Certa vez Fernando caminhava pela praia, em uma noite de lua cheia. Ele era um homem inconformado com as dificuldades que passava na vida. Não estava feliz no trabalho, não estava satisfeito com seu casamento e não se sentia confortável com sua situação financeira sempre apertada. Ele ia caminhando e pensando: “Se eu tivesse uma casa um pouco maior, um trabalho menos estafante, uma esposa mais compreensiva, aí sim eu seria feliz…”.
Perdido em seus pensamentos, Fernando não viu uma sacola cheia de pedrinhas que estava no chão e acabou tropeçando. Imediatamente começou a amaldiçoar aquele que havia deixado a sacola jogada no meio da praia. Ele pegou a sacola na mão e começou a jogar as pedrinhas no mar, uma a uma. Mas ele não as jogava aleatoriamente. Cada vez que ele dizia “Eu seria feliz se tivesse…”, ele agarrava uma pedrinha e atirava no mar. Assim ele foi repetindo aquele ato por um bom tempo, até que somente restou uma única pedrinha na sacola.
Ao chegar em casa, Fernando acendeu a luz e olhou aquela pedrinha que havia restado com um pouco mais de atenção. Foi então que ele percebeu que aquelas não eram simples pedrinhas, eram diamantes muito valiosos. Fernando ficou desesperado. Quantos diamantes valiosos ele havia jogado ao mar, sem perceber? Por não ter parado para prestar atenção, todos os sonhos da sua vida haviam passado pelas suas mãos e haviam sido atirados ao mar…
Assim são as pessoas, elas jogam fora seus preciosos tesouros por estarem esperando aquilo que acreditam ser perfeito, ou sonhando e desejando o que não têm, sem dar valor ao que elas têm perto delas. Se olhassem ao redor, parando para observar, perceberiam quão afortunadas são.
Sua felicidade está muito perto de você. Cada pedrinha deve ser observada com cuidado, pois pode ser um diamante valioso. Cada um de nossos dias pode ser considerado um diamante precioso, valioso e insubstituível. Está em nossas mãos aproveitá-lo, ou lançá-lo ao mar do esquecimento para nunca mais recuperá-lo.
E você, o que anda fazendo com suas pedrinhas?
Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Matót e Massei, que descrevem eventos ocorridos com o povo judeu durante os preparativos finais para a entrada na Terra de Israel. A Parashá Matót descreve um acontecimento que é um pouco difícil de ser entendido. Como os integrantes das tribos de Reuven e Gad tinham uma grande abundância de rebanhos, muito mais do que as outras tribos, eles imaginaram que não haveria pastos suficientes em Israel para todos os animais. Então eles propuseram a Moshé que, ao invés de receberem uma porção na Terra de Israel, preferiam ficar fora, na porção oriental do Rio Jordão, um vale muito fértil e com abundantes pastos, um local excelente para criação de animais.
Moshé não viu o pedido com bons olhos e reagiu com uma forte crítica aos membros das tribos de Reuven e Gad. Mas o que causou esta fúria em Moshé não foi o fato de terem escolhido morar fora da Terra de Israel, e sim a forma como eles se expressaram. Ao fazer o pedido, eles simplesmente ignoraram as necessidades dos seus próprios filhos e mencionaram apenas as necessidades dos seus animais, como está escrito “E vieram os descendentes de Gad e os descendentes de Reuven e falaram com Moshe, com Elazar HaCohen e com os príncipes da comunidades, e disseram… esta terra é para gado, e seus servos têm gado” (Bamidbar 32:2,4).
Após a bronca, aparentemente os líderes de Reuven e Gad entenderam o recado de Moshé, mas não completamente. Eles novamente se aproximaram de Moshé e reapresentaram seu pedido. Desta vez eles se lembraram de mencionar seus filhos, mas ainda assim somente depois de terem mencionado seus animais, como está escrito: “Eles se aproximaram dele (Moshé) e disseram: “Vamos construir aqui currais para o nosso gado e cidades para as nossas crianças” (Bamidbar 32:16). Novamente Moshé não gostou da inversão de prioridades, por eles terem colocado seus bens antes de suas famílias, e novamente os criticou. Finalmente eles aprenderam a lição e colocaram as coisas em sua devida ordem, isto é, primeiro a família e somente depois os negócios, como está escrito “Nossos filhos e nossas mulheres, nossos rebanhos e nossos animais permanecerão lá, nas cidades de Guilad” (Bamidbar 32:26).
As tribos de Reuven e Gad, e metade da tribo de Menashé, que posteriormente se juntou a eles na decisão de morar fora da Terra de Israel, parecem dar mais valor para suas posses do que para sua espiritualidade e suas famílias. O que poderia explicar esta visão tão distorcida das coisas?
A resposta está em um famoso questionamento: “Quem é rico?”. Que tipo de resposta daríamos para esta pergunta? Na nossa concepção, o mais rico é aquele que tem o maior saldo bancário. Como a pergunta é quantitativa, então esperaríamos uma resposta também quantitativa. Porém, a Mishná (parte da Torá Oral) dá uma resposta diferente: “Quem é rico? Aquele que está contente com sua porção” (Pirkei Avót 4:1), isto é, rico é aquele que está feliz com sua vida.
Apesar das aparências, isto não é um ensinamento “conformista”, de que devemos desejar uma vida medíocre e sem crescimento. A Mishná está nos ensinando que devemos nos esforçar para melhorar nossas vidas de todas as maneiras possíveis, mas devemos saber que, em qualquer nível de conquista que tenhamos alcançado, a chave para possuir isto de verdade é apreciá-lo. A pessoa que é rica de verdade é aquela que desenvolve uma atitude que o faz se sentir abençoado, independente das circunstâncias atuais de sua vida, e que tem a certeza de que absolutamente nada lhe falta.
Todos nós lembramos ter desejado “algo” na vida que, caso fosse alcançado, nos levaria a um estado de felicidade permanente. Pode ter sido um novo trabalho, uma nova casa, um novo carro ou qualquer outra coisa que teoricamente mudaria nossa vida para sempre. Mas o que ocorreu quando alcançamos este desejo? Percebemos que, após um rápido momento de “brilho” inicial, nada mudou de verdade em nossas vidas. Porém, ao invés de aprender com esta lição, normalmente passamos para a próxima fantasia, para a próxima ilusão de algo que vai realmente mudar nossas vidas.
Mudar a nossa vida de forma permanente tem muito mais a ver com gostar do que nós temos do que ter o que nós gostamos. Apreciação é como um músculo, precisa ser trabalhado para se desenvolver e se fortalecer. Se uma pessoa tem apenas 10 mil e realmente aprecia e se sente abençoado por ter este valor, enquanto outra pessoa tem 10 milhões mas não aprecia por estar focado nos 100 milhões que seu vizinho tem, então quem é mais rico, aquele que tem 10 mil ou aquele que tem 10 milhões? O ponto em comum entre todas as pessoas que são felizes é que elas desenvolveram uma atitude de apreciar tudo o que têm na vida e se sentem abençoadas. E o contrário também é válido, isto é, o ponto em comum entre as pessoas que estão sempre tristes é que, independente do que elas têm, elas não sabem apreciar as bênçãos que receberam na vida.
Este é um conceito incrível, de que ser verdadeiramente rico não é determinado pelos padrões ditados pela nossa sociedade. Riqueza é algo disponível para todos, tanto para os ricos quanto para os pobres. Ser rico não depende de ninguém, depende apenas de nós mesmos, pois é uma questão de atitude. Se a pessoa desenvolve esta atitude positiva, todos os bens materiais que ela adquire servem para aumentar seu prazer. Mas se a pessoa não desenvolve esta atitude, nenhuma quantidade de bens será suficiente para fazê-la se sentir rica. A falta de apreciação a levará a uma busca incessante de níveis maiores de aquisição material, que nunca terá fim e nunca a deixará satisfeita de verdade.
Este conceito talvez explique a visão distorcida de Reuven, Gad e Menashé. De acordo com o Rav Simcha Barnett, há um ponto em comum entre estas tribos: as três eram descendentes de primogênitos. Reuven era o primogênito dentre todos os filhos de Yaacov; Gad era o primogênito de Zilpá, uma das esposas de Yaacov; e Menashé era o primogênito de Yossef. De acordo com o judaísmo, o primogênito carrega um grau de responsabilidade maior do que seus irmãos. Formalmente, este papel de liderança se materializava nos serviços do Templo Sagrado e no reinado do povo judeu, papéis que deveriam ser exercidos pelos primogênitos.
Porém, há outro ponto em comum entre estas tribos: elas são descendentes de primogênitos que perderam a sua liderança. Por causa da impulsividade de Reuven, que trocou a cama de seu pai de lugar, ele perdeu o reinado, que passou para Yehudá. Já seus descendentes perderam o sacerdócio para a tribo de Levi por terem participado da terrível transgressão do bezerro de ouro. Gad, que também era primogênito, provavelmente foi indiretamente incluído nos infortúnios de Reuven. E Menashé foi “deixado de lado” por seu avô Yaacov, que ao dar suas Brachót, deu preferência ao seu irmão mais novo, Efraim. Portanto, os três esperavam receber privilégios especiais e cargos elevados dentro do povo judeu, mas foram “derrubados” destes papéis de destaque.
É possível que eles esperassem receber algo a mais da vida. Eles contavam com os cargos elevados e com a grandeza que receberiam. Quando a pessoa se sente desta maneira, como se a vida tivesse uma “dívida” com ela, ela se sente amarga caso não receba o que esperava. E mesmo que ela receba, também não sabe valorizar, pois já conta com aquilo. Por exemplo, se uma pessoa empresta a um amigo uma nota de 100 reais, ela não se alegra quando recebe o dinheiro de volta, pois já estava contando com ele. Mas se a mesma pessoa recebesse de presente uma nota de 100 reais, apreciaria seu presente e se alegraria com ele. Da mesma maneira, quando alguém acha que as coisas certamente virão para ele dificilmente se sentirá satisfeito e estará sempre desejando mais e mais. Talvez isto explique o porquê de seus descendentes, as tribos de Reuven, Gad e Menashé, terem sido tão atraídas pelas suas posses materiais, a ponto de dar mais importância aos seus bens do que aos seus familiares e às suas metas espirituais.
Portanto, a chave para saber apreciar a vida é mudar a nossa atitude e passar a olhar tudo como se fosse um presente. Quando achamos que merecemos as coisas, não sabemos apreciar quando elas surgem em nossas vidas. Então o ideal é viver com o conceito de que “não merecemos nada”. Se percebêssemos que nossa vida está repleta de bênçãos que nós não fizemos nada para merecer, como o nosso corpo perfeito, nossa inteligência, nossos dons naturais e nossos familiares, então saberíamos reconhecer tudo o que temos de bom. É isto o que o Pirkei Avót está nos ensinando: se queremos ser ricos de verdade e felizes, então a parte mais importante para isso é saber apreciar o que temos. Somente assim as pessoas conseguirão aproveitar as coisas que elas recebem nesta vida maravilhosa.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm