Yetzer Hará (Má inclinação). Para derrotá-lo, é preciso conhecê-lo.
O Yetzer nos ataca utilizando o mesmo princípio que os exércitos utilizavam antigamente: a renovação das formas de ataque. Se ele lutasse sempre da mesma maneira, poderíamos facilmente aprender como derrotá-lo. Mas quando pensamos que já o derrotamos, ele se levanta e novamente nos ataca, mas desta vez com outras armas. Portanto, esta é a grande dificuldade de lutar contra o Yetzer: ele muda constantemente a forma de nos atacar. Por isto precisamos estar sempre alertas contra este temível inimigo. Contra ele não existe descanso nem trégua.
Este conceito aprendemos de Yaacov Avinu. A Torá nos conta que ele lutou com o Yetzer Hará e, após a luta, perguntou seu nome, pois no nome está contida a essência de qualquer criatura. Yaacov esperava entender a essência do Yetzer Hará para poder ensinar aos seus descendentes a fórmula para vencê-lo. Mas o Yetzer respondeu: “Para que você pergunta meu nome?” (Bereshit 32:30). É como se o Yetzer estivesse dizendo: “Não adianta eu falar meu nome, pois minha principal força é não ter uma essência fixa. Eu posso mudar a todo instante, para atacar as pessoas onde elas menos esperam”.
Um ser humano, ao ser derrotado em uma luta, ainda tenta se levantar novamente. Mas se após duas ou três tentativas ele continua sendo derrotado, ele desiste. Porém, o Yetzer Hará não é assim. Ele pode ser derrotado centenas de vezes, mas sempre voltará, e cada vez com uma nova tática de guerra. Então como vencer um inimigo assim tão poderoso, versado em todos os tipos de batalha e que surge cada vez com um ataque diferente? D'us nos ensinou a receita ao afirmar: “Eu criei o Yetzer Hará, e criei também o antídoto contra ele: a Torá”. O que isto significa?
Em países onde as guerras são frequentes, os soldados estão constantemente sob intenso treinamento militar, pois é necessário estar preparado para qualquer situação que possa surgir durante a guerra. O soldado não pode aprender a atirar ou a montar sua arma durante a guerra, pois quando o inimigo está diante dele, vindo para matar, cada segundo é precioso. O soldado precisa treinar muito para aprender as várias técnicas de luta e estar preparado para todas as possibilidades de ataque inimigo. Quanto mais preparado e treinado o exército estiver, maiores as chances de vitória.
Assim também é na nossa guerra espiritual contra o Yetzer Hará. Ensina o Talmud (Makót 23b), em nome do Rabi Chanania ben Akashia: “D'us queria dar méritos para o povo judeu, por isso Ele multiplicou a Torá e as Mitzvót”. Temos muitas Mitzvót na Torá, e é isso que mantém o povo judeu vivo há tanto tempo. Elas são o nosso treinamento militar, para nos deixar prontos para os ataques do Yetzer Hará. As Mitzvót cobrem todas as áreas da vida: no “Bein Adam La Makom” (entre o homem e D'us), no “Bein Adam Le Haveiró” (entre o homem e seu semelhante) e no “Bein Adam Le Atzmó” (o homem consigo mesmo).
Diz o ditado popular que quanto mais difícil é o treinamento, mais fácil é a batalha. Seguir as Mitzvót da Torá não é algo fácil, mas nos prepara para vencer as dificuldades e testes da vida. Quando seguimos o “Manual de instruções”, nos preparamos para qualquer tipo de surpresa, aprendemos a lidar com as mais diferentes situações. Uma pessoa que cumpre as Mitzvót aprende a ter autocontrole, facilitando muito o sucesso no seu casamento, na educação dos seus filhos e no relacionamento com as pessoas em geral. A pessoa se torna mais paciente e tolerante, aprende a ver a vida de uma maneira positiva e a julgar as pessoas para o bem. Portanto, vive de maneira mais harmoniosa. Por isso, a lição que fica para nossas vidas é a importância de se preparar bastante no treinamento, pois no momento da guerra pode ser tarde demais.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm