“O Rav Isroel Meir HaCohen (Bielorússia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, aprendeu muitas coisas na vida observando cuidadosamente cada atitude de seu rabino, o Rav Nachum Kaplan (Lituânia, 1812 – 1879), carinhosamente conhecido como Reb Nechumke, pois sabia que todos os atos do seu rabino eram muito ponderados e tinham alguma motivação profunda.
Um dos exemplos ocorreu em um dia de Chánuka, quando a casa do Reb Nechumke estava cheia de parentes e alunos que queriam participar com ele do acendimento das velas. A Chanukiá polida e brilhante já estava no lugar apropriado, os copinhos já estavam cheios de azeite cristalino e puro, e os pavios de algodão já estavam preparados para o acendimento. Quando chegou o horário de acendimento, ao contrário do que todos esperavam, o Rav Nechumke permaneceu sentado ao lado da Chanukiá, estudando tranquilamente. Nas janelas das casas vizinhas já era possível ver várias velas de Chánuka sendo acesas, mas o Rav Nechumke não se movia do lugar para acender sua Chanukiá. Passou uma hora, e depois mais uma hora, mas o Reb Nechumke continuava sentado ao lado da Chanukiá e não se levantava para acendê-la. Lá fora já estava escuro e ninguém entendia o motivo do atraso, estavam todos perplexos. As crianças menores já estavam sem paciência, ansiosas pelo acendimento.
Após mais uma hora ter passado, todos escutaram uma leve batida na porta. A porta se abriu lentamente e a esposa do Rav Nechumke entrou em casa. Quando o Rav Nechumke viu que sua esposa havia chegado, abriu um enorme sorriso e imediatamente foi acender a Chanukiá. Depois do acendimento, os alunos questionaram o motivo daquela demora:
– Rav, de acordo com uma das opiniões dos nossos sábios, somente é possível acender as velas de Chánuka até o por do sol. Sabemos o quanto você é exigente e tenta cumprir as Mitzvót levando em consideração mesmo as opiniões mais rigorosas. Então por que você esperou pela sua esposa, se de acordo com a Halachá (Lei Judaica) ela não tinha obrigação de estar presente no momento do acendimento das velas?
– Vocês fizeram uma boa pergunta – começou a dizer o Rav Nechumke, olhando para os alunos com carinho – mas o que eu fiz está baseado em um ensinamento dos nossos sábios. Explica o Talmud (Torá Oral) que se um homem é tão pobre que não tem condições de comprar as velas de Shabat e as velas de Chánuka, ele deve dar prioridade para as velas de Shabat, pois elas envolvem o conceito de “Shalom Bait” (Harmonia familiar). Eu sabia que se eu não esperasse minha esposa e acendesse a Chanukiá sem ela, certamente eu causaria um sofrimento nela e com isso poderia prejudicar meu Shalom Bait. Se de acordo com o ensinamento dos nossos sábios as velas de Shabat têm prioridade sobre as velas de Chánuka por causa do Shalom Bait, então eu decidi que poderia me apoiar nas opiniões mais lenientes, que permitem o acendimento das velas de Chánuka depois do pôr do sol, para assim garantir que eu não causaria nenhuma mágoa em minha esposa.”
Devemos cumprir com alegria e com seriedade todas as Mitzvót, mas sem nunca esquecer a nossa obrigação de “Derech Eretz” (se comportar de maneira decente e respeitosa).
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Na Parashá desta semana, Vaietze, Yaacov foge da fúria de seu irmão Essav, que queria matá-lo, e parte em direção à casa de seu tio Lavan, onde também poderia procurar por uma esposa. Porém, antes disso, Yaacov decidiu passar 14 anos estudando na Yeshivá (Centro de estudos) de Shem e Ever, descendentes de Noach (Noé), para desenvolver sua espiritualidade e se elevar. Quando finalmente ele se dirigiu à casa de seu tio Lavan, no caminho passou por uma incrível experiência transcendental.
Quando Yaacov chegou ao lugar onde futuramente seria construído o Beit Hamikdash, anoiteceu de repente. Sem condições de continuar a viagem, ele colocou algumas pedras para apoiar sua cabeça, deitou e dormiu. Yaacov então teve um sonho profético, no qual ele viu uma escada apoiada na terra e cujo topo chegava até o céu, e nela havia anjos subindo e descendo. Uma incrível visão celestial, que poucas pessoas na história meritaram. Yaacov teve a oportunidade de atingir níveis de sabedoria ilimitados, e muitos segredos da criação foram mostrados para ele. Nesta visão profética houve também uma revelação de D'us, na qual Ele fez uma promessa eterna a Yaacov e seus descendentes.
