“Numa granja, havia uma galinha que se destacava das outras por sua coragem, espírito de aventura e ousadia. Ela não tinha limites, pois sentia a responsabilidade de ser um exemplo para as outras galinhas. Suas atitudes contagiavam e motivavam. O dono da granja, porém, não apreciava estas qualidades e estava aborrecido com ela.
Um dia, o dono da granja fincou um bambu no meio do campo, amarrou nele uma extremidade de um barbante e a outra extremidade ele amarrou no pé daquela galinha. Desse modo, de repente, o mundo tão amplo da galinha foi reduzido a exatamente até onde o barbante lhe permitia chegar. A galinha tentou se libertar algumas vezes, mas depois desistiu. E assim começou a passar seus dias ali, ciscando, comendo e dormindo, dia após dia, até que se acomodou. De tanto andar nesse círculo, a grama que era verde foi desaparecendo e ficou somente terra. Era interessante ver delineado um círculo perfeito em volta dela. Do lado de fora, onde a galinha não podia chegar, a grama verde. Do lado de dentro, só terra.
Depois de um tempo, o dono da granja teve dó da galinha, pois ela era tão agitada e corajosa, mas havia se tornado uma ave pacata. Então ele cortou o barbante que a prendia pelo pé e a soltou. Agora a galinha estava livre, o horizonte novamente seria seu limite, ela poderia ir para onde quisesse. Mas a galinha, mesmo solta, não ultrapassava o limite que ela própria havia criado em sua cabeça. Só ciscava e andava dentro do círculo, no seu limite imaginário. Olhava para o lado de fora, mas não tinha coragem suficiente para se “aventurar” a ir até lá. Preferiu ficar do lado conhecido, em sua zona de conforto. Esqueceu-se de sua responsabilidade de ser um exemplo e, com o passar do tempo, envelheceu e ali morreu”.
Quando nos acomodamos e aceitamos passivamente que as dificuldades da vida nos derrubem, terminamos sem forças para lutar. Temos que viver com garra, com a vontade de vencer os desafios, com a responsabilidade de nos tornarmos um exemplo para o mundo. Isto nos dará a energia que precisamos para alcançar o sucesso.
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Na Parashá desta semana, Beshalach, o povo judeu havia sido libertado pelo Faraó, após ele ter sentido na pele a tremenda força de D'us, demonstrada através das 10 pragas que destruíram o Egito. Mas a felicidade do povo judeu durou pouco, pois mais uma vez D'us endureceu o coração do Faraó, fazendo-o decidir perseguir os judeus para novamente escravizá-los. Tudo isto ocorreu para que D'us pudesse terminar o processo de libertação do povo judeu. No Mar Vermelho, quando D'us abriu o mar para o povo judeu e fechou-o sobre os egípcios, matando-os e deixando seus corpos à mostra na praia, os judeus puderam ter a certeza de que a escravidão egípcia havia terminado, física e psicologicamente, para sempre.
A abertura do Mar Vermelho é um dos eventos mais importantes da história do povo judeu, no qual D'us quebrou as leis da natureza para nos salvar, demonstrando o amor infinito que Ele sente por nós. Quando lemos os versículos que descrevem a travessia do mar, parece ter sido um evento tranquilo, sem muitas dificuldades. Mas os nossos sábios ensinam que houve um grande desafio, só superado pela coragem de uma das Tribos de Israel.
De acordo com a Tossefta (Parte do Talmud – Tratado de Brachót, 4:16), quando os judeus chegaram ao Mar Vermelho, divididos em 12 Tribos, se depararam com um mar revolto e perigoso. Começou então uma imensa discussão para saber quem seria a primeira Tribo a entrar no mar, cada Tribo tentando tirar de si a responsabilidade e tentando empurrá-la para as outras Tribos. Finalmente os membros da Tribo de Yehudá decidiram pular na água e enfrentar o desafio, santificando o Nome de D'us. De acordo com a Tossefta, isto foi tão valoroso que é considerado uma das atitudes que deu à Tribo de Yehudá o mérito de se tornar a Tribo dos reis de Israel. Pