Sentindo o amor

“Certa vez Napoleão Bonaparte entrou correndo na casa de um judeu russo pedindo ajuda. Soldados do exército russo o perseguiam para matá-lo e Napoleão estava tremendo, apavorado. O judeu sentiu misericórdia e decidiu ajudá-lo. Escondeu-o sob um colchão e, quando os russos entraram, deitou-se nele para disfarçar. Os soldados revistaram toda a casa e, como não encontraram nada, foram embora. 

Napoleão suspirou aliviado. Sentiu uma alegria imensa por ter escapado com vida. Tinha agora uma imensa dívida de gratidão com aquele judeu que havia se arriscado para escondê-lo. Entregou-lhe um bilhete, que continha sua assinatura e o selo real, e disse ao judeu:

– Amigo, serei eternamente grato a você. Apresente este bilhete aos oficiais do meu palácio e você terá acesso livre. Não hesite em me procurar caso precise de algo.

Anos mais tarde, aquele judeu estava em Paris e resolveu entrar no palácio de Napoleão. Mostrou o bilhete aos oficiais e foi imediatamente levado à presença do imperador, que ficou muito feliz em revê-lo. Napoleão relembrou ao judeu que ele poderia pedir o que quisesse. O judeu, um pouco sem jeito, disse:

– Imperador, eu não preciso de nada, mas eu tenho um pedido. Na verdade, uma curiosidade. Queria saber o que você sentiu quando estava sob o colchão e quase foi capturado pelos russos, mas conseguiu se salvar.

Napoleão teve um acesso de raiva. Como aquele homem ousava fazer uma pergunta daquelas ao imperador? Imediatamente chamou seus guardas, mandou prender aquele judeu e anunciou que ele seria enforcado em praça pública no dia seguinte, por desacato ao imperador.

No dia seguinte, com o imperador presente, o judeu foi trazido pelos soldados para a praça central, onde foi montada a forca. Ele chorava e implorava por misericórdia. Sua cabeça foi coberta com um pano preto, ele foi posicionado sob a forca e a corda foi colocada em volta do seu pescoço. Então o carrasco começou a contagem regressiva. O judeu tremia e chorava sem parar. Quando faltava um segundo, o imperador mandou parar a contagem. Tirou a forca do pescoço do homem, descobriu sua cabeça e avisou que ele estava livre. E antes que o judeu pudesse entender o que estava acontecendo, Napoleão abriu um sorriso e disse:

– Amigo, respondendo à sua pergunta, foi assim que eu me senti…”

Assim também o povo judeu se sentiu, ao ser salvo do decreto de morte de Haman, quando parecia que já não havia mais nenhuma esperança.

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Na Parashá desta semana, Tetzavê, a Torá descreve as roupas usadas pelos Cohanim (sacerdotes), que eram feitas com materiais nobres para dar a honra merecida àqueles que faziam os serviços do Mishkan (Templo Móvel), como os Korbanót (sacrifícios) e o acendimento da Menorá. E esta Parashá em geral antecede uma das festas mais alegres do povo judeu, Purim, que começa no Sábado a noite (23/02), logo após o término do Shabat (em Jerusalém, Purim começa na noite de 24/02). Qual a conexão entre esta Parashá e Purim?

Um dos pontos em comum está em um dos versículos da Meguilat Ester, um dos livros do Tanach (Torá, Profetas e Escrituras) que é lido publicamente em Purim, tanto de noite quanto de manhã. A Meguilat Ester conta a história do grande perigo que os judeus passaram durante o exílio babilônico, após a destruição do Primeiro Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Tudo aconteceu quando os Persas e Medas estavam no poder, e quem reinava era o rei Achashverosh, que não era descendente de reis e havia comprado o reinado. Por isso, ele tinha problemas de autoestima e necessitava constantemente demonstrar seu poder, como com a grande e suntuosa festa que ofereceu ao povo ao completar três anos do seu reinado. Ele aproveitou para mostrar aos convidados seus incontáveis tesouros, como diz o versículo: “Quando ele mostrou as riquezas do seu reino glorioso e o esplendor da sua excelente majestade por muitos dias, 180 dias” (Ester 1:4). Explica o Talmud (Meguilá 12a) que a palavra “esplendor”, que em hebraico é “tiferet”, é exatamente a mesma palavra utilizada na Parashá Tetzavê para descrever as roupas dos Cohanim, como está escrito: “Você deve fazer roupas de santidade para Aharon, seu irmão, para glória e esplendor” (Shemot 28:2). Explica o Talmud que Achashverosh vestia, durante o banquete, as sagradas roupas dos Cohanim, que haviam sido saqueadas durante a destruição do Beit Hamikdash por Nevuchadnetzar (Nabucodonosor).

Mordechai, o líder do povo judeu, havia proibido os judeus de participarem da festa de Achashverosh. Entre outras razões, Mordechai sabia que um dos motivos da festa era comemorar que o Beit Hamikdash ainda não havia sido reconstruído. Infelizmente muitos judeus não escutaram os ensinamentos de Mordechai e participaram do banquete. A consequência espiritual desta desobediência do povo foi a imediata subida de Haman ao poder. Por ser do povo de Amalek, Haman nutria um ódio mortal pelos judeus e, com astúcia, convenceu o rei Achashverosh a decretar a “Solução Final” do povo judeu, isto é, a morte de homens e mulheres, velhos e crianças, em um único dia. Apesar do grande perigo, D'us “virou o jogo” após o arrependimento do povo judeu. Haman e seus filhos foram enforcados, os inimigos dos judeus foram mortos e os judeus se salvaram.

O nome da festa, Purim, vêm da palavra “Pur”, que significa “sorteio”. Haman fez um sorteio para determinar o dia em que exterminaria o povo judeu, para demonstrar que acreditava que tudo era regido pelo acaso e não por D'us. Mas há outro detalhe interessante no nome da festa. Um dos dias mais sagrados do ano é, sem dúvida, Yom Kipur, o Dia do Perdão. Em hebraico, a palavra “Ki” significa “como”. Yom Kipur, e toda sua santidade, é “Ki Pur”, “como Purim”. Isto nos ensina o quanto Purim, um dia que parece ser espiritualmente tão “despretensioso”, é uma grande oportunidade de conexão espiritual.

Mas qual é a conexão entre estas duas festas? Apesar da semelhança nos nomes, são festas muito diferentes, quase opostas. Em Yom Kipur a Mitzvá é se isentar dos prazeres materiais. Não comemos, não bebemos, passamos o dia imersos em rezas, reflexões e choro de arrependimento pelos nossos erros cometido durante o ano. Já em Purim, a Mitzvá do dia é comer, beber e se alegrar. O que conecta estas duas festas tão diferentes?

Por que Yom Kipur é um dos dias mais sagrados do ano? Justamente porque neste dia D'us revela, de uma maneira mais intensa, Seu amor pelo povo judeu. Após um ano inteiro no qual cometemos erros, excessos e nos afastamos de D'us por estarmos conectados com o materialismo, em Yom Kipur o povo judeu se desconecta dos prazeres físicos e purifica seus pensamentos e atos, com a garantia de que, através do arrependimento sincero, todos os seus erros serão expiados e perdoados por D'us. Portanto, neste dia tão sagrado, cada judeu sente o quando D'us o ama profundamente e o quer de volta, apesar de todos os erros cometidos.

Explica o Rav Yossef Kaltsky que há outra situação na qual a pessoa percebe o amor de D'us de uma maneira mais intensa. É o que sente alguém que passou por um grande perigo de vida, uma situação na qual parecia que não havia mais esperanças, mas que no final se reverteu em uma milagrosa salvação. Este foi exatamente o sentimento que o povo judeu vivenciou nos dias de Mordechai e Ester, e esta é a fonte da verdadeira alegria de Purim: o reconhecimento do amor que D'us tem pelo povo judeu. Comer, beber e se alegrar em Purim não é apenas a expressão de alegria pela salvação do decreto de Haman. A alegria vem do reconhecimento do motivo que resultou na salvação: o amor de D'us pelo povo judeu. Este é o ponto em comum entre Yom Kipur e Purim.

Este sentimento, de perceber de uma maneira especial o amor de D'us, tem o potencial de fazer o ser humano chegar a elevados níveis espirituais. Esta elevação pode ser tão grande que o Talmud (Shabat 88a) afirma que a geração de Mordechai e Ester recebeu a Torá novamente. A diferença é que a Torá no Monte Sinai foi recebida com temor, enquanto a Torá desta geração foi recebida com amor. E neste mesmo potencial gigantesco todos nós podemos chegar no dia de Purim.

A geração de Mordechai e Ester teve o mérito de ver com seus próprios olhos a salvação milagrosa de D'us. Mas como nós, que não presenciamos o milagre, podemos nos elevar? Através da reflexão, recordando os grandes milagres que D'us faz de maneira oculta, através de pequenos atos cotidianos que, juntos, demonstram Seu enorme amor pelo povo judeu. Lembrando-se da nossa sobrevivência milagrosa, mesmo que em cada geração alguém se levante para tentar nos exterminar. Com este entendimento, não apenas nossa festa de Purim fica mais alegre, mas nossas vidas ganham uma nova perspectiva, ao estarmos conscientes que há Alguém que cuida de nós, com muito amor, o tempo inteiro. 

SHABAT SHALOM E PURIM KASHER VE SAMEACH

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