“Jonas era uma pessoa muito esforçada e trabalhadora, mas não tinha muito sucesso na vida. Não passava necessidades, mas o dinheiro estava sempre contado. Pelo menos ele se alegrava por ter um maravilhoso casamento, no qual havia muito respeito mútuo. Mesmo nas épocas de maiores dificuldades era muito raro o casal discutir.
Certa vez, quando Jonas estava viajando, voltando de uma tentativa frustrada de negócios, ele resolveu fazer uma visita a um famoso rabino, cuja santidade e força de suas Brachót (Bençãos) eram muito conhecidas. Esperançoso, Jonas entrou na sala do rabino e pediu para ele uma Brachá. O rabino segurou a mão de Jonas e, com muita concentração, falou:
– Que seja a vontade de D'us que a primeira coisa que você fizer em casa prospere e dure para sempre.
Jonas ficou muito contente com a Brachá do rabino. Conhecendo a sua santidade, Jonas sabia que aquelas palavras certamente se cumpririam. Então ele começou a refletir sobre qual deveria ser seu primeiro ato quando chegasse em casa. Decidiu que contaria várias vezes todo o dinheiro que tivesse em casa, pois assim a Brachá do rabino recairia sobre o seu dinheiro e ele ficaria rico.
Já sonhando com os milhões que ganharia, Jonas entrou em casa e mal cumprimentou sua esposa. Ele então pediu, em tom de urgência, que ela imediatamente trouxesse todo dinheiro que havia em casa. Um pouco assustada com o estranho pedido repentino do marido e se sentindo muito pressionada, a esposa não conseguia lembrar-se onde estavam guardadas as economias que eles haviam juntado. Após a insistência e o mau-humor de Jonas, a esposa começou a desconfiar que havia algo de errado e se recusou a entregar a ele qualquer dinheiro.
Revoltado com a atitude da esposa, Jonas perdeu a cabeça e esqueceu-se completamente das palavras do rabino. O que estava destinado a ser uma Brachá transformou-se então em uma maldição. Jonas já nem se lembrava que havia voltado para casa para procurar seu dinheiro e começou a gritar com a esposa, iniciando uma troca de acusações e ofensas. As palavras do rabino se cumpriram e, a partir daquele dia, naquela casa o que prosperou e durou para sempre foram as brigas e discussões. Jonas continuou tão pobre quanto era antes, e agora não tinha nem mesmo uma casa com paz e tranquilidade”
Explica o Maguid MiDuvno que às vezes esquecemos nossas prioridades. Quando focamos apenas nas nossas próprias necessidades, de maneira egoísta, podemos perder as coisas mais importantes da vida.
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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que conta a história de uma geração completamente desviada dos caminhos corretos e que praticava apenas maus atos. D'us, descontente com as transgressões daquela geração, decidiu mandar um dilúvio para destruir a humanidade. Os únicos que encontraram graça aos olhos de D'us e tiveram o mérito de serem salvos foram Noach e sua família, como está escrito “Noach era um Tzadik (Justo) e reto em sua geração” (Bereshit 6:9). Mas por que está escrito que Noach era Tzadik “em sua geração”? Explica Rashi, comentarista da Torá, que apesar de Noach ser uma pessoa correta que se destacava em uma geração de Reshaim (malvados), comparado com Avraham Avinu ele não era nada. Onde enxergamos esta diferença tão grande entre Noach e Avraham Avinu?
Em primeiro lugar, enquanto Avraham dedicou sua vida a ajudar e tentar salvar as pessoas e trazê-las aos caminhos corretos, Noach se contentou em salvar a si mesmo e sua família, e não fez grandes esforços para que as pessoas se arrependessem dos seus erros, apesar de D'us ter dado a ele um prazo de 120 anos. Enquanto Avraham implorou a D'us para poupar a cidade de Sdom, onde só havia habitantes Reshaim, Noach pouco fez para salvar a humanidade inteira. É por isso que nossos sábios também chamam o dilúvio de “as águas de Noach”, colocando sobre Noach parte da responsabilidade pela terrível tragédia que quase apagou a humanidade, por ele não ter se importado com os outros.
Além disso, após passar um ano na arca, logo que Noach saiu ele fez um ato que não seria esperado de um grande Tzadik: antes de plantar qualquer outra árvore, Noach plantou um vinhedo, para saciar seu desejo de beber vinho. E as consequências deste ato foram trágicas. Noach bebeu do vinho produzido a partir das uvas deste vinhedo, se embriagou e ficou nu dentro de sua tenda. A Torá então descreve que Noach passou por uma enorme vergonha e desonra.
Mas desta passagem da Torá surge uma grande pergunta: se Noach logo que saiu da arca plantou um vinhedo, como pode ser que ele imediatamente conseguiu beber vinho produzido a partir destas uvas? Apesar do plantio das uvas e a fabricação do vinho levar anos, segundo a descrição da Torá tudo aconteceu em poucas horas. Como o processo pode ter sido tão rápido?
Responde o Maguid MiDuvno que logo após o fim do dilúvio, D'us lembrou-se de Noach e quis dar ao mundo uma medida adicional de bondade e misericórdia. Noach deveria ter assumido a liderança na reconstrução do mundo devastado e na recriação de uma nova geração que daria continuidade à humanidade. Contando que Noach estava guiado apenas pelas motivações mais nobres, D'us deu a ele uma Brachá especial: a primeira coisa que ele fizesse ao sair da arca teria muito sucesso e prosperaria de uma maneira sobrenatural.
Infelizmente, ao invés de Noach ter pensamentos elevados, ao invés de investir em algo que pudesse favorecer toda a humanidade, ele pensou apenas em si mesmo e plantou um vinhedo. A palavra de D'us se cumpriu e a grande Brachá dada por Ele foi aplicada ao vinhedo. Noach não teve que esperar anos para ter proveito das uvas, ele pôde colhê-las no mesmo dia em que havia plantado as sementes e transformá-las em vinho.
Portanto, o maior erro de Noach não foi ter perdido o controle e ter se embebedado. O principal erro foi ter perdido o potencial da Brachá que ele havia recebido de D'us. Ao invés de utilizá-la em prol da humanidade, em algo que ajudaria na reconstrução do mundo, Noach preferiu utilizar a Brachá de D'us para um motivo egoísta, que terminou em vergonha e degradação. A própria linguagem utilizada pela Torá nos mostra a queda espiritual de Noach. O versículo no qual Noach plantou o vinhedo começa com as seguintes palavras: “Vayachel Noach” (Bereshit 9:20). Estas palavras podem ser traduzidas como “E começou Noach”, mas Rashi comenta que “Vayachel” também significa “E se degradou”. A consequência de utilizar a Brachá de D'us para motivos egoístas foi a degradação de Noach.
Já quando a Torá se refere a Avraham, assim está escrito: “E plantou Avraham uma “Eshel” em Beer Sheva, e proclamou o nome de Hashem, D'us do universo” (Bereshit 21:33). O Talmud (Sotá 10a) discute qual o significado da palavra “Eshel”. De acordo com uma opinião, Avraham plantou um pomar para que os viajantes que passassem por ali tivessem comida à vontade, enquanto a outra opinião afirma que Avraham construiu uma hospedaria para que os viajantes pudessem descansar. Rashi explica que a palavra “Eshel” é um acróstico de “Achilá, Shtiá e Levaiá” (Comida, bebida e companhia), os três serviços básicos que um anfitrião deve oferecer aos seus convidados. Isto demonstra a enorme diferença espiritual entre Noach e Avraham Avinu. Enquanto Noach plantou um vinhedo para seu próprio prazer, sem pensar nos outros, desperdiçando a Brachá especial de D'us, Avraham se preocupou em fazer atos que beneficiavam as outras pessoas.
Este ensinamento da Parashá é muito importante para nossas vidas, para nos conscientizar que muitas vezes fazemos o mesmo erro de Noach. Ao invés de utilizarmos nossas energias e nossa capacidade para fazer o bem ao próximo, na maioria das vezes utilizamos nosso potencial de maneira egoísta. Aprendemos de Avraham que quando pensamos nos outros, acabamos ajudando também a nós mesmos, mas quando pensamos apenas em nós mesmos, como Noach, somos nós os maiores prejudicados.
“Pois isto é o ser humano: não para si mesmo ele foi criado, e sim para ajudar ao próximo, com toda a força que encontrar” (Rav Chaim Vologzniner)