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Aprendendo com o mal

Um grupo de doze alunos americanos que estudavam em uma Yeshivá em Israel estava certo dia reunido durante o almoço relembrando sobre as delícias da gastronomia americana. Eles queriam muito comer uma boa refeição e sentiam saudades da boa comida americana, mas não encontravam em Israel um lugar que saciasse essa vontade.
 
Durante o período de férias eles tiveram uma incrível ideia. Coletaram cerca de cinquenta dólares de cada um dos alunos, o suficiente para comprar uma passagem aérea de ida e volta aos Estados Unidos. Um dos alunos então embarcou, em uma jornada de um dia e meio de viagem, com o único propósito de trazer comida de um restaurante famoso dos Estados Unidos. O rapaz foi em um dia e voltou, triunfante, no dia seguinte, com a deliciosa comida dentro de sua mala” (História Real, retirada do livro “Impact!”, de autoria de Dovid Kaplan).
 
Aprendemos dos nossos desejos que, quando consideramos algo realmente importante, nos esforçamos no limite para alcança-lo. Por que não fazemos o mesmo em relação ao nosso crescimento espiritual? Estaríamos dispostos a fazer os mesmos esforços se fosse para ir aos Estados Unidos comprar um livro ou escutar uma aula de Torá? 
 


 

A Parashat desta semana, Vayishlach, começa com a volta de Yaacov Avinu depois de mais de 30 anos longe de casa, dos quais 20 anos foram passados na casa de seu tio Lavan, trabalhando para ele. Como o principal motivo da viagem de Yaacov havia sido para fugir da fúria de seu irmão Essav, que queria matá-lo, a primeira providência de Yaacov foi enviar mensagens apaziguadoras para seu irmão, na tentativa de promover um reencontro amigável. Ele começou com a seguinte mensagem: “Com Lavan eu vivi, e permaneci até agora” (Bereshit 32:5). Rashi (França, 1040 – 1105) explica que as palavras de Yaacov tinham um duplo sentido, pois a palavra “vivi” em hebraico é “גרתי”, que de maneira rearranjada forma a palavra “תריג”, equivalente ao valor númerico 613, o número de Mitzvót da Torá. De acordo com Rashi, Yaacov estava dizendo para seu irmão Essav: “Apesar de ter passado tanto tempo com Lavan, uma pessoa completamente desonesta e trapaceira, mesmo assim eu cumpri as 613 Mitzvót da Torá e não aprendi com os maus atos dele”.
 
Porém, esta explicação do Rashi é difícil de ser entendida, pois esta não parece ser uma mensagem de conciliação. Ao contrário, aparentemente a intenção de Yaacov era intimidar seu irmão Essav, mostrando que ele era uma pessoa íntegra e, por isso, certamente D'us o protegeria em um possível confronto. Portanto, se o propósito era uma tentativa de apaziguar seu irmão, como entender as palavras aparentemente intimidadoras de Yaacov?
 
O Rav Isroel Meir HaCohen zt”l (Bielorússia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, explica as palavras de Yaacov de uma maneira interessante. Ele afirma que Yaacov não estava atacando Essav com esta afirmação, ao contrário, estava tranquilizando-o. Quando Yaacov disse que cumpriu as Mitzvót e não havia aprendido com os atos de Lavan, ele estava fazendo uma grande autocrítica, e por isso estava comunicando a Essav que não havia nada a temer.
 
Mas qual foi exatamente a autocrítica de Yaacov? Nossos sábios explicam que Lavan era uma pessoa extremamente ágil em cometer maldades e trapaças. Quando permitiu que suas filhas se casassem com Yaacov, cobrou muito caro pelo dote, fazendo com que Yaacov tivesse que trabalhar 7 anos por cada filha, um tempo absurdo. Além disso, ele trocou as filhas no momento do casamento, não cumprindo sua palavra. E para completar, Lavan trocava as condições do salário de Yaacov a todo instante, sempre buscando formas de levar vantagem. Yaacov estava dizendo para Essav que, apesar de ter cumprido as 613 Mitzvót durante todos aqueles anos, ele não havia feito com o mesmo fervor que Lavan cometia as suas transgressões. Yaacov estava reconhecendo que não havia aprendido a ter agilidade nos seus bons atos no mesmo nível que Lavan tinha nos seus maus atos.
 
Desta explicação do Chafetz Chaim aprendemos uma incrível lição: nosso cumprimento de bons atos é julgado em comparação com a forma como os Reshaim (malvados) cometem suas transgressões. Se os Reshaim fazem seus maus atos com mais entusiasmo do que nós cumprimos nossos bons atos, isto se transforma em uma grande acusação espiritual contra nós. Por isso temos que tomar muito cuidado para sempre fazermos as Mitzvót com agilidade, alegria e fervor, pois é assim que infelizmente os Rashaim cometem as suas inúmeras transgressões.
 
Este conceito também é trazido pela Torá em outro episódio que teve grande importância para o povo judeu. Quando Bilaam, o grande profeta dos outros povos, partiu para amaldiçoar o povo judeu, a Torá descreve que ele se levantou cedo de manhã, utilizando a linguagem “Vaiakam” (se levantou). O Midrash (parte da Torá Oral) nos descreve que quando D'us viu esta agilidade de Bilaam para fazer a enorme transgressão de amaldiçoar um povo inteiro, Ele exclamou: “Seu Rashá (malvado)! Avraham, o patriarca deles, já te superou!”, pois está escrito (em relação ao episódio do sacrifício de Ytzchak): “E (Avraham) madrugou (“Vaiashkem”)” (Bamidbar 22:21). Apesar de a linguagem “Vaiakam”, que está escrita em relação a Bilaam, se referir a acordar cedo, a linguagem “Vaiashkem”, que está escrita em relação a Avraham, se refere a acordar ainda mais cedo. Portanto, D'us estava informando a Bilaam que Avraham, em sua vontade de cumprir a vontade de D'us e sacrificar seu filho, havia se levantado mais cedo do que Bilaam se levantou quando tentou amaldiçoar o povo judeu. Mas que mensagem o Midrash está nos ensinando? Na prática o que importa qual dos dois acordou mais cedo?
 
Explica o Rav Yehonasan Gefen que a grande força de maldição de Bilaam era mostrar para D'us falhas nas pessoas ou povos, e com isso despertar um Julgamento Celestial mais rigoroso sobre seus inimigos. Foi justamente isto que ele tentou fazer contra o povo judeu. Bilaam queria retratar o povo judeu de uma maneira negativa ao mostrar que ele fazia seus atos de maldade com muito mais agilidade e fervor do que o povo judeu cumpria suas Mitzvót. Isto realmente teria se transformado em uma grande acusação espiritual contra o povo judeu e teria trazido consequências trágicas. Porém, D'us respondeu para Bilaam que o patriarca do povo judeu, Avraham, já havia demonstrado um nível ainda maior de agilidade e fervor no cumprimento das Mitzvót do que Bilaam havia demonstrado quando cometeu suas maldades. O que protegeu o povo judeu da enorme acusação espiritual que surgiria naquele momento foi que os descendentes de Avraham herdaram dele esta característica de agilidade nas Mitzvót, e por isso possuíam suficientes méritos para vencer a acusação de Bilaam.
 
No “Shemá Israel”, que nós repetimos duas vezes todos os dias, dizemos: “E amarás a Hashem, teu D'us, com todo teu coração” (Devarim 6:5). A palavra “coração” está escrita de uma maneira diferente, “לבבך”, e não como seria esperado, “לבך”. O Talmud (Brachót 54a) aprende do fato de a letra “ב” estar escrita duas vezes que devemos amar a D'us com nossos dois “Yetzer”, com o nosso “Yetzer Hatov” (boa inclinação) e também com o nosso “Yetzer Hará” (má inclinação). Mas como podemos utilizar nossa má inclinação para servir a D'us?
 
Uma das maneiras é observando a agilidade e fervor que utilizamos para ir atrás dos nossos desejos e tentar aplicar esta mesma agilidade em relação ao nosso Yetzer Hatov. Para preencher nosso desejo de comer algo ou de obter algum outro prazer material nós estamos dispostos a incríveis esforços e sacrifícios. Se aprendermos com a força da nossa má inclinação, poderemos utilizá-la como modelo e canalizá-la para o nosso lado espiritual. Atualmente as pessoas dedicam incontáveis horas para satisfazer seus desejos por dinheiro e honra. Muitos chegam a passar noites sem dormir para atingir seus objetivos. Algumas empresas mantêm turnos de madrugada para aqueles que passam a noite trabalhando no escritório. Por que não utilizar este mesmo potencial para manter a quantidade de horas de estudo de Torá diária que definimos para nós, ao invés de estarmos sempre procurando desculpas para justificar a nossa “falta de tempo” com os nossos compromissos espirituais?
 
O Rav Noach Weinberg zt”l, que dedicou a vida a trazer judeus afastados de volta ao judaísmo, dizia que aprendia muito com a forma de atuação dos nazistas, e incentivava que fosse utilizada como modelo para nosso Serviço Divino. Os nazistas matavam os judeus de forma metódica e sistemática. Investiam muito tempo e pensamento para desenvolver técnicas para matar cada vez mais judeus utilizando cada vez menos dinheiro. Desta maneira eles conseguiram exterminar 6 milhões de judeu na Europa. Será quer nos organizamos e nos motivamos como os nazistas em nossos esforços para trazer os judeus afastados de volta ao judaísmo? Investimos em maneiras de trazer cada vez mais judeus? Se indo contra D'us os nazistas mataram 6 milhões de pessoas, certamente poderíamos salvar muito mais do que 6 milhões de judeus se se nos esforçássemos e nos organizássemos para fazer o bem da mesma maneira que os nazistas se esforçaram para fazer o mal. Se utilizarmos como modelo aqueles que fazem o mal, para aprender suas estratégias e ferramentas, além do seu nível de comprometimento e dedicação, certamente venceremos os atuais desafios do povo judeu.  
 
Não é necessário nem mesmo procurar nos atos dos Reshaim inspiração para o nosso crescimento espiritual. Se procurarmos em nossos próprios atos, certamente encontraremos áreas nas quais sentimos mais entusiasmo e fervor do que no nosso Serviço Divino. Pode ser com comida, com trabalho, com esporte ou qualquer outra área. Então temos que tentar internalizar que racionalmente o cumprimento das Mitzvót certamente traz muito mais satisfação do que qualquer outro prazer material, e com isso poderemos tentar atingir em nossa espiritualidade a mesma alegria e entusiasmo. Pois se os Reshaim podem fazer muito, mesmo indo contra D'us, imagine o verdadeiro potencial dos que caminham junto com Ele.

SHABAT SHALOM 

Rav Efraim Birbojm

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