“Reuven estava pacientemente esperando na longa fila do check-in no aeroporto. De repente, um homem simplesmente furou a fila, entrou na sua frente e ficou tranquilamente lendo um livro, como se nada tivesse acontecido. Reuven ficou extremamente irritado com aquele descaramento. Ele já estava há um bom tempo esperando e aquele homem entra no meio da fila!
Reuven teve vontade de gritar com ele, de fazer um enorme escândalo e expulsá-lo da fila. Mas decidiu trabalhar seu autocontrole e, apesar de estar com o sangue fervendo de raiva e indignação, decidiu aguentar e não falar nada. Sabia que ninguém ganha nada sendo malandro.
Porém, o teste mais difícil de Reuven ainda estava por vir. Quando chegou a vez daquele homem descarado se dirigir ao guichê, Reuven escutou o funcionário da companhia aérea falar em alto e bom som: “O senhor pegou o último assento livre do avião”. O homem abriu um sorriso, e em sua cabeça certamente estava passando a ideia de o quanto havia valido a pena ter furado a fila. Reuven não estava assim tão contente. Sua irritação era visível, e a vontade que ele tinha era de pular no pescoço daquele sujeito e lhe dar uns bons tapas na cara para ensinar-lhe uma lição. Mas novamente Reuven se controlou e conseguiu manter a calma. Foi então que Reuven escutou o funcionário da companhia aérea chamando-o. Quando aproximou-se do guichê, o funcionário disse:
– Senhor, o seu voo está lotado e os assentos comuns terminaram. Por isso, estamos colocando o senhor na primeira classe, sem nenhum custo extra. Boa viagem”. (História Real)
O desafio de ser honesto em um mundo tão desonesto é muito grande. Mas isto faz com que cada bom ato que fazemos se torne ainda mais especial e tenha uma recompensa maior. E acima de tudo precisamos manter a calma nestes momentos, pois existe “Hashgachá Pratid” (Supervisão Divina particular), e nenhuma malandragem terá um benefício real no final.
A Parashá desta semana, Pinchás, traz mais uma contagem do povo judeu. Logo depois a Torá descreve o incidente das cinco filhas de Tzlofechad. Eram cinco mulheres Tzadikót (justas), filhas de um homem que havia morrido no deserto sem deixar filhos homens. A Torá descreve que elas se levantaram e foram reclamar com Moshé, e pediram uma porção na Terra de Israel. Mas por que elas estavam reclamando, se todo o povo estava indo para Israel? E qual a conexão entre a contagem do povo e a reclamação das filhas de Tzelofechad?
De acordo com o Rav Avraham ben Meir zt”l (Espanha, 1092 – 1167), mais conhecido como Ibn Ezra, a Terra de Israel seria dividida entre as tribos, e cada família receberia uma terra proporcional ao seu número de integrantes. Esta contagem do povo foi feita no final dos 40 anos de permanência no deserto, quando a entrada na Terra de Israel já estava iminente, pois estava relacionada com a divisão da terra. Como as filhas de Tzelofechad perceberam que apenas os homens haviam sido contados, elas entenderam que ficariam sem nenhuma porção. O amor delas por Israel era tão grande que elas se levantaram para reclamar com Moshé, como está escrito: “E se aproximaram as filhas de Tzlofechad… e pararam diante de Moshé e de Elazar HaCohen, e diante dos líderes e de todo o povo… e disseram: 'Nosso pai morreu no deserto… e ele não tinha filhos homens… nos dê uma parte entre os irmãos do nosso pai' ” (Bamidbar 27,1-4).
Apesar de várias reclamações do povo judeu terem terminado de maneira trágica, com a morte dos reclamões, desta vez aconteceu justamente o contrário. Não apenas D'us concordou com a reclamação das filhas de Tzelofechad, dando a elas uma porção na Terra de Israel, mas também pelo mérito delas as leis de herança foram imediatamente ensinadas, e o nome destas cinco Tzadikót ficou gravado para sempre na Torá.
Mas desta explicação fica uma grande dúvida: o que as filhas de Tzelofechad fizeram para meritar algo tão grande? Afinal, o que há de especial em querer um pedaço de terra em Israel? Atualmente há milarhes de judeus do mundo inteiro que sonham em voltar para Israel. Alguns vão ainda mais longe e abandonam toda a comodidade de suas vidas para efetivamente viver em Israel. Portanto, por que o ato delas foi considerado por D'us algo tão elevado?
A pergunta fica ainda mais difícil de acordo com um interessante Midrash (parte da Torá Oral), que afirma que toda pessoa correta que se levanta em uma geração que não é correta merita receber a recompensa de toda a geração. O Midrash traz alguns exemplos que já ocorreram durante a história da humanidade, como Noach (Noé), que foi contra sua geração na época do dilúvio e recebeu a recompensa de toda sua geração; Avraham Avinu, que foi contra sua geração na época da Torre de Babel e recebeu a recompensa de toda sua geração; e Lót, que foi contra as pessoas malvadas da cidade de Sdom (Sodoma) e recebeu a recompensa de toda a cidade. O Midrash termina citando as filhas de Tzelofechad, que também se levantaram contra a geração do deserto e meritaram receber a recompensa de toda aquela geração. Mas se o ato ao qual o Midrash se refere é a reclamação por uma porção na Terra de Israel, o que isto tem de tão especial para que elas meritassem receber a recompensa de toda a geração?
Encontramos a resposta ao prestarmos atenção em um pequeno detalhe, mas que faz muita diferença. Em que momento as filhas de Tzelofechad reclamaram com Moshé que queriam uma porção na Terra de Israel? Não foi quando as coisas estavam fáceis ou quando havia incentivos e ajuda financeira para quem quisesse morar em Israel. Ao contrário, o ato delas foi logo depois do povo judeu ter reclamado e dito: “Vamos fazer um líder e voltar para o Egito” (Bamidbar 14:4). O povo estava cansado de tantos anos de viagens no deserto, após muitos castigos por causa de erros cometidos pelo povo. Eles se sentiam fracassados e estavam sem vontade de continuar a jornada. Preferiam voltar ao Egito, mesmo que isto significasse voltar para a escravidão. Era um sentimento negativo contagiante, que contaminou praticamente todo o povo.
Explica o Rav Mordechai Ilan zt”l (Polônia, 1917 – Israel, 1981) que foi neste contexto que se levantaram as filhas de Tzelofechad contra toda a geração. Elas nadaram contra a correnteza turva que arrastava as pessoas para longe da vontade de D'us. A forma firme como elas se levantaram contra a tendência de todo o povo expressa a confiança plena delas de que, apesar das dificuldades, o correto era sempre seguir a vontade de D'us. Indo contra o desânimo generalizado, as filhas de Tzelofechad se levantaram com uma incrível Emuná (fé) de que D'us estava levando o povo para uma terra muito boa.
Esta atitude das filhas de Tzelofechad foi um verdadeiro “tapa na cara” do resto do povo, e elas se tornaram um modelo para a geração inteira. As pessoas pararam para refletir e perceberam como era absurdo que eles, que já tinham uma porção garantida na Terra de Israel, estavam desprezando aquele presente maravilhoso de D'us, enquanto as filhas de Tzelofechad estavam brigando por uma porção em Israel. Isto deu um novo ânimo para o resto do povo, e por isso a recompensa que elas receberam foi tão grande.
Deste evento aprendemos um fundamento espiritual muito importante. Os atos que fazemos na vida não são julgados e valorizados apenas pela sua própria essência, mas também de acordo com o nível da geração, o momento, o local e o ambiente. Nossos atos podem mudar radicalmente de acordo com estes fatores, e mesmo um ato que passaria despercebido espiritualmente em certo momento pode trazer muitos méritos em outro momento. Portanto, uma pessoa que consegue se levantar contra uma geração inteira, alguém capaz de dizer “não” à opinião geral prevalecente, automaticamente eleva muito a qualidade do seu ato. É o que a Torá nos ensina quando ressalta que “Noach era um Tzadik, um homem correto em sua geração” (Bereshit 6:9). Por que “em sua geração”? Pois comparado com Avraham, provavelmente Noach não teria sido nada, mas em sua geração, uma geração muito baixa, seus bons atos brilharam com muito mais intensidade.
Este é certamente o desafio da nossa geração. Normalmente as pessoas justificam seus maus atos com a famosa expressão “mas todo mundo também faz assim”. Porém, o fato de muitas pessoas fazerem o que é errado não transforma o ato em algo correto. Ao contrário, o fato de muitas pessoas fazerem o que é errado se torna uma grande oportunidade para nos transformarmos em um modelo de boa conduta. Ser honesto já é uma importante Mitzvá, mas ela fica ainda mais especial quando é feita mesmo em um ambiente onde os governantes são corruptos, e as pessoas que criticam os governantes também não se importam em enganar os outros nos pequenos atos do dia-a-dia. Devolver troco a mais, pagar os funcionários no dia certo, não mentir a idade dos filhos para obter desconto e nunca furar filas nem andar no acostamento da estrada lotada são alguns poucos exemplos das oportunidades que temos de nos tornarmos modelos de honestidade em uma geração tão desonesta.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm