Dois judeus da Lituânia brigaram e um deles, completamente fora de si, começou a difamar o outro. Oporém, como ele não era uma má pessoa, quando Rosh Hashaná e Yon Kippur começaram a se aproximar, ele ficou extremamente incomodado e arrependido pelo seu mau ato. Juntando dodas as suas forças para passar por cima do seu ego e da vergonha, ele dirigiu-se ao seu companheiro e pediu perdão com sinceridade. Porém, pasa rua surpresa, a vítima se recusou a perdoaá-lo, citando uma Halachá ( Lei judaica) de que não havia obrigação de perdoar uma difamação. O transgressos ficou desesperado, não sabia mais o que fazer. O Rav Yitzchak de Volozhin ( Lituânia. 1780 1780 1849), que havia presenciado a conversa, chamou a vítima de canto e disse:
– Sabe, você realmente tem razão, a Halachá não nos obriga a perdoar alguém que nos difamou. Mas não se esqueça que Rosh Hashaná, o dia do julgamento, está chegando. Neste dia, todos os nossos atos passam diante de D'us e são detalhadamente analisados. Quando somos misericordiosos com os outros e nos comportamos '' Lifnim Mishurat hadin'' ( além do que é exigido pela lei judaica), D'us se comporta ''Midá Kenegued Midá'' ( medida por medida) e nos julga com misericórdia, não sendo tão rigoroso. Mas se formos rigorosos no julgamento dos outros, então 'Dus também será extremamente rigoroso no nosso julgamento. Você está pronto para um julgamento tão rigoroso de D'us quanto o que você está fazendo com sei companheiro, usando a justiça estrita ao invés da misericórdia?
A vítima da difamação, ao escutar as palavras do Rav Yitzchak, imediatamente aprendeu a lição e perdoou o homem que o havia caluniado.
A Parashá desta semana, Va'etchanan (literalmente “E implorei”), enumera novamente os dez mandamentos que o povo judeu recebeu de D'us no Monte Sinai. E o final da Parashá traz um ensinamento muito importante: “E você fará o que é certo e bom aos olhos de D'us, para que Ele faça bem para você” (Devarim 6:18). Nossos sábios explicam que este versículo é a fonte de Torá de que devemos nos comportar “Lifnim Mishurat HaDin”, isto é, que devemos evitar sermos muito rigorosos e exigentes com os outros em relação à aplicação da lei, e devemos saber perdoar em certas situações, mesmo quando temos razão.
O Talmud (Baba Metsia 30b) traz um exemplo na prática: uma pessoa encontra um objeto perdido que, por certas condições específicas, poderia ficar com ele de acordo com a Halachá. Por outro lado, a pessoa sabe quem é o verdadeiro dono do objeto. Neste caso, baseado neste versículo da Parashá, o Talmud diz que o correto seria devolver o objeto ao dono, apesar da permissão técnica de ficar com ele. Outro exemplo trazido pelo Talmud (Baba Metsia 108a) é quando um terreno é colocado à venda e, apesar de haver outras pessoas interessadas, é necessário dar a preferência de compra ao dono do terreno vizinho. E como estes, há inúmeros exemplos de situações do nosso cotidiano nas quais devemos nos comportar “Lifnim Mishurat HaDin”.
De acordo com o Ramban zt”l (Nachmânides) (Espanha, 1194 – Israel, 1270), apesar da Torá não escrever explicitamente em todos os casos que devemos nos comportar “Lifnim Mishurat HaDin”, aprendemos deste versículo da Parashá a constantemente nos esforçar para tratar as pessoas de uma maneira compreensiva, sempre buscando evitar o uso das leis da Torá de forma muito estrita e rígida. O Talmud (Baba Metsia 30b) nos ensina que o nosso Beit Hamikdash (Templo Sagrado) foi destruído porque naquela geração as pessoas eram muito rigorosas umas com as outras e aplicavam sempre a lei de forma muito estrita.
Porém, é difícil entender este ensinamento do Talmud. A priori, se comportar “Lifnim Mishurat HaDin” é justamente fazer mais do que somos obrigados. Então por que a falha em se comportar desta maneira teve uma consequência tão negativa e uma punição tão rigorosa de D'us? Faz sentido dizer que o Beit Hamikdash foi destruído apenas pelo fato das pessoas terem aplicado a lei de forma estrita e rigorosa?
A pergunta fica ainda mais difícil quando o Talmud (Yoma 9b) afirma que o Primeiro Beit Hamikdash foi destruído por causa das três transgressões mais graves da Torá, que são assassinato, idolatria e imoralidade, e o Segundo Beit Hamikdash foi destruído por causa do ódio gratuito que havia dentro do povo judeu. Afinal, qual foi a verdadeira causa da destruição dos Templos, estas graves transgressões ou a aplicação rígida da lei?
Explica o Rav Yehonasan Gefen que a falha em tratar as pessoas “Lifnim Mishurat HaDin” reflete um profundo equívoco na atitude da pessoa em relação ao seu Serviço Divino. De acordo com o Ramban, o ensinamento “e você fará o que é certo e bom” seria o paralelo da Mitzvá de “Kedoshim Tihiu” (Sejam Sagrados) aplicado à área de “Bein Adam Lehaveiró” (entre a pessoa e seu semelhante). Segundo o Ramban, o “Kedoshim Tihiu” é uma advertência para evitar que a pessoa cumpra todas as Mitzvót e ainda assim seja um “mau-caráter com permissão da Torá”. Mas como isto é possível? A pessoa pode ser extremamente rigorosa em não transgredir nenhuma Mitzvá da Torá e, ao mesmo tempo, pode não ter nenhum interesse em se elevar espiritualmente nas áreas de “Reshut” (atos que não são intrinsecamente Mitzvót) como, por exemplo, o que a pessoa faz em seus momentos de lazer, quanto ela dorme ou a quantidade de comida que ela come.
A razão por trás deste tipo de comportamento é que a pessoa acredita na veracidade da Torá e, portanto, que ela deve ser cumprida com todo o cuidado. Porém, a pessoa demonstra que não entendeu a verdadeira perspectiva da Torá, pois não se interessa em se elevar espiritualmente. A consequência é que ela fica presa em metas do mundo material, com objetivos como alcançar os desejos físicos e acumular riquezas. Por reconhecer a veracidade da Torá, ela nunca cometerá de forma intencional uma transgressão, mas ao mesmo tempo é completamente desinteressada de se elevar nas áreas nas quais não é “tecnicamente” obrigada.
Um paralelo deste fenômeno pode ocorrer na área de “Bein Adam LeHaveiró”. A pessoa pode reconhecer a necessidade de seguir as leis da Torá, mas não ter nenhum interesse de se conectar com o que está por trás destas leis. A consequência disso é que a pessoa sempre vai aplicar a lei de forma estrita, mesmo quando isso causa sofrimentos para outras pessoas. Por exemplo, caso encontre um objeto perdido que tecnicamente é seu, não levará em consideração o sofrimento do seu companheiro que perdeu o objeto.
É por isto que a Torá nos ensinou o versículo “E você fará o que é certo e bom”. Precisamos olhar para a Torá e para as Mitzvót da maneira correta, aprender o respeito que a Torá exige de nós, em relação a D'us e em relação ao nosso semelhante. Através das Mitzvót, a Torá nos ensina a sermos mais misericordiosos e não tão rigoroso com os outros, desenvolvendo um genuíno senso de amor ao próximo. Devemos tratar cada semelhante com o mesmo respeito e compaixão que gostaríamos de ser tratados. Quando alguém encontra um objeto perdido, deve sentir a dor daquele que perdeu o objeto. Quando alguém empresta dinheiro a um pobre que não tem como pagar, deve sentir misericórdia e ser flexível.
Com este ensinamento é possível entender o que o Talmud está nos transmitindo quando afirma que o Beit Hamikdash foi destruído pelo fato das pessoas estarem sendo muito rigorosas e estritas umas com as outras. Isto demonstra que aquela geração havia esquecido o “faça o certo e bom”, havia perdido a lição de que não se deve tratar outro ser humano de maneira muito dura e sem misericórdia. Este comportamento rígido não se enquadra com o que a Torá espera de nós em relação aos outros seres humanos.
Podemos entender também a contradição que existe no Talmud em relação ao motivo da destruição do Beit HaMikdash. De acordo com o Rav Yitzchak Vologzin, obviamente que a destruição do Beit HaMikdash foi consequência das terríveis transgressões descritas no Talmud, algumas tão graves que um judeu deveria estar disposto até mesmo a abdicar de sua vida para não transgredi-las. Porém, o Talmud quer nos ensinar que quando tratamos nossos companheiro com misericórdia, “Lifnim Mishurat HaDin”, e não somos rigorosos demais em cobrar nossos semelhantes, Hashem também se comporta da mesma maneira, Midá Kenegued Midá, e nos perdoa mesmo das transgressões mais graves. Entretanto, quando D'us viu as pessoas se comportando uns com os outros de uma maneira muito estrita e rigorosa, não se perdoando, então Ele também foi extremamente rígido no julgamento do povo, o que resultou na destruição do nosso Beit Hamikdash.
Quando se trata de aplicar a lei em relação às outras pessoas, devemos ser lenientes e compreensivos. Se queremos ser rigorosos, que sejamos em relação a nós mesmos, para que possamos cumprir cada Mitzvá de maneira detalhada e correta. Cobrando cada vez mais de nós mesmos e cada vez menos dos outros, certamente estaremos dando a nossa maior contribuição para a reconstrução do nosso Beit Hamikdash.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm