SENTINDO A DOR DO PRÓXIMO COMO SE FOSSE SUA

“O Rav Elazar Menachem Man Shach zt”l (Lituânia, 1899 – Israel, 2001), o Rosh Yeshivá (Diretor Espiritual) da Yeshivá de Ponovitch, em Bnei Brak, era um homem extremamente ocupado, tanto com os assuntos da Yeshivá quanto com o atendimento ao público em geral. Um rabino muito próximo dele percebeu que, mesmo quando a Yeshivá estava de férias e o Rav Shach não estava dando aulas, ele não aproveitava nem mesmo alguns dias para viajar um pouco e descansar. Então o rabino perguntou a ele:
 
– Rav, se os alunos não estão e não há aulas para dar, por que você não viaja um pouco para descansar?
 
O Rav Shach, abrindo um sorriso, respondeu:
 
– Além das aulas que eu dou na Yeshivá, as portas da minha casa estão sempre abertas para quem procura ensinamentos de Torá, respostas para suas perguntas, aconselhamentos ou simplesmente uma Brachá. Muitas pessoas querem dividir comigo os sofrimentos e dificuldades que estão passando na vida. Algumas pessoas eu consigo ajudar, outras infelizmente tudo o que eu posso fazer é escutá-las atentamente enquanto elas abrem seus corações. Porém, mesmo para estas pessoas, eu sei que apenas por estar escutando eu já estou ajudando a aliviar um pouco da carga que elas carregam.
 
– Por isso – continuou o Rav Shach – se eu sair para viajar, mesmo que seja por alguns poucos dias, o que as pessoas com problemas farão? Com quem elas conversarão? Quem elas procurarão para abrir seus corações? Eu prefiro ficar aqui, caso alguém precise de mim”.

Durante a história, muitos judeus abriram mão do seu descanso e de sua comodidade em prol de ajudar outras pessoas. Esta é, certamente, uma das maiores contribuições do povo judeu ao mundo: ensinar até onde pode chegar a nossa compaixão e a nossa misericórdia pelo próximo.

                                           

Na Parashá desta semana, Vaerá (literalmente “E apareceu”), D'us mandou Moshé se revelar diante do povo judeu como sendo o líder escolhido para a iminente salvação da dura escravidão egípcia. Porém, a escravidão havia sido tão pesada e os judeus haviam passado por sofrimentos tão terríveis e longos que eles não conseguiam acreditar nas palavras de Moshé, de que realmente o momento da salvação havia chegado e que a escravidão terminaria, como está escrito: “E Moshé falou assim aos Filhos de Israel, mas eles não puderam escutá-lo, por causa da angústia de espírito e por causa da dura escravidão” (Shemot 6:9).
 
Porém, este versículo é difícil de ser entendido. Justamente quando as pessoas estão desesperadas é mais fácil para elas acreditarem na salvação. Os diversos falsos salvadores que surgiram na história do povo judeu e conseguiram atrair milhares de seguidores sempre vieram em épocas nas quais havia dificuldades, como perseguições e extermínios. Então por que o versículo afirma que as dificuldades da escravidão e a angústia que o povo judeu sentia eram os motivos pelos quais o povo não conseguia acreditar que Moshé era o salvador?
 
Além disso, há outra pergunta interessante que surge quando refletimos sobre a escravidão do povo judeu. Nossos sábios ensinam que todos os judeus foram escravizados, com exceção da Tribo de Levi, que se dedicava ao estudo da Torá e ao trabalho de auto aperfeiçoamento. Um dos motivos é que a escravidão começou de maneira astuta, quando Faraó convocou os judeus a ajudarem na construção do Egito, com uma demonstração de sua fidelidade ao império egípcio. Na ânsia de conseguirem a sonhada emancipação, os judeus abraçaram com vontade a oportunidade. No início eles foram remunerados pelo trabalho de construção, mas aos poucos o trabalho foi se transformando em escravidão. Todos os judeus caíram na armadilha do Faraó, com exceção dos judeus da Tribo de Levi, que preferiram ficar na cidade de Goshen, separados dos egípcios, se dedicando à sua espiritualidade.
 
Porém, esta explicação ainda não é suficiente para entender o motivo pelo qual a tribo de Levi não foi escravizada. Se o Faraó era um governante tão cruel e insensível, que chegou ao ponto de assassinar friamente bebês judeus e atirá-los vivos no rio, por que ele deixou que uma Tribo inteira ficasse isenta do trabalho pesado? Mesmo que a Tribo de Levi não caiu na armadilha do Faraó, por que ele não os escravizou à força?
 
Explica o Rav Yonasan Eibeshitz zt”l (Polônia, 1690 – Alemanha, 1764) que a resposta está em um interessante aspecto da psicologia do ser humano. Normalmente as pessoas não se importam com os sofrimentos que atingem os outros. Alguém que não está imerso no mesmo sofrimento que seu companheiro não consegue sentir de verdade a sua dor. O Faraó havia sido informado por seus astrólogos que o salvador do povo judeu viria da Tribo de Levi. A lógica do Faraó é que uma pessoa que não tivesse passado pela escravidão não seria capaz de salvar os outros escravos. Em primeiro lugar, pois não se importaria de verdade com os sofrimentos deles. Além disso, ele não seria capaz de “politicamente” convencer as pessoas a estarem sob seu comando, pois elas desconfiariam da sua capacidade de liderá-los pelo fato dele não ter estado junto com elas nos momentos de sofrimento. Em outras palavras, os judeus não confiariam que alguém da Tribo de Levi realmente se importava com eles.
 
O Rav Yonasan Eibeshitz explica que este é o entendimento das palavras do versículo “E Moshé falou assim a Bnei Israel, mas eles não puderam escutar a ele, por causa da angústia de espírito e por causa da dura escravidão”. As pessoas não conseguiram escutar Moshé pelo fato dele nunca ter passado pela angústia da escravidão. E, realmente, Moshé havia vivido até aquele momento cercado de luxos e tranquilidade. Por isso, apesar do desespero, as pessoas não estavam dispostas a escutá-lo e nem deixá-lo se tornar seu salvador.
 
A lógica do Faraó parece genial. Então, o que deu errado em seus planos? O erro do Faraó é que ele subestimou o que a Torá ressalta como sendo o mais notável traço de caráter de Moshé Rabeinu: a preocupação com o próximo. Antes de D'us revelar que Moshé seria o líder do povo judeu, a primeira descrição da Torá sobre ele é que “Moshé cresceu e saiu para ver seus irmãos e observar sua opressão” (Shemot 2:11). “Moshé cresceu” significa que ele havia se tornado um ministro importante e respeitado na Casa do Faraó. Ele poderia ter continuado em sua vida de luxos, honra e poder. Certamente Moshé teria recitando alguns capítulos de Tehilim (Salmos) pela salvação dos seus irmãos, sentado em uma cadeira de ouro, mas nada mais além disso.
 
Porém, Moshé não se acomodou em sua vida de luxos. A Torá ressalta que ele saiu para ver seus irmãos. Ele jogou tudo para cima quando viu um egípcio golpeando um judeu e, mesmo sabendo que a lei egípcia castigava um assassinato com a pena de morte, ele não temeu as consequências e matou o egípcio para salvar a vida de um judeu desconhecido. Ao colocar sua vida em risco, Moshé estava ativamente participando na miséria e no drama vivido pelos seus irmãos escravos. Com aquele ato, Moshé demonstrou que não estava apenas preocupado com o sofrimento dos judeus de uma forma geral, mas com cada indivíduo em particular.
 
A Torá também descreve que Moshé veio intervir na briga entre dois judeus, protegendo aquele que seria agredido. Moshé demonstrava assim sua característica de “Nossê BeÓl Haveiró” (carregar o peso do seu companheiro). Em Midian, ele também se levantou para defender as filhas de Itró dos pastores que queriam fazer mal a elas, demonstrando mais uma vez que não tolerava opressão. Finalmente, a Torá nos conta que ele serviu água para os rebanhos das filhas de Itró, demonstrando sua incrível preocupação com cada criatura e seu coração imensamente bondoso.
 
Explica o Rav Yssocher Frand que foi por isso que o plano do Faraó falhou. Sua lógica estava correta, pois a maioria das pessoas realmente não abandonaria uma vida de tranquilidade para se preocupar com seus irmãos. Ao não escravizar a Tribo de Levi, o Faraó quis causar com que o salvador do povo não se importasse como deveria com a dor dos seus irmãos escravizados e não estivesse disposto a abrir mão de sua tranquilidade para fazer algo pelo próximo. O que ele não contava era que o salvador e líder do povo judeu, Moshé Rabeinu, seria alguém com o incrível atributo de se sensibilizar de verdade diante do sofrimento dos outros. Apesar de nunca ter sido escravizado, ele sentia a dor dos seus irmãos de maneira tão aguda como se ele tivesse passado pessoalmente pelos sofrimentos e privações da escravidão. Mesmo sendo um ministro, ele não podia ficar sentado no palácio enquanto seus irmãos sofriam. Assim começou a brilhar a luz do salvador do povo judeu.
 
Durante toda a nossa história tivemos muitos modelos de líderes que sentiram a dor dos seus irmãos e abriram mão de suas comodidades em prol dos outros. Mas este maravilhoso traço de caráter não é algo encontrado apenas nos líderes. Até mesmo pessoas simples do povo conseguiram sair do comodismo e do egoísmo para fazer mais pelo próximo. Como fazem atualmente os voluntários da Hatzalá, que saem do meio da refeição de Shabat para salvar vidas de desconhecidos. Ou como fazem as pessoas que arrecadam dinheiro para os pobres, que se humilham ao pedir dinheiro de porta em porta para trazer um pouco de conforto aos outros. Estes representam de verdade o povo judeu, o povo da bondade, o povo da misericórdia.
 
O povo judeu foi salvo do primeiro exílio por causa da característica de “Nossê BeÓl Haveiró”. Quanto mais esta característica for encontrada dentro do povo, mais rápido terminaremos também o nosso último exílio.

Shabat Shalom

Rabino Efraim Birbojm

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