Além disso, a Torá ressalta que todo o evento foi diretamente direcionado por D'us, e muitas coisas acima das leis da natureza ocorreram para que Yaacov tivesse esta visão profética. Rashi (França, 1040 – 1105), comentarista da Torá, explica que há vários milagres indicados no seguinte versículo: “Ele (Yaacov) encontrou o lugar e passou a noite lá, pois o sol se pôs. E ele pegou das pedras do lugar que ele tinha colocado em volta de sua cabeça, e deitou naquele lugar” (Bereshit 28:11). “Pois o sol se pôs” significa que D'us fez com que milagrosamente o pôr do sol acontecesse antes do horário, para forçar Yaacov a dormir lá. “E encontrou o lugar” significa que Yaacov “saltou” de forma milagrosa até aquele lugar sagrado, onde D'us queria se revelar para ele. “E ele pegou as pedras do lugar” significa que as pedras se juntaram e se tornaram uma só pedra grande, para que Yaacov pudesse apoiar sua cabeça e dormir.
Se nós tivéssemos o mérito de receber durante um sonho uma visão profética tão elevada como a de Yaacov, não acordaríamos muito felizes por esta experiência transcendental e esta conexão espiritual tão incrível? Não estaríamos contentes por termos sido escolhidos para tal revelação, com a ocorrência de tantos milagres que a antecederam? Mas a Torá descreve que esta não foi a reação de Yaacov: “E Yaacov acordou do seu sono e disse: 'Então existe D'us neste lugar, e eu não sabia'” (Bereshit 28:16). De acordo com Rashi, é como se Yaacov estivesse dizendo: “Se eu soubesse, não teria dormido neste lugar tão sagrado”. Ao invés de acordar alegre, Yaacov acordou arrependido de ter dormido lá.
A reação de Yaacov é difícil de ser entendida. Nossos sábios ensinam que não foi nem mesmo um sono pesado, foi apenas uma soneca. E foi justamente por causa desta soneca que a alma de Yaacov se conectou com D'us e alcançou incríveis visões proféticas. Além disso, estava óbvio pelos milagres que aconteceram que foi D'us que “forçou” Yaacov a dormir naquele lugar sagrado. Então por que ele ficou tão temeroso de ter dormido lá? Se não tivesse dormido, ele teria perdido a oportunidade daquela visão profética, então por que se arrependeu?
Explica o Rav Nosson Tzvi Finkel (Lituânia, 1849 – Israel, 1927), mais conhecido como Alter MiSlobodka, que daqui aprendemos o quanto nossos antepassados eram rigorosos com a característica de “Derech Eretz”. Derech Eretz é a forma da pessoa se comportar, em todos os seus atos, com educação, respeito, atenção e decência. Yaacov entendeu que, mesmo que foi apenas uma soneca, era um sinal de desrespeito com a santidade do lugar. Isto significa que Yaacov deu mais importância ao Derech Eretz do que à Revelação Divina e todos os segredos ocultos que foram mostrados a ele, e estaria disposto a abrir mão de todo aquele crescimento espiritual apenas para ter se portado com mais Derech Eretz.
Este comportamento de Yaacov ilustra muito bem um importante conceito ensinado pelos nossos sábios: “Derech Eretz Kadmá LaTorá” (o Derech Eretz vem antes da Torá). O que significa esta expressão? Explica o Rabeinu Yona (Espanha, século 12) que a pessoa precisa continuamente melhorar seus traços de caráter, pois somente assim a Torá que ela estudar ficará para sempre com ela. Mas se a pessoa estudar sem ter refinado seu caráter, no final acabará perdendo seu estudo. O Derech Eretz precisa vir antes da Torá pois é parte das fundações do ser humano, que permitirá que tudo construído em sua vida se mantenha em pé.
Se Yaacov estava disposto a abrir mão de uma grande Revelação Divina por causa do Derech Eretz, muito maior é a nossa obrigação de termos cuidado com nosso comportamento nos atos cotidianos, evitando causar qualquer constrangimento ou sofrimento aos outros. Muitas vezes, por nos descuidarmos, acabamos ofendendo e até mesmo humilhando outras pessoas. Por isso, antes de almejar nos tornarmos pessoas espiritualmente elevadas, precisamos almejar no tornarmos pessoas educadas e corretas. Assim, tudo o que construirmos espiritualmente se manterá para sempre.
SHABAT SHALOM
Rabino Efraim Birbojm