O VALOR INFINITO DE CADA UM – PARASHÁ NASSÓ

“O Rav Isser Zalman Meltzer z”l (Bielorússia, 1870 – Israel, 1953) estava em sua casa com alguns alunos quando um deles olhou pela janela e viu que um homem caminhava na direção da casa do Rav Isser Zalman. Parecia ser o Rav Yitzchak Zev Soloveitchik z”l (Bielorússia, 1886 – Israel, 1959), mais conhecido como Brisker Rav, um dos maiores sábios de Torá daquela geração, e isso causou um alvoroço entre os alunos. Quando o Rav Isser Zalman escutou que o Brisker Rav estava vindo visitá-lo, rapidamente vestiu suas roupas de Shabat em honra do estimado visitante e correu com seus alunos para recebê-lo.
 
Porém, quando se aproximaram do homem, perceberam que na realidade não era o Brisker Rav, e sim um judeu comum muito parecido com ele. Então algo surpreendente aconteceu, pois o esperado seria que o Rav Isser Zalman virasse as costas e voltasse desapontado para casa, mas ele começou a tratar aquele homem simples com a mesma honra que teria tratado se realmente fosse o Brisker Rav. Convidou-o para entrar na sua casa, pediu que ele se sentasse na cabeceira da mesa e ofereceu a ele água e comida.
 
O homem, surpreso com o tratamento de rei que estava recebendo, se sentiu incomodado pelo esforço que estava causando ao Rav e pediu para que ele parasse. O homem então explicou que havia vindo apenas para pedir ao Rav um documento, necessário para resolver certo assunto particular. O Rav alegremente escreveu e assinou o documento que o homem havia pedido e depois fez questão de acompanhá-lo até o portão de sua casa. Quando o Rav Isser Zalman voltou, encontrou seus alunos surpresos com sua conduta. Eles questionaram o porquê dele ter se esforçado tanto para honrar aquele homem, mesmo após ter percebido que era um judeu comum e não o Brisker Rav. O Rav Isser Zalman então explicou:
 
– Na verdade, a Mitzvá de honrar as pessoas é tão grande que nós deveríamos honrar cada simples ser humano da mesma maneira que nós honramos os grandes sábios de Torá. Porém, por causa do nosso nível espiritual baixo, as Mitzvót não são tão importantes para nós, e por isso nós não tratamos cada pessoa com a honra que ela realmente merece. Mas neste caso eu tive o mérito da Providência Divina ter decretado que eu deveria me preparar equivocadamente para receber um grande sábio de Torá. No momento que entendi que era um engano, eu pensei: “Por que perder esta incrível Mitzvá somente pelo fato do visitante ser uma pessoa simples?”. Foi por isso que eu me esforcei tanto para dar a este homem a mesma honra que eu teria dado ao Brisker Rav.”
 
Infelizmente não honramos as pessoas da maneira como deveríamos, pois não entendemos o incrível valor de cada ser humano. Se entendêssemos, correríamos para honrar todas as pessoas, até mesmo as mais simples. 

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Existe uma importante regra, transmitida pelos nossos sábios, de que a Torá é muito concisa. Nenhuma palavra, e nem mesmo uma única letra, está escrita desnecessariamente. Mas a Parashá desta semana, Nassó, termina de uma maneira que parece fugir desta regra. Quando o Mishkan (Templo Móvel) foi inaugurado, os Nessiim (príncipes) de cada tribo trouxeram doações particulares, um a cada dia, que incluíam utensílios de ouro e prata, animais para serem oferecidos como Korbanót (sacrifícios), incenso e farinha, em comemoração daquele momento tão importante para o povo judeu. É interessante perceber que, apesar de ser uma doação particular e não obrigatória, todos os Nessiim trouxeram exatamente as mesmas oferendas. E mais incrível ainda é o fato da Torá repetir, por doze vezes, com versículos idênticos, as oferendas de cada Nassi. Por que eles trouxeram exatamente a mesma oferenda? E por que repetir tantas vezes, se a Torá poderia ter escrito apenas a primeira oferenda e depois ter nos informado que as outras oferendas foram exatamente iguais?
 
Em relação a trazer exatamente a mesma oferenda, nossos sábios explicam que não foi nenhuma coincidência. Quando cada um dos Nessiim estava se preparando para trazer sua oferenda, eles pararam para refletir e entenderam que algo desastroso poderia acontecer. Como a natureza do ser humano é sempre querer se comparar com os outros, então havia o grande risco de cada Nassi querer oferecer mais do que o Nassi anterior, gerando inveja, competição e desunião. Portanto, em um ato de enorme grandeza espiritual, os Nessiim decidiram que todos doariam exatamente a mesma coisa. Este ato foi tão bem visto aos olhos de D'us que Ele fez questão de “gastar” muitos versículos da Torá para honrar cada um dos Nessiim pessoalmente.
Isto por si só já seria motivo para a Torá ter descrito as oferendas de cada um dos Nessiim de forma independente. Mas o Rav Simcha Zisesel Ziv Broida (Lituânia, 1824-1898), mais conhecido como Alter MiKelm, explica que há outro motivo, também igualmente importante. Uma pessoa que cumpre uma Mitzvá junto com um grupo poderia pensar que os méritos da Mitzvá recaem sobre o grupo, mas que não há nenhuma atenção especial de D'us para cada uma das pessoas deste grupo. Porém, isto não é verdade, pois D'us se alegra com cada Mitzvá que cada judeu faz. A capacidade de D'us de amar e cuidar de cada pessoa é infinita, e não é prejudicada pelo fato Dele amar um número tão grande de pessoas. Foi isso que D'us quis ressaltar ao repetir as oferendas de cada Nassi. Com a mesma intensidade que D'us estava contente com a oferenda do primeiro Nassi, Nachshon ben Aminadav, da tribo de Yehudá, assim também Ele se alegrou com as oferendas de cada um dos Nessiim.
 
Este conceito é um dos fundamentos da filosofia judaica, que muitas vezes se choca com outras filosofias. Por exemplo, os ateístas não acreditam que cada indivíduo tem um valor intrínseco. Cada ser humano é apenas mais um dentre bilhões de outros seres humanos, que vivem em um pequeno e insignificante planeta, dentro de um Sistema Solar minúsculo, localizado em uma das milhões de galáxias do universo. É por isso que tantas pessoas atualmente sentem uma enorme falta de valor próprio, pois realmente acham que são insignificantes e não tem nenhuma importância, como foi expressado na famosa letra de música que diz: “All in all you're just another brick in the wall” (Ao todo, você é apenas mais um tijolo no muro).
 
A visão da Torá é o oposto disso. Cada pessoa tem um valor infinito, pois foi criada à imagem e semelhança de D'us, e é amada por Ele de maneira especial e particular. E assim nossos sábios expressam esta ideia: “O ser humano é amado, pois foi criado à imagem [de D'us]” (Pirkei Avót 3:18). Pelo simples fato de cada ser humano ter uma alma, isto já faz com que ele seja amado por D'us. É interessante perceber também que, dentre todas as criaturas feitas por D'us, apenas o ser humano foi criado sozinho. Por que D'us criou um grande número de criaturas, enquanto Adam Harishon foi criado sozinho? A Mishná (Sanhedrin 4:5) responde que D'us estava nos ensinando que cada ser humano vale o mundo inteiro, e por isso todo aquele que salva uma única pessoa é considerado como se tivesse salvado o mundo inteiro.
 
Entendemos a importância e percebemos a ênfase que a Torá dá para o enorme valor de cada ser humano. Porém, quais são as aplicações práticas deste entendimento? Em primeiro lugar, isto nos ajuda a perceber nosso valor, não abrindo nenhum espaço para pensamentos negativos de que não valemos nada. A depressão já é chamada de “a doença do século”, e atualmente atinge até mesmo jovens em idade escolar. Por que o mundo sofre tanto com a depressão? Pois as pessoas não entendem que elas têm um valor intrínseco infinito, e que este é o seu verdadeiro valor. A nossa sociedade rotula as pessoas de acordo com seu sucesso profissional ou seu sucesso financeiro, causando com que muitas pessoas, apesar de serem incríveis e especiais, se sintam inúteis.
 
Além disso, ao entender que D'us se importa com cada pequeno ato de cada pessoa no mundo, isso nos ajuda a desenvolver um senso de responsabilidade por cada ato que fazemos. O Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 – Egito, 1204) escreve que cada pessoa deve enxergar o mundo como se todos os atos da humanidade estivessem constantemente sobre uma balança, de um lado os bons atos e do outro lado os maus atos, e que esta balança está equilibrada. Portanto, a pessoa deve sentir a responsabilidade de que cada Mitzvá sua pode estar fazendo a balança pender para o lado positivo, enquanto cada transgressão sua pode causar o efeito contrário. Isto nos ajuda a internalizar o valor e a importância de cada pequeno ato que fazemos na vida.
 
Um último ponto é que, ao entendermos que nenhuma pessoa é insignificante aos olhos de D'us, temos que olhar os outros seres humanos desta maneira e tratar cada pessoa de acordo com seu imenso valor intrínseco. Vimos que a Torá “gastou” dezenas de versículos, repetindo exatamente as mesmas palavras, apenas para demonstrar o quanto D'us se importa com os atos de cada indivíduo. Por isso recai sobre nós a enorme obrigação de valorizarmos e respeitarmos cada ser humano, e nos importarmos com os atos de cada um, tanto se for alguém muito importante quanto se for apenas uma pessoa simples. 

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