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A grandeza e a humildade

“Duas gotas d'água conversavam sobre a vida. Uma delas era extremamente humilde, enquanto a outra era demasiadamente arrogante e orgulhosa. A gota arrogante se achava melhor que as outras gotas, e queria estar sempre por cima, em destaque, enquanto a gota humilde ficava tranquila e sabia seu lugar. A gota humilde se sentiu na obrigação de ajudar, e tentou ensinar para a gota orgulhosa:
 
– Escute bem o que eu vou te explicar. A verdadeira humildade é firme e segura. A humildade é a mais nobre de todas as virtudes, pois somente ela traz sabedoria. O contrário da humildade é o orgulho. O orgulhoso julga-se superior e esconde-se por trás da tola vaidade. Quando uma pessoa humilde comete um erro, ela diz: “me equivoquei”, pois sua intenção é de aprender e crescer. Mas quando uma pessoa orgulhosa comete um erro, ela diz: “não foi minha culpa”, pois acha que não está sujeita a erros. A pessoa humilde diz “gostaria de ser melhor do que sou” e respeita os que são superiores, enquanto o orgulhoso acha que já chegou ao seu máximo potencial e não respeita os superiores, pois acha que não há ninguém acima dele. A pessoa orgulhosa não aceita críticas, enquanto a humilde está sempre disposta a ouvir as opiniões e aprender com elas. Por isso, quem é humilde cresce sempre, mas quem é orgulhoso fica estagnado a vida inteira, preso na ilusão da sua falsa superioridade. O orgulho é o bloqueio que impede a evolução das pessoas, enquanto a humildade é a chave que abre as portas da perfeição…
 
A gota orgulhosa interrompeu o discurso da gota humilde com uma sonora gargalhada. Quem aquela gota pensava que era? Não estava interessada em aprender nada daquela gota inexpressiva. Mas o tempo passou e a gota humilde se transformou em um mar. O mar é imenso e poderoso, pois é humilde o bastante para se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios. Sabendo receber de todos, torna-se grande. Mas a gota arrogante, querendo estar sempre acima de todos, transformou-se em pequena poça d'água no alto de uma montanha, passando o resto da vida sozinha e isolada…”
 
“Humildade” vem do latim “humus”, que significa “terra fértil, preparada para receber a semente”. A pessoa humilde está sempre disposta a aprender e deixar brotar a boa semente no solo fértil da sua alma. “Humus” também é a raiz da palavra “homem”, demonstrando que a essência verdadeira do ser humano é ser humilde. 

Nesta semana lemos a Parashá Behaalotechá (literalmente “quando você acender”), que termina com um importante ensinamento. Moshé Rabeinu estava acima de todos os outros profetas e, por causa de seu nível espiritual, precisou tomar uma atitude dolorosa, mas que era o correto a se fazer. A irmã de Moshé, Miriam, que também era uma profetiza, não entendeu a diferença do nível de Moshé e dos outros profetas. Ela achou que o ato de Moshé havia sido exagerado e foi conversar com Aharon para discutir com ele sobre a decisão aparentemente equivocada de Moshé. Neste momento, D'us pessoalmente veio intervir, dando uma grande bronca em Miriam por ter falado mal de Moshé. D'us então explicou para Miriam e para Aharon que Moshé estava muito acima do nível dos outros profetas, a ponto de falar com D'us “face a face”.
 
Porém, um pouco antes de D'us esclarecer a grandeza espiritual de Moshé e seu nível único, a Parashá traz um versículo que parece estar um pouco fora de contexto: “E o homem Moshé era mais humilde do que qualquer homem sobre a face da terra” (Bamidbar 12:3). Qual a conexão entre a humildade de Moshé e a sua grandeza espiritual, trazida nos próximos versículos? A mesma pergunta surge em relação a um ensinamento do Talmud (Meguilá 31a): “Em todo lugar que você encontra o poder de D'us, lá você também encontra a Sua humildade”. Por que os nossos sábios juntaram os conceitos de grandeza espiritual e humildade?
 
Explica o Rav Yaacov Naiman zt”l (Bielorússia, 1909 – EUA, 2009) que a resposta está no entendimento mais profundo sobre as nossas “Midót” (traços de caráter). A humildade e todas as outras boas Midót são características naturais da nossa alma. Quando o ser humano foi criado, a Torá nos ensina que “D'us formou o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas a alma da vida” (Bereshit 2:7). Por que D'us soprou a alma dentro do ser humano, ao invés de colocá-la dentro de nós de outra maneira? O Zohar (parte mística da Torá) explica que “aquele que sopra, de si mesmo sopra”, nos transmitindo a valiosa informação de que nossa alma é uma parte da própria Divindade. Isto significa que todas os bons traços de caráter são parte da natureza da nossa alma nobre. Portanto, quanto mais nos aproximamos da nossa alma, mais nos tornamos humildes.

Porém, se é algo tão natural ao ser humano ter boas características, por que vemos no mundo tantas pessoas arrogantes e prepotentes? Por que a humildade é a exceção? Pois, conforme descreve o versículo, D'us criou nosso corpo com o pó da terra, isto é, conectado com o materialismo, e soprou dentro de nós uma alma Divina. Isto cria o equilíbrio que permite ao ser humano ter livre arbítrio, que é a possibilidade de escolher entre nos inclinarmos para o lado do corpo ou para o lado da alma. Se a pessoa se conecta com a sua alma, ela vai se tornando cada vez mais humilde. Por outro lado, se a pessoa se conecta com o seu corpo, ela vai se tornando cada vez mais orgulhosa, pois a natureza do corpo é ser orgulhoso. Quanto mais a pessoa se afunda nas vanidades do materialismo e na busca por prazeres sem limites, sua arrogância também vai aumentando.
 
Assim nos ensina o profeta: “Não se vanglorie o sábio por sua sabedoria, e não se vanglorie o forte por sua força, nem se vanglorie o rico por sua riqueza” (Yirmiahu 9:22). A sabedoria, a força e a riqueza representam o apego pelo materialismo, e são coisas que deixam a pessoa orgulhosa. Então o profeta conclui com as seguintes palavras: “Mas sim se vanglorie por Me entender e Me conhecer” (Yirmiahu 9:23), pois são coisas que representam a conexão com D'us e, portanto, trazem humildade ao ser humano.
 
Isto se aplica não apenas à humildade e ao orgulho, mas a todas as Midót. As Midót ruins não vêm da nossa alma, que é uma parcela Divina e não contém nenhum tipo de mal. A fonte de todas as Midót ruins é o corpo, que é turvo, e quanto mais a pessoa vive uma vida dependente dos prazeres materiais, mais ela é dominada pelas Midót ruins. Por outro lado, quanto mais o ser humano vive uma vida espiritual, se afastando da busca desenfreada pelos prazeres materiais, então ele passa a desenvolver naturalmente Midót boas. A alma vai de acordo com a sua natureza, e o corpo vai de acordo com a sua natureza. O que nos resta é escolher se vamos de acordo com a natureza da nossa alma, nos elevando espiritualmente e nos transformando em pessoas melhores, mais humildes e altruístas, ou se vamos de acordo com a natureza do nosso corpo, caindo espiritualmente e nos transformando em pessoas egoístas e orgulhosas.
 
Este conceito nos ajuda a entender um ensinamento enigmático dos nossos sábios. O Talmud (Eruvin 13b) afirma que por dois anos e meio os dois maiores centros de estudo de Torá do povo judeu, Beit Shamai e Beit Hilel, discutiram se era melhor para o ser humano ter sido criado ou não. Após a discussão, chegaram à conclusão de que era melhor para o ser humano não ter sido criado. Mas como entender esta conclusão dos nossos sábios? Explica o Rav Simcha Zissel Ziv Broida zt”l (Lituânia, 1824 – 1898), mais conhecido como Saba MiKelem, que como a conclusão foi “é melhor para o ser humano não ter sido criado”,  então devemos viver como se não tivéssemos sido criados, isto é, com o mínimo de envolvimento na busca de prazeres mundanos supérfluos. Pois todos os sofrimentos que passamos aqui no mundo material são derivações e consequências das nossas Midót ruins. Por outro lado, não há prazer maior do que desenvolver Midót boas, como afirmou o mais sábio de todos os homens, Shlomo HaMelech (Rei Salomão): “Todos os dias de um homem pobre são miseráveis, mas quem tem um bom coração está sempre em alegria” (Mishlei 15:15).
 
Com este conceito podemos entender por que a Torá trouxe a humildade de Moshé junto com os versículos que falam sobre a sua grandeza espiritual e o quanto ele estava conectado com D'us. Quanto mais Moshé se elevava espiritualmente, maior era a sua humildade. Quando Moshé chegou ao seu ápice espiritual, a ponto de conversar com D'us “face a face”, então a Torá ressalta que sua humildade também atingiu o seu ápice, pois as duas coisas andam juntas. Quando Moshé transformou sua existência material em espiritualidade, as boas Midót se conectaram definitivamente a ele.
 
Assim a Torá nos ordena a nos relacionarmos com D'us: “Você deve temer a D'us, servi-Lo, e unir-se a Ele” (Devarim 10:20). Mas como é possível unir-se a D'us, se Ele é como um fogo que consome? Nossos sábios explicam que unir-se a D'us significa unir-se às Suas Midót. Da mesma forma que Ele é misericordioso, então devemos ser misericordiosos. Da mesma forma que ele é gracioso com Suas criaturas, então devemos ser graciosos. Mas como é possível termos Midót boas como D'us, que é a Fonte de toda a perfeição? Isto somente é possível pois todas as boas Midót de D'us estão presentes em nossa alma. Tudo o que precisamos fazer é nos aproximarmos da nossa alma, e naturalmente nos conectaremos às nossas Midót boas.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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