A sobrevivência do povo judeu

“Após uma aula de Torá, um homem se aproximou do Rav Baruch Ber Leibowitz zt”l (Bielorrússia, 1862 – Lituânia,1939) e perguntou:

– Rabino, desculpe a franqueza, mas se alguém que apoia o estudo da Torá recebe a mesma recompensa do que aquele que estuda Torá, então qual é a diferença entre eles? Em outras palavras, por que devo me esforçar para estudar Torá, se posso doar muito dinheiro e sustentar diversas instituições de Torá?

O Rav Leibowitz abriu um enorme sorriso e respondeu:

– Sua pergunta é excelente. É verdade que os dois terão Olam Habá (Mundo Vindouro). A diferença, meu querido, é que aquele que estuda Torá também tem Olam Hazé (Mundo material)”.

O que significa esta resposta do Rav Leibowitz? Algumas pessoas veem o estudo da Torá apenas como um meio para ganhar sua recompensa no Olam Habá. Mas aquele que já provou a doçura da Torá sabe que não há maior alegria neste mundo do que o estudo da Torá. 

 

Através das gerações, a sobrevivência milagrosa do povo judeu é surpreendente. Diante de uma história de sofrimentos, tristezas e perseguições, o povo judeu enfrentou suas adversidades com resiliência e, mesmo sendo derrubado milhares de vezes, sempre conseguiu se reerguer. Muitos na história já questionaram: afinal, qual é o segredo da sobrevivência do povo judeu? Como o povo judeu venceu, através dos milênios, a assimilação, se mantendo um povo diferente e com tradições únicas? A resposta está em um detalhe interessante da Parashá desta semana, Vayigash (literalmente “se aproximou”). Na Parashá ocorre o desfecho de uma das histórias mais dramáticas da Torá. Yossef, depois de ter sido vendido e ter permanecido 22 anos longe de seu pai, finalmente se reencontrou e se revelou aos seus irmãos. Após uma série de acontecimentos que pareciam sem sentido para os irmãos de Yossef, como um governante insistentemente acusando-os de serem espiões, o dinheiro que sempre reaparecia nas sacolas de produtos comprados no Egito e a prisão de Shimon, tudo se esclareceu com as palavras “Eu sou Yossef” (Bereshit 45:3). Os irmãos, ao escutarem, ficaram em estado de choque e não puderam dizer nada.
 
Os comentaristas explicam que o silêncio dos irmãos de Yossef era por vergonha, por terem entendido que haviam julgado Yossef de maneira equivocada. Naquele momento eles perceberam que Yossef era um Tzadik (Justo) e que seus sonhos eram profecias que estavam se materializando. Yossef, ao perceber o grande choque que havia causado aos seus irmãos, tentou confortá-los, expressando seu perdão e deixando claro que não havia guardado nenhum rancor no coração. Ele também instruiu seus irmãos a trazerem Yaacov e suas famílias para morarem no Egito, para poderem ter sustento durante os anos de terrível seca e escassez. No final das instruções, Yossef acrescentou uma frase enigmática: “Não fiquem agitados no caminho” (Bereshit 45:24). De acordo com Rashi (França, 1040 – 1105), Yossef estava aconselhando seus irmãos a não se envolverem durante o caminho em acaloradas discussões de Halachá (Lei judaica), para não acabarem se perdendo.
 
Porém, esta explicação de Rashi é difícil de ser entendida, pois faz com que o conselho de Yossef pareça algo sem sentido. Os irmãos de Yossef haviam acabado de passar pelo maior choque de suas vidas ao reencontrar seu irmão desaparecido. Será que durante o caminho de volta para casa os irmãos de Yossef não estariam refletindo sobre sua decisão incorreta de vender o próprio irmão? Então por que Yossef ficou preocupado que eles se concentrariam tanto no estudo da Torá e nas discussões de Halachá que acabariam se perdendo? Por que era tão óbvio para Yossef que seus irmãos naturalmente se dedicariam ao estudo da Torá em sua viagem?
 
Poderíamos pensar que Yossef se baseou na existência da Mitzvá de estudar Torá mesmo quando estamos no caminho, como repetimos diariamente no Shemá Israel: “E você deve dizê-las (as palavras de Torá) quando estiver sentado na sua casa ou quando estiver andando no caminho” (Devarim 6:7). Porém, isto se aplicaria também a momentos de stress e de profunda reflexão sobre um grave erro cometido? Certamente os irmãos de Yossef deviam estar em um momento de extremo sofrimento e stress, pois sabiam que teriam que encarar seu pai e revelar a ele que haviam mentido nos últimos 22 anos sobre o destino de Yossef. Quem, nestas condições, teria a presença de espírito necessária para se dedicar ao estudo de Torá?
 
Explica o Rav Yaacov Weinberg zt”l (EUA, 1923 – 1999) que no judaísmo, quanto mais nos aprofundamos em um questionamento e repetimos a pergunta em nossas cabeças, mais começamos a perceber que a pergunta já é parte da resposta. Isto também se aplica à nossa pergunta. Estamos acostumados a enxergar o cumprimento das Mitzvót, e em especial o estudo da Torá, como algo que traz frutos apenas para o “Olam Habá” (Mundo Vindouro). Às vezes chegamos a acreditar que viemos a este mundo para terríveis sacrifícios e dificuldades apenas para podermos futuramente aproveitar do fruto dos nossos esforços. Mas isto é um grande equívoco, pois o cumprimento das Mitzvót, e em particular o estudo da Torá, já nos trazem inúmeros benefícios no mundo material.
 
Quando as pessoas estão em momentos de stress, elas procuram formas de relaxar. Alguns saem para praticar esportes, outros preferem escutar uma música tranquila. Mas aqueles que já sentiram a doçura da Torá sabem que não há nada mais relaxante do que se envolver com o estudo da Torá, como afirmou David Hamelech: “Se não fosse Sua Torá o meu prazer, eu teria perecido em minha aflição” (Tehilim 119:92). David Hamelech passou por terríveis sofrimentos na vida. Foi perseguido por diversos inimigos, perdeu filhos tragicamente e sofreu tentativas de golpe. E qual era o único antídoto para se manter tranquilo? O seu estudo de Torá.
 
Portanto, a pergunta não é “como os irmãos de Yossef poderiam estudar Torá em um momento tão conturbado?”, e sim “como os irmãos de Yossef poderiam não estudar Torá em um momento tão conturbado?”. Sob uma pressão tremenda, seria natural os irmãos de Yossef buscarem a tranquilidade mental através do estudo da Torá. Isto é ainda mais verdade em uma situação como a que os irmãos de Yossef se encontravam. A Torá é o nosso “Manual de Instruções” da vida e, portanto, era natural que eles quisessem se envolver com um estudo mais sério da Torá, em busca de orientação Divina sobre como lidar com os problemas do momento.
 
Este é o segredo da imortalidade do povo judeu: o estudo da Torá. A Torá uniu os judeus através da história e nos salvou da assimilação. O povo judeu somente pode ser uma nação única por causa da Torá. Não somos uma nação baseada em uma terra, em uma língua ou em uma cultura. Se não fosse pela Torá, este povo espalhado pelo mundo inteiro já teria rapidamente desaparecido, afogado na assimilação.
 
É interessante perceber que a Torá garante a sua própria continuidade de geração em geração. Valores como educação e alfabetização para as massas são conceitos modernos no mundo. A até cerca de 200 anos atrás, a educação era vista apenas como um privilégio das elites. Muitas religiões inclusive tinham interesse de que as massas permanecessem analfabetas e sem acesso à educação, pois assim garantiam que poucas pessoas tivessem acesso a livros e pudessem questionar sua fé. Mas o judaísmo, ao contrário, sempre buscou a educação das massas, desde a entrega da Torá no Monte Sinai, há mais de 3.300 anos. D'us nos ordenou o estudo da Torá todos os dias das nossas vidas. Por isso, os judeus sempre foram incentivados a saber ler e escrever, garantindo a alfabetização e a educação das massas. Desde o Monte Sinai, o início do povo judeu como uma nação, o estudo da Torá e o aprimoramento intelectual foram, e continuam sendo, nossa força vital. Somente através do estudo da Torá é que nós, o “Povo do Livro”, podemos viver de acordo com nosso nome.
 
Durante toda a história do povo judeu sempre houveram pessoas que dedicaram suas vidas ao estudo da Torá. Para que isto fosse possível, sempre existiram doadores caridosos que sustentavam estas pessoas e ajudavam a manter as instituições de Torá. Desde a época das tribos, quando a tribo de Yssachar se dedicava ao estudo da Torá, enquanto a tribo de Zevulun se dedicava ao comércio e sustentava a tribo de Yssachar, dividindo com eles o mérito do estudo da Torá. Porém, apesar do ato de doar dinheiro para sustentar instituições de Torá ser algo muito grandioso, isto não nos isenta do nosso próprio estudo. D'us quer que o povo judeu seja um povo de pessoas com educação aprimorada. O judaísmo não tem medo dos questionamentos e das discussões que envolvem a religião. Somente poderemos ser boas pessoas se estivermos sempre conectados ao estudo da Torá, de forma séria e consistente. Assim, estaremos garantindo não apenas o sucesso e a tranquilidade para o Mundo Vindouro, mas também para nossas vidas no mundo material. Este é o segredo do povo judeu.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

 

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