“O rabino estava dando um belo discurso, explicando a importância de estarmos sempre conectados com a nossa espiritualidade, mesmo quando não estamos na sinagoga. Ele ressaltou a importância de termos pensamentos de espiritualidade até mesmo quando estamos no trabalho, no meio dos negócios. Um dos frequentadores, querendo fazer uma piadinha, se levantou e gritou:
– Ei, rabino, eu não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo. Como você quer que eu consiga fazer negócios e mesmo assim ainda pensar em Torá e Mitzvót?
– É fácil, meu querido – respondeu o rabino, sem se abalar – da mesma maneira que você consegue todos os dias pensar nos seus negócios mesmo estando no meio da sua Tefilá (reza), então você também vai conseguir pensar em espiritualidade mesmo quando estiver no meio dos seus negócios”
Pela força do hábito, muitas vezes acabamos cumprindo as Mitzvót de forma mecânica. Como na Tefilá, quando muitas vezes nosso corpo está na sinagoga, mas nossa cabeça está vagando em diferentes lugares do planeta…
Na Parashá desta semana, Ki Tetsê, a Torá lista os povos que não podem fazer parte do povo judeu de forma completa. Para alguns povos, como os egípcios, a proibição é por apenas algumas poucas gerações, mas para outros povos, como Amon e Moav, a proibição é eterna. Mas por que esta rigorosidade com Amon e Moav? Eles foram piores do que os egípcios, que nos escravizaram e nos torturaram por 210 anos?
A Torá traz explicitamente dois motivos pelos quais Amon e Moav não são aceitos como parte do povo judeu, sendo o primeiro deles: “Pelo fato deles não terem recebido vocês com pão e água no caminho, quando vocês estavam saindo do Egito” (Devarim 23:5). Amon e Moav viram diante deles um povo de pessoas sofridas, que haviam passado por dois séculos de duros castigos e humilhações no Egito, e que estavam em um deserto inóspito, mas mesmo assim não tiveram a dignidade de nos oferecer nem mesmo pão e água. Seria o equivalente a ver um sobrevivente do Holocausto, magro e abatido, pedindo um prato de comida, e não sentir absolutamente nenhuma misericórdia por ele. Como a essência do povo judeu é o Chessed (bondade), característica que herdamos de Avraham Avinu, então pessoas tão desumanos como os habitantes de Amon e Moav não podem fazer parte do nosso povo.
Porém, esta extrema falta de bondade de Amon e Moav levanta um sério questionamento. Os dois povos são descendentes de Lót, o sobrinho de Avraham. E a Torá nos ensina que Lót, como Avraham, se destacou justamente na característica de Chessed, chegando ao ponto de arriscar sua vida e a integridade física de suas próprias filhas apenas para fazer bondade com dois beduínos, que na verdade eram anjos disfarçados. Sabemos que até hoje o Chessed é parte do povo judeu por causa da “genética espiritual” que herdamos de Avraham. Então por que Amon e Moav, que também deveriam ter esta característica de Chessed embutida em sua “genética espiritual” herdada de Lót, se comportaram de maneira tão desumana e mostraram tamanha indiferença diante de pessoas necessitadas?
Explica o Rav Yaacov Ashkenazy (Polônia, 1550, 1625), mais conhecido como “Melitz Yosher”, que uma pessoa que cumpre uma Mitzvá ou pratica um bom ato por causa do reconhecimento interno da importância deste ato e pelo genuíno desejo de ajudar os outros, faz com que esta boa característica fique enraizada em seu coração, conseguindo transmiti-la para as futuras gerações. Mas se esta boa característica vem apenas pela força do hábito, então ela não fica enraizada no coração da pessoa e, portanto, não é transmitida para seus descendentes.
Esta foi a grande diferença entre os descendentes de Avraham e os descendentes de Lót. Avraham buscou D'us por toda a sua vida, para saber a quem agradecer por tudo de bom que recebia. Esta busca fez com que Avraham refletisse sobre a importância da bondade e entendesse de maneira profunda que o Chessed é um dos pilares que sustenta o mundo. Como ele internalizou esta Mitzvá em seu coração, esta característica foi transmitida também ao coração de seus descendentes. Já Lót não trabalhou em seu coração o valor do Chessed. Por sua longa convivência com Avraham, um homem que aproveitava cada pequena oportunidade para fazer Chessed, Lót aprendeu a fazer bondades simplesmente como um hábito, como parte natural da vida, mas nunca internalizou a sua importância, simplesmente fazia bondades de forma mecânica. Por isso esta característica não foi transmitida aos seus descendentes, que acabaram se transformando, poucas gerações depois, em pessoas egoístas e completamente insensíveis.
Com este ensinamento do “Melitz Yosher” podemos entender um triste fenômeno, que é o de jovens educados em casas observantes de Mitzvót, mas que acabam se afastando dos caminhos espirituais. Por que isto acontece? Pois quando os pais cumprem as Mitzvót sem internalizar o significado dos seus atos e a importância deles, cumprindo-as apenas por hábito e de maneira mecânica, então dificilmente conseguirão transmitir aos filhos a atitude correta em relação às Mitzvót. Assim, os filhos também apenas cumprirão as Mitzvót de maneira mecânica e, mais cedo ou mais tarde, acabarão abandonando-as.
Há outro ponto interessante sobre este incrível ensinamento do “Melitz Yosher”. Apesar de muitas vezes estarmos dispostos a gastar esforços, tempo e até mesmo dinheiro para cumprir uma Mitzvá, ainda assim não é uma garantia que esta Mitzvá não está sendo cumprida apenas por hábito. Lót chegou ao ponto de arriscar a sua vida para cumprir uma Mitzvá, mas mesmo assim a Torá ainda considera que esta Mitzvá foi feita apenas pela força do hábito, tendo pouco valor espiritual. Portanto, precisamos o tempo inteiro verificar nossos atos, para checar se estamos cumprindo as Mitzvót com o coração, internalizando sua importância e o seu impacto espiritual, ou se estamos apenas cumprindo de maneira mecânica, por força do hábito, mas sem nenhuma profundidade espiritual.
Em Mitzvót que se repetem poucas vezes durante nossa vida é mais fácil sentir a espiritualidade do momento. Por exemplo, quando uma pessoa participa do Brit-Milá de seu filho, ou faz a Brachá sobre seus “Arba Minim” (4 espécies) em Sucót, ela consegue se concentrar e ter Kavaná (intenção) em suas palavras e seus atos. Mas a grande dificuldade está justamente nas Mitzvót constantes, que repetimos várias vezes todos os dias, como a Tefilá (reza). Pronunciamos 3 vezes por dia, 7 dias por semana, praticamente as mesmas palavras, e por isso é tão difícil manter a concentração. Muitas vezes estamos no meio da Tefilá e percebemos que nossa cabeça está distante, pensando nos negócios, na viagem de férias ou simplesmente naquele dinheiro que estamos devendo a um amigo. Como lutar contra a força do hábito nestes casos?
Explicam nossos sábios que precisamos todos os dias tentar trazer um gosto novo para nossas Mitzvót. Por exemplo, estudando sobre o significado das palavras que mencionamos na Tefilá, desde o entendimento mais simples até as implicações mais profundas de cada uma das palavras que nossos sábios fixaram no Sidur. Algumas vezes podemos mudar de Sidur, simplesmente para quebrar a rotina. Outras vezes podemos fazer a Tefilá em um lugar diferente da sinagoga, ou até mesmo em outra sinagoga, apenas pelo efeito de renovação que isto pode trazer, para fugir da força do hábito.
Estamos no mês de Elul, o mês de preparação espiritual para Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento. Certamente há muitas Mitzvót que ainda não cumprimos e que gostaríamos de começar a cumprir, e esta é a época propícia do ano para receber sobre nós um crescimento espiritual. Mas além de acrescentar na quantidade de Mitzvót que gostaríamos de cumprir, um trabalho muito importante é acrescentar na qualidade daquelas Mitzvót que nós já cumprimos, mas que, por causa da força do hábito, acabam se tornando apenas atos mecânicos.
Internalizar a importância de cada Mitzvá e enraizá-la nos nossos corações é a melhor forma de garantir que não apenas nosso próprio serviço espiritual será muito mais significativo, mas que também teremos mais sucesso na transmissão dos valores judaicos para todos os nossos descendentes.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm