Muitos estudantes da Yeshivá de Ponovitch, na cidade de Bnei Brak, estavam se preparando para ir ao casamento de um amigo em Jerusalém. Para facilitar, eles chamaram vários táxis e se dividiram em pequenos grupos. Um dos alunos convidou o Rav Elazar Man Shach (Lituânia, 1899 – Israel, 2001), o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual), para ir com ele em um dos taxis. Quando o Rav Shach escutou que ainda havia mais um lugar sobrando, pediu que Yossi, um novo aluno da Yeshivá, também fosse convidado. Yossi, que havia vindo de fora de Israel, ainda não conhecia ninguém na Yeshivá e estava visivelmente deslocado.
Durante a viagem, que levou cerca de uma hora, o Rav Shach foi mostrando para Yossi vários pontos turísticos famosos, como a fábrica de cimento, a estrada velha e Latrun (Museu dos tanques de guerra). Um dos estudantes que estava no táxi, sabendo quanto o Rav Shach dava importância para o seu estudo de Torá, ficou incomodado de vê-lo “gastando tempo” sendo um guia turístico e decidiu fazer uma pergunta sobre o tratado do Talmud (Torá Oral) que eles estavam estudando na Yeshivá. O estudante achou que o Rav Shach ficaria muito agradecido por estar sendo “salvo” daquela perda de tempo. Porém, para sua surpresa, o Rav Shach respondeu:
– Me desculpe, você pode conversar comigo sobre o Talmud todos os dias na Yeshivá, mas neste exato momento eu prefiro que não, pois estou cumprindo a Mitzvá de “Achnassat Orchim” (receber um convidado). Este rapaz é novo na Yeshivá, ainda não conhece ninguém e, por isso, é nossa obrigação fazer de tudo para deixá-lo à vontade” (Retirado do livro “Major Impact”, de autoria de Dovid Kaplan).
O aluno do Rav Shach realmente conhecia o quanto ele dava valor para cada segundo de estudo de Torá. Mas talvez o que ele não conhecia era a grandeza do Rav Shach em se preocupar com os outros, mesmo nos pequenos detalhes. Foi isto o que fez do Rav Shach o maior rabino da geração.
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Nesta semana lemos a Parashá Mishpatim, que nos ensina muitas Mitzvót “Bein Adam Le Haveiró” (entre o homem e seu semelhante), como as leis sobre compensação de danos, a preocupação com os indefesos e abandonados e as leis que regulamentam o empréstimo de dinheiro. Estes ensinamentos são muito importantes, pois na maioria das vezes achamos que a espiritualidade é medida através de grandes atos de devoção a D’us, como fazer Mikvê (mergulho ritual) em águas congelantes, extensos jejuns e longos retiros espirituais. Mas a Parashá nos ensina que a espiritualidade é medida através dos pequenos atos do nosso cotidiano, em especial a forma como nos comportamos em relação aos nossos semelhantes.
Um dos ensinamentos mais impressionantes está no final da Parashá. D’us chamou Moshé, Aharon, os filhos mais velhos de Aharon (Nadav e Avihu) e 70 anciões do povo judeu, e se revelou a eles de uma maneira mais explícita, através de uma visão profética, como está escrito: “E eles visionaram o D’us de Israel, e debaixo de Seus pés havia como uma obra de tijolos de safira, tão límpida quanto a visão dos céus” (Shemot 24:10). Mas o que significa esta visão? Por que sob os pés de D’us havia tijolos de safira? E por que a visão termina falando sobre um céu límpido?
É importante lembrar que D’us é infinito e, portanto, não tem nenhuma forma física limitada, e não pode ser representado através de nenhuma imagem. Todas as vezes que a Torá atribui a D’us características físicas é apenas para que possamos aprender com os atos Dele e nos comportarmos como Ele. Rashi (França, 1040 – 1105), comentarista da Torá, explica que o chão feito de tijolos de safira estava diante de D’us no momento da escravidão do Egito, para que Ele se lembrasse do sofrimento pelo qual passavam os judeus, em especial quando carregavam nas costas pesados tijolos durante os trabalhos forçados.
Porém, uma das premissas do judaísmo é que D’us é Onisciente. Ele precisava deixar tijolos para lembrar-se do sofrimento do povo judeu? Explica o Rav Yerucham Leibovitz (Bielorússia, 1873 – Israel, 1936) que D’us está nos ensinando que não é suficiente para uma pessoa apenas refletir e imaginar o sofrimento do seu companheiro. Ele quer que sejamos “Nossê Be Ól Haveiró” (carregar o peso junto com nosso companheiro), isto é, quando vemos alguém em dificuldade, devemos nos esforçar para ativamente aliviar seu sofrimento. E uma das pessoas que conseguiu aprimorar muito esta característica foi Moshé Rabeinu. Ele foi criado por Batia, filha do Faraó, e cresceu no palácio real, cercado por todos os tipos de luxo e comodidade, mas mesmo assim não se esqueceu dos seus irmãos, que estavam escravizados, como diz o versículo: “E cresceu Moshé, e foi ter com seus irmãos, e viu o sofrimento deles” (Shemot 2:11). Não era suficiente Moshé ter ficado em casa, imaginando os terríveis sofrimentos pelos quais seus irmãos estavam passando? Rashi explica que Moshé usou seus olhos e seu coração para sofrer junto com eles. Ele não ficou somente imaginando as dificuldades pelas quais eles passavam, ele saiu para vê-los e sentir a dor que eles sentiam.
Mas como explicou Rashi, somente os olhos não são suficientes para sentir de verdade a dor do próximo, é preciso usar o coração. Vemos pobres dormindo na rua, se alimentando de restos de lixo, e sentimos muito dó, mas continuamos nossas vidas como se nada estivesse acontecendo, pois apenas utilizamos nossos olhos, não nosso coração. Aquele que pensa que cumpre sua obrigação de “Nossê Be Ól Haveiró” apenas vendo uma pessoa sofrendo, sem se esforçar para sentir também o mesmo sofrimento, está apenas se enganando. Após Moshé ter usado seus olhos e seu coração, ele se uniu no sofrimento dos seus irmãos. O Midrash (parte da Torá Oral) diz que quando Moshé via algum judeu carregando uma carga muito pesada, ele oferecia seu ombro para dividir com ele o peso. Ele não fazia isso apenas para aliviar seu companheiro do peso que carregava, mas também para sentir na pele o sofrimento que seus irmãos sentiam. Moshé não ficou apenas olhando, seus olhos e seu coração o levaram a atitudes de bondade.
Explica o Rav Yerucham que mais difícil do que sentir o sofrimento do próximo é sentir de verdade a alegria do próximo. Por que a visão de D’us termina com as seguintes palavras: “límpida como a visão dos céus”? Quando D’us se revelou para este seleto grupo de judeus, isto causou uma alegria muito grande neles, como está escrito: “E eles viram D’us, e comeram e beberam” (Shemot 21:11). Segundo Unkelos (Roma, 35ec – Israel, 120ec), que traduziu toda a Torá para o aramaico, estas palavras significam que para eles a visão de D’us trouxe tanto prazer quanto os mais deliciosos prazeres físicos. D’us quis então demonstrar que estava feliz junto com eles, e fez isto através de uma visão iluminada, como um dia claro e cheio de luz, nos ensinando como é importante nos alegrarmos com as alegrias dos outros.
Estamos acostumados a ir a uma festa e ver os convidados felicitando o dono da festa com um sonoro “Mazal Tov”. À primeira vista parece que todos estão felizes, com um contagiante sorriso no rosto. Mas será que esta alegria externa das pessoas realmente reflete o que elas sentem de verdade em seus corações? Não é tão simples assim chegar ao nível de se alegrar com a alegria dos outros como se fosse a nossa própria alegria. Muitas vezes, mesmo de forma inconsciente, nossa alegria se mistura com um pouco de inveja, uma sensação de que aquela alegria poderia estar acontecendo conosco e não com o outro. Será que aquele “Mazal Tov” não é uma alegria apenas da boca para fora? Cada um de nós precisa ser sincero consigo mesmo, para saber o quanto conseguimos de verdade sentir a alegria do próximo, e o quanto ainda precisamos nos esforçar para melhorar nesta área.
Quando um comerciante se encontra com outro comerciante depois dos negócios, podem ocorrer três situações: se ele lucra e seu companheiro perde, ele fica muito feliz. Se os dois lucram ou perdem igualmente, ele fica triste. E se ele perde e seu companheiro lucra, ele fica imerso em terríveis sofrimentos. O Rav Yerucham nos ensina que, infelizmente, não há muita diferença entre o comportamento dos comerciantes e das pessoas que estão em um salão de festas. A alegria de uma pessoa é medida, portanto, de acordo com quanto ela ganha e quanto seu companheiro perde. Por isso é tão difícil sentir alegria de verdade quando é nosso companheiro, e não nós, que tem motivos para festejar.
Esta triste constatação é consequência da queda espiritual do ser humano. O maior problema é que nos enganamos e não sabemos o quanto chegamos a sentir até mesmo ódio no nosso coração por pessoas que achamos que nós amamos. O primeiro passo para melhorarmos é despertar e perceber o quanto estamos ainda longe do que D’us espera de nós. Precisamos superar o nosso egoísmo e nos alegrar com o que os outros têm, pois cada um recebe de D’us exatamente o que precisa para cumprir seu trabalho espiritual neste mundo. Precisamos usar mais o nosso coração para sentir a dor dos outros e ajudar no que for possível, para tentar ao menos aliviar um pouco a dor do próximo. Somente assim, através de um esforço constante, chegaremos ao nível verdadeiro de dividir com o próximo seus sofrimentos e suas alegrias.