CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS – PARASHAT MIKETZ

“Antônio, que era um homem simples do campo, foi pela primeira vez na vida conhecer a estação de trem. Ficou deslumbrado, nunca havia visto tanta gente junta, era uma grande multidão que se reunia na plataforma esperando pela chegada do trem. Quando finalmente o trem chegou, pensou que as pessoas logo correriam para entrar, mas para sua surpresa viu que todos continuavam na plataforma, conversando como se nada tivesse acontecido. E assim permaneceram, até que Antônio escutou um forte apito. Muitas pessoas, ao escutar o apito, começaram imediatamente a embarcar. Antônio percebeu que um dos funcionários que circulavam pela plataforma era o responsável pelo apito. Mais algum tempo se passou e o funcionário apitou uma segunda vez, fazendo que mesmo as pessoas que estavam mais tranqüilas começassem a se preparar para o embarque. Quando finalmente o homem apitou pela terceira vez, a plataforma ficou completamente vazia e o trem partiu para o seu destino.

Antônio ficou maravilhado com o poder daquele homem do apito. Na sua ingenuidade, pensou que ele era o homem mais importante da estação. Parecia ser ele quem decidia tudo. Ao seu comando os trens chegavam e saiam, ao som do seu apito as pessoas embarcavam e desembarcavam. Antônio se aproximou do funcionário e começou a elogiá-lo. Depois começou a fazer perguntas complexas sobre o planejamento e o funcionamento dos trens. O homem estranhou, afinal, nunca ninguém o havia tratado com tanto respeito e honra. Além disso, por que aquele homem fazia perguntas tão difíceis para ele, um simples funcionário da plataforma? Virou-se para Antônio e sugeriu:

– Por que você não pergunta tudo isso para o gerente, o homem que controla tudo?

– Como assim? Não é você o homem que controla tudo? – perguntou Antônio, sem entender nada.

O funcionário explodiu em uma enorme gargalhada. Vendo a cara de confuso daquele homem ingênuo, ele explicou:

– Escute bem, meu amigo. Eu sou apenas um simples funcionário, e cumpro as ordens que recebo de cima. Eu não decido nada, quem decide é o gerente, que fica sentado no escritório, no andar de cima, e de lá ele delega as funções para os seus funcionários. Eu sou apenas aquele que cumpre o que foi decidido lá em cima”

Explica o Chafetz Chaim que a maioria das coisas que pensamos que são causas, na verdade, são conseqüências do que foi decretado nos mundos espirituais. Da mesma forma que o funcionário apenas cumpre o que foi decidido no escritório, o que acontece aqui neste mundo é apenas a materialização do que já foi decretado nos mundos superiores.

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No final da tarde desta Sexta-feira (antes do início do Shabat) acendemos a última das 8 velas de Chánuka, revivendo os dias em que ocorreram grandes milagres ao povo judeu, na época do Segundo Beit-Hamikdash (Templo Sagrado), quando vencemos os gregos invasores e conseguimos retomar os serviços do Templo. E sempre a Parashá desta semana, Miketz, é lida em Chánuka. Qual a relação entre a festa de Chánuka e a Parashá Miketz?

A Parashá da semana passada, Vaieshev, terminou com Yossef na prisão, após ter sido injustamente acusado de tentar molestar a esposa de Potifar, um dos ministros do faraó, para quem Yossef trabalhava. Yossef conheceu o copeiro e o padeiro do faraó, que haviam sido mandados para a prisão, e interpretou o sonho que cada um deles tinha sonhado. Já a Parashá Miketz começa com os dois sonhos do faraó, das 7 vacas feias e magras que engoliam 7 vacas bonitas e gordas e das 7 espigas feias e magras que engoliam 7 espigas bonitas e gordas. Nenhum dos magos do faraó conseguiu interpretar seus sonhos, o que deixou o faraó ainda mais angustiado. Finalmente Yossef foi lembrado pelo copeiro do faraó como sendo alguém que sabia interpretar sonhos. Imediatamente Yossef foi solto, terminando um período de 12 anos de prisão. E após interpretar os sonhos do faraó, Yossef foi elevado a vice-rei do Egito, o segundo homem mais poderoso do mundo.

A Parashá Miketz começa com as seguintes palavras: “E eis que, após dois anos, o faraó sonhou…” (Bereshit 41:1). Como a Parashá passada acabou com Yossef interpretando os sonhos do copeiro e do padeiro, então a linguagem indica que o sonho do faraó ocorreu dois anos depois daquele episódio. Mas o que isto nos acrescenta?

Explica o rabino Yossef Dov Soloveitchik, mais conhecido como Beis Halevi, que tudo o que ocorre no mundo têm uma causa e uma conseqüência, isto é, existe uma causa anterior que se transforma em uma conseqüência. Por exemplo, uma pessoa doente toma um remédio, sendo que aparentemente o remédio é a causa, e após um tempo a pessoa se cura, sendo que aparentemente a cura é a conseqüência. O ser humano tem uma grande dificuldade de identificar o que é realmente a causa e o que é a conseqüência. Quando a pessoa faz um grande investimento em um certo tipo de aplicação financeira, e esta operação resulta em um grande sucesso, o intelecto humano pensa que o investimento foi a causa e o lucro foi a conseqüência. Mas ensina a nossa Parashá que esta é uma visão completamente equivocada da realidade.

Toda vez que alguém lucra em um investimento, não foi o investimento que trouxe os lucros, e sim um decreto espiritual. Após o decreto celestial de que a pessoa vai ganhar dinheiro, D'us cuida para que o que foi decretado se cumpra, e Ele tem o mundo inteiro à Sua disposição para que isso ocorra. Ele pode fazer com que a pessoa decida sobre um certo investimento que futuramente terá grandes rendimentos ou Ele pode fazer com que um certo investimento tenha uma lucratividade maior do que o normal. No final, através de um aparente esforço da pessoa, ela sai com o lucro que já havia sido decretado nos mundos espirituais. Portanto, a realidade é exatamente o contrário do que nós pensamos: o lucro decretado nos mundos espirituais é a causa, e o investimento correto é apenas a consequência.

É isso que a Torá vem ressaltar juntando as duas Parashiot. Aparentemente o sonho do faraó, cuja única pessoa que pôde interpretar foi Yossef, foi a causa dele ter sido libertado da prisão. Mas explica o Midrash (parte da Torá Oral) que é o contrário, quando chegou o momento de Yossef sair da prisão, depois de dois anos que ele interpretou os sonhos do padeiro e do copeiro, então o faraó sonhou. Na realidade Yossef tinha recebido um decreto de 10 anos de prisão, por ter falado mal de seus 10 irmãos ao seu pai Yaacov. Mas quando o copeiro foi perdoado pelo faraó e saiu da prisão, Yossef pediu a sua ajuda, ao invés de confiar somente em D'us, que poderia salvá-lo sem a necessidade de nenhum intermediário. Por isso foi decretado mais 2 anos de prisão para Yossef. O sonho do faraó foi somente uma forma de materializar o que já estava decretado nos mundo espirituais. Exatamente dois anos depois, quando o decreto espiritual de prisão havia terminado, o faraó sonhou e Yossef foi libertado.

Ao estudar a história de Chánuka poderíamos cometer o mesmo erro. Aparentemente os sofrimentos que o povo judeu passou durante a ocupação dos gregos foi uma conseqüência, e a causa foi a invasão dos gregos. E se realmente fosse assim, não haveria o que fazer, pois os gregos eram o maior império da época, seria impossível lutar contra eles. Porém os judeus sabiam que a verdade não era esta. Os sofrimentos já haviam sido decretados espiritualmente, esta era a causa, e a conseqüência foi que D'us utilizou os gregos como um instrumento para cumprir Sua vontade. O povo judeu entendeu que se havia o decreto de sofrimentos sobre todo o povo é porque estavam cometendo algo grave. Ao fazer reflexões de seus atos, chegaram à conclusão de que, apesar de cumprirem todas as Mitzvót da Torá, eles faziam de maneira superficial, sem vontade nem entusiasmo. É por isso que uma das primeiras atitudes dos gregos foi proibir as Mitzvót, como se D'us estivesse dando um recado: “Vocês vão fazer as Mitzvót sem vontade e sem alegria, então Eu as tirarei de vocês”.

O conserto veio na mesma moeda. O povo judeu não se rendeu à ameaça grega, e estavam dispostos a entregar suas vidas para conseguir novamente a liberdade de cumprir as Mitzvót. Quando o povo judeu fez Teshuvá (se arrependeu dos erros e recebeu sobre si mudanças em suas atitudes erradas), o decreto celestial foi revogado. Como a causa terminou, a consequência também terminou, e os judeus puderam expulsar, de maneira milagrosa, os gregos, e imediatamente recomeçaram os serviços do Beit-Hamikdash, mas desta vez com alegria e com entusiasmo. O posterior milagre do óleo não era tão essencial para a existência do povo judeu como o milagre da guerra, mas foi como um “beijo” que D'us nos deu, mostrando que havia aceitado a nossa Teshuvá.

Atualmente não temos mais proibições de cumprir as Mitzvót. Mas da mesma forma que os gregos queriam nos destruir através da assimilação, esta luta continua. A assimilação nos faz perder o interesse e o entendimento das Mitzvót. Nos afasta da nossa individualidade e da nossa maneira de viver a vida com harmonia entre o físico e o espiritual.

Que as oito velas que estarão acesas na nossa Chanukia neste Shabat nos iluminem e nos façam entender que todos os momentos difíceis e as pessoas que nos causam dificuldades são apenas conseqüências de decretos espirituais. A causa é que D'us nos ama tanto que não consegue nos ver longe dos caminhos corretos, e como um pai que ama muito seu filho, algumas vezes ele precisa nos dar um tapa para que possamos despertar.

SHABAT SHALOM e CHÁNUKA SAMEACH
Rabino Efraim Birbojm

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