“Joel estava insatisfeito com seu estilo de vida. A pressão do dia a dia estava deixando-o completamente louco. Trabalhava demais, descansava pouco, não fazia exercícios. Decidiu que precisava parar um pouco, precisava de umas boas férias. Como queria se isolar e fugir da civilização, pegou seu jipe, preparou provisões para alguns dias de viagem e foi se aventurar em trilhas e locais pouco habitados.
Em certo momento ele se desconcentrou do caminho e acabou se perdendo. Sem nenhum mapa, foi seguindo durante horas por estradas de terra, até que chegou a uma tribo indígena que praticamente nunca tinha entrado em contato com a civilização. Quando os índios viram Joel chegando com seu jipe, acharam que era um deus montado sobre um monstro. A tribo toda correu para se curvar diante daquele deus poderoso. Joel foi recebido com honras, ganhou casa e comida, e decidiu que não voltaria mais para sua vida na civilização. Deu de presente o “mostro” para os índios mais jovens da tribo, que ficavam se divertindo o dia inteiro, passeando sobre o “monstro” de um lado para o outro. Joel ensinou a eles que, no momento em que o “monstro” morresse, bastava pegar a “poção mágica” que estava no porta-malas e colocar na “boca” do “monstro” para que ele milagrosamente voltasse à vida.
E assim realmente aconteceu. Após algum tempo, quando o combustível acabou, os índios viram que o “monstro” havia morrido, pois não se movia mais. Eles então se lembraram das instruções de Joel, abriram o porta-malas e pegaram o recipiente com a “poção mágica”. Porém, quando abriram a tampa, veio aquele cheiro forte de gasolina. Os índios acharam que o líquido havia apodrecido. Jogaram fora aquele líquido fedido, foram até o rio, encheram o recipiente com água limpa e cristalina e colocaram na “boca” do “monstro”. Obviamente o “monstro” nunca mais voltou à vida…
É interessante que damos risada desta história, mas na vida real nos comportamos exatamente como estes índios. Da mesma forma que os índios não conhecem nada sobre mecânica de automóveis, mas mesmo assim acharam que podiam tomar decisões sozinhos, nós também não conhecemos nada sobre o mundo espiritual, porém acabamos tomando decisões espirituais sozinhos, como se fossemos grandes conhecedores, sem consultar e escutar os ensinamentos e conselhos de rabinos com maior conhecimento.
Na Parashat desta semana, Vayakel (que literalmente significa “E reuniu”), a Torá novamente fala sobre a construção do Mishkan (Templo Móvel) e seus utensílios. Mas diferente da Parashá Terumá, que trouxe apenas os comandos de D'us a Moshé, esta Parashá descreve a construção na prática. Betzalel foi o escolhido para a construção do Mishkan e coordenou todos os serviços construtivos com perfeição, como está escrito: “E Betzalel ben Uri ben Hur, da Tribo de Yehudá, fez tudo o que D'us comandou a Moshé” (Shemot 38:22).
Porém, a linguagem utilizada neste versículo chama a atenção por um pequeno detalhe. Por que está escrito que Betzalel fez “o que D'us comandou a Moshé”, e não “o que Moshé comandou a ele”? Responde Rashi (França, 1040 – 1105) que mesmo nas coisas que Moshé não falou para Betzalel, o ponto de vista de Betzalel estava de acordo com o que D'us havia revelado para Moshé no Monte Sinai. Rashi explica que Moshé havia entendido que a ordem da construção deveria ser os utensílios em primeiro lugar e somente depois o Mishkan, mas Betzalel falou que deveria ser o contrário, primeiro o Mishkan e somente depois os utensílios. Quando Moshé escutou as palavras de Betzalel, ele exclamou: “Exatamente assim como você disse eu escutei de D'us. Agora eu sei porque seu nome é Betzalel. Você esteve na sombra de D'us!” (O nome Betzalel vem das palavras “Betzel” (na sombra) e “E-l” (o Nome de D'us)). Isto significa que Betzalel havia usado seu intelecto e seus conhecimentos de Torá de uma maneira tão profunda que havia entendido exatamente como D'us havia planejando a construção do Mishkan. Betzalel havia atingido o nível de “Daat Torá”, traduzido como “Conhecimento da Torá”. Porém, a linguagem “Daat” significa mais do que apenas conhecimento. “Daat” também significa “conexão”. Isto significa que alguém que alcança o nível de “Daat Torá” não apenas conhece a Torá, mas se conecta com a Torá de maneira que a Torá vira parte da sua forma de pensar e agir.
Ensinam os nossos sábios: “Faça para você um rabino e adquira um amigo” (Pirkei Avót 1:6). O Pirkei Avót está nos explicando que, não importa o quão estudado ou quão grande e maduro seja uma pessoa, ela não pode viver uma vida de forma realmente produtiva e efetiva estando sozinha, sem ter alguém com quem se aconselhar. Para um completo e saudável desenvolvimento, a pessoa precisa destes dois tipos de relacionamento: ter um amigo e fazer um rabino.
Fazer um rabino significa confiar em alguém a ponto de anular sua própria opinião diante da opinião de outra pessoa. E isto é baseado no fato de que fazer uma pergunta a alguém com “Daat Torá” não significa perguntar a opinião pessoal do rabino, e sim qual é a opinião da Torá, para saber qual é a vontade de D'us neste assunto. Nos círculos mais religiosos, é muito comum as pessoas fazerem perguntas a grandes rabinos em uma ampla variedade de assuntos, que nem sempre estão relacionadas ao cumprimento de Mitzvót. Por que as pessoas confiam em rabinos para pedir conselhos em áreas que aparentemente elas sabem mais do que os próprios rabinos?
Uma das chaves para responder esta pergunta é a própria história de Purim. O Talmud (Meguilá 12b) nos ensina que houve uma disputa entre Mordechai, o líder espiritual do povo judeu no exílio, e o resto do povo. Achashverosh, o malvado rei Persa, convidou o povo judeu, junto com outras nações, para seu grandioso banquete. Os judeus sentiram que deveriam ir por motivos políticos, pois achavam que caso recusassem, estariam insultando Achashverosh e teriam que enfrentar sua fúria. Porém, Mordechai, o velho e antiquado rabino, aparentemente indo contra a lógica, proibiu o povo de ir ao banquete, por toda a falta de recato e imoralidade que certamente haveria naquela festa.
O povo judeu não escutou as palavras de Mordechai. Argumentando que caso seguissem seus conselhos eles seriam prejudicados, os judeus foram ao banquete. E eis que realmente isto trouxe certa prosperidade ao povo judeu por algum tempo. Eles se viraram para Mordechai e disseram: “Nós estávamos certos e você estava errado. Graças a D'us que não escutamos seus conselhos”. Até que Haman surgiu em cena e conseguiu muito poder. E novamente Mordechai se comportou de maneira oposta ao resto do povo. Ele não se curvava diante de Haman, deixando-o furioso. Mais uma vez os judeus se uniram contra Mordechai e disseram: “Você é um assassino! Se curve diante de Haman ou todos nós morreremos!”. E eis que novamente eles estavam certos, pois motivado pelo seu ódio contra Mordechai, Haman bolou um plano maquiavélico para exterminar o povo judeu inteiro em um único dia.
No final das contas, quem estava certo? Mordechai, o homem velho e fora de moda, que só sabia ler livros velhos e desatualizados, ou o resto do povo, pessoas que conheciam muito bem os caminhos do mundo? De acordo com a lógica natural, o povo deveria ter se voltado contra Mordechai. Tudo o que eles haviam previsto aconteceu, eles estavam certos e Mordechai estava errado. O esperado seria uma rebelião seguida da expulsão de Mordechai. Mas, por algum motivo, eles voltaram atrás e, ao invés de expulsar Mordechai, eles disseram: “Rabino, nos diga o que fazer agora”. E deste ato nasceu a salvação do povo judeu.
Porém, o que fez o povo voltar atrás e passar a escutar Mordechai? Explica o Rav Boruch Leff que eles se arrependeram do erro que haviam cometido e começaram a entender a importância do “Daat Torá” de Mordechai. Eles perceberam que precisavam de uma salvação milagrosa, e a única maneira para conseguir isso seria se voltar para D'us, principalmente através dos Tzadikim (Justos) que estão mais próximos Dele.
É somente através da lógica e dos direcionamentos da Torá que podemos trazer a salvação dos nossos problemas. Pensamos que enxergamos a realidade, mas não a vemos de verdade. O povo judeu achou que estava certo e Mordechai estava errado, mas de acordo com o Talmud (Meguilá 12a), o motivo do decreto espiritual de destruição do povo judeu, que se materializou através do plano de Haman, foi consequência do povo ter participado do banquete de Achashverosh, e não por motivos políticos. Se o povo tivesse escutado os conselhos de Mordechai desde o princípio, Haman nunca teria subido ao poder e nunca teria feito um decreto contra o povo judeu. Nossa lógica, que parece ser muito forte e bem fundamentada, é frequentemente influenciada por nossos preconceitos pessoais. Já os rabinos que atingiram um nível espiritual mais elevado, como Mordechai, que chegaram ao nível de “Daat Torá”, conseguem se desvincular de seus preconceitos pessoais e podem acessar a verdadeira vontade de D'us.
Isto não significa que um rabino é infalível, que nunca erra. O melhor médico também está sujeito a erros, e isto não faz com que deixemos de buscar seus conselhos médicos em suas especialidades, pois seguir as orientações de um bom médico continua sendo a melhor prática na tentativa de curar doenças. D'us também quer que nos esforcemos para sempre tomar nossas decisões baseadas na vontade Dele. Ao nos aconselharmos com um rabino, apesar de serem pessoas de carne e osso, estamos fazendo a nossa parte no processo de decidir de acordo com a vontade de D'us. Não precisamos questionar os rabinos sobre o que fazer de comida no jantar ou qual cor de camiseta vestir, pois D'us nos deu um intelecto para podermos tomar decisões sozinhos. Mas quando se tratam de questões importantes, que afetam nossa vida de forma impactante, devemos pensar em termos do que D'us gostaria que fizéssemos neste momento. Por isso, fazer a pergunta a um rabino bem informado é o mais próximo que podemos chegar de perguntar algo diretamente para D'us.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm