“Yaacov Waisman (nome fictício), aluno da famosa Yeshivá de Vologzin, era conhecido por seu enorme conhecimento de Talmud. Certa vez ele estava no meio de uma refeição quando um de seus colegas da Yeshivá se aproximou dele e perguntou a fonte no Talmud onde constava certa opinião. Enquanto Yaacov ainda se esforçava para tentar lembrar, outro aluno respondeu que a opinião era do Tassafot (um comentarista do Talmud), e indicou o Tratado do Talmud e a página onde este comentário se encontrava.
Quando Yaacov percebeu que não havia conseguido responder algo tão simples de ser lembrado, sentiu tanta vergonha que imediatamente parou de comer, levantou-se da mesa e correu para o Beit Midrash (Centro de estudos). Ele estudou aquele dia inteiro praticamente sem nenhuma interrupção, e o mesmo ocorreu no dia segunte, e na semana seguinte, e no mês seguinte. Durante sete anos Yaacov estudou com uma incrível constância e perseverança, até que ele se tornou um grande conhecedor da Torá e trouxe muita luz espiritual para o mundo.
Anos mais tarde, um dos alunos da Yeshivá que estava presente no episódio da pergunta no refeitório, Avraham Leibovitz (nome fictício), lembrou-se que Yaacov havia se levantado da mesa e corrido para o Beit Midrash de uma maneira tão repentina que havia se esquecido de fazer a Brachá Acharoná (benção posterior dos alimentos). Avraham foi perguntar ao Rosh Yeshivá (Diretor Espiritual), o Rav Chaim Vologziner zt”l (Lituânia, 1749 – 1821), se naquelas condições seria permitido a Yaacov não ter feito a Brachá. O Rav Chaim Vologziner, após refletir um pouco, respondeu:
– Eu não sei dizer se seria permitido ou não ele intencionalmente ter deixado de fazer a Brachá naquela situação. Mas há algo que eu sei: se ele tivesse parado para recitar a Brachá e não tivesse se levantado imediatamente e ido para o Beit Midrash estudar, ele nunca teria se transformado no grande estudante de Torá que ele virou. Naquele momento ele tinha sido atingido por uma profunda dor, pela vergonha da sua falta de conhecimento de Torá, e ele utilizou a força daquele momento para começar a estudar em outro nível. Se ele tivesse esperado, mesmo que fossem apenas alguns poucos minutos, ele teria perdido aquele momento de inspiração para sempre.” (História Real)
Em nossas vidas muitas vezes temos momentos de inspiração, nos quais temos vontade de crescer, de tomar atitudes e de mudar nossos rumos. Mas se não aproveitarmos estes momentos com atos, infelizmente eles ficarão apenas como memórias do passado, e não como construções do futuro.
Nesta semana lemos a Parashat Beshalach, que descreve a triunfal saída do povo judeu do Egito, diante dos olhos dos egípcios que, esmagados pela força das dez pragas, nada puderam fazer para impedir o povo judeu de ir embora para sempre. Mas nem todos os judeus estavam apenas “aproveitando” aquele momento especial de liberdade. Moshé Rabeinu estava preocupado em cumprir o juramento que os judeus haviam feito para Yossef, há mais de 200 anos, de que quando eles fossem embora do Egito, levariam com eles os seus restos mortais para que fossem enterrados na Terra de Israel, como está escrito: “E Moshé levou com ele os ossos de Yossef” (Shemot 13:19).
Porém, há um versículo do Tanach (Profetas e Escrituras) que parece contradizer este ensinamento da Torá: “Os ossos de Yossef, que os Filhos de Israel trouxeram do Egito, foram enterrados em Shechem” (Yoshua 24:32). Afinal, quem levou os ossos de Yossef do Egito, Moshé ou outros judeus? O Talmud (Sotá 13b) responde com um incrível conceito espiritual: quando uma pessoa começa uma Mitzvá mas não a termina, e outra pessoa completa a Mitzvá, então a Torá dá crédito para a pessoa que terminou a Mitzvá como se ela tivesse feito a Mitzvá completa. Moshé começou a Mitzvá de enterrar Yossef na Terra de Israel, mas como não foi ele que terminou a Mitzvá, então o crédito foi dado para aqueles que completaram a Mitzvá, e não para Moshé.
Mas há um Midrash (parte da Torá Oral) que aparentemente contradiz este princípio espiritual. O nosso Primeiro Beit HaMikdash (Templo Sagrado), em sua enorme grandeza e esplendor, foi construído e inaugurado por Shlomo HaMelech. David, seu pai, não viu o Beit HaMikdash (Templo) terminado, apenas participou de suas fundações. Porém, há um versículo que refere-se a David como se ele tivesse construído o Templo, como está escrito: “Um Salmo, um Cântico de inauguração da Casa (Templo), de David” (Salmos 30:1). De acordo com um Midrash (parte da Torá Oral), aprendemos deste versículo que, apesar de David ter apenas começado a construção do Templo, é creditado a ele os méritos de toda a construção. Isto não é contraditório com o conceito ensinado pelo Talmud?
O Rav Moshe Feinstein zt”l (Lituânia, 1895 – EUA, 1986) desvenda a aparente contradição. Toda vez que alguém começa uma Mitzvá e não consegue completá-la por motivos de “força maior”, isto é, que não são de sua responsabilidade, então ele é creditado como se tivesse realizado a Mitzvá inteira, mesmo que na realidade ele não a terminou. Entretanto, se aquele que começa a Mitzvá tem alguma culpa no fracasso de completá-la, então ela é creditada àquele que a terminou. Isto explica a diferença entre o caso dos ossos de Yossef e a construção do Beit HaMikdash. David HaMelech não teve absolutamente nenhuma responsabilidade por não ter completado a construção do Beit HaMikdash, pois foi uma ordem explícita de D'us que a construção fosse feita por seu filho Shlomo HaMelech e não por ele, e por isso é creditado como se ele tivesse construído tudo. Já no caso dos ossos de Yossef, Moshé não conseguiu completar a Mitzvá por causa de um erro que ele cometeu ao bater com seu cajado na pedra para dar água ao povo, ao invés de ter pedido a água para a pedra conforme D'us havia ordenado. Como a consequência deste erro foi D'us ter decretado que Moshé não entraria na Terra de Israel, então de certa maneira Moshé não conseguiu terminar a Mitzvá de enterrar Yossef em Israel devido às suas próprias ações, e é por isso que a Mitzvá não foi atribuída a ele.
Se refletirmos sobre este ensinamento do Rav Moshe Feinstein, despertamos um pouco da nossa apatia. Apesar de todos os esforços de Moshé para cumprir a Mitzvá de entrerrar Yossef em Israel, uma culpa mínima que ele teve em não terminar a Mitzvá fez com que ele perdesse o mérito dela. E se não tomarmos muito cuidado com nossos atos, por causa de falhas pequenas nós também podemos acabar perdendo o mérito de muitas Mitzvót.
Há muitas situações nas quais temos a oportunidade de completar algum tipo de Mitzvá, mas que acabamos falhando por falta de perseverança. Isto se aplica muito ao estudo de Torá, pois normalmente as pessoas começam a frequentar algum Shiur ou palestra semanal, mas acabam desistindo no meio. Por exemplo, quando é iniciado um novo ciclo de estudos de “Daf Yomi” (grupos que se reúnem para estudar uma folha do Talmud por dia, visando terminar todos os Tratados em um período de 7 anos), normalmente as aulas ficam lotadas, mas conforme o tempo vai passando, as salas de aula vão se esvaziando, pois muitos desistem do projeto no meio do caminho.
Outra área onde normalmente as pessoas falham é em seu próprio crescimento espiritual. Por exemplo, em certos momentos da vida, como em Rosh Hashaná ou após passar por algum perigo de vida, as pessoas se sentem inspiradas a tomar decisões de crescimento espiritual. Porém, com o passar do tempo, estas decisões se tornam apenas distantes memórias e não se transformam em atos concretos.
Explica o Rav Yehonasan Gefen que a chave do sucesso é a característica de perseverança. Quando tomamos uma decisão, devemos nos esforçar para não desistir no meio do caminho, apesar das dificuldades que acabam surgindo. Um exemplo de perseverança foi dado pelo Rav Israel Meir HaCohen zt”l (Bielorússia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim. Uma de suas maiores obras, a Mishná Brurá, que discute uma parte importante do Shulchan Aruch (Código de Leis Judaico), levou 25 anos para ficar pronta. Mas por que tantos anos para escrever um livro? Pois durante estes anos ele passou por muitas dificuldades e adversidades que o impediam de continuar escrevendo. A grande maioria das pessoas certamente teria desistido caso tivesse passado por tantas dificuldades, e inclusive teriam enxergando as dificuldades como “sinais” de que aquele investimento não estava destinado a ter sucesso. Mas o Chafetz Chaim percebeu que todas as dificuldades eram, na verdade, artimanhas do Yetser Hará (má inclinação), que queria evitar a todo custo que a Mishná Brurá fosse escrita. Ele reuniu forças, persistiu e conseguiu terminar sua obra, que se tornou um dos livros de Torá mais importantes do século passado.
Qual foi o segredo do sucesso do Chafetz Chaim? Por que ele conseguiu persistir enquanto a maioria teria desistido? Pois ele entendia a importância vital do que estava tentando fazer. Isto permitiu que ele superasse todos os desafios e conseguisse completar seu trabalho. Portanto, uma das dicas mais importantes para alcançarmos o sucesso nos nossos empreendimentos espirituais é manter o foco na importância do que estamos tentando fazer, e só assim conseguiremos persistir e vencer as adversidades.
Outra maneira prática de não deixar o tempo desgastar nossas aspirações e vontade de crescer é tomar atitudes imediatas logo após algum momento de inspiração. Por exemplo, quando escutamos alguma aula de Torá que nos toca profundamente, se não fizermos nenhum ato, em pouco tempo a “marca” deixada no nosso coração se apagará. Mas se imediatamente começarmos alguma mudança, alguma melhoria, por menor que seja, isto nos ajudará a guardar a força daquele momento.
Quando surgem oportunidades na vida, não podemos desperdiçá-las. A combinação de perseverança, foco, entendimento da grandeza dos nossos ideais e atitudes práticas imediatas pode nos ajudar a não apenas começarmos empreendimentos na vida, mas também terminá-los com sucesso.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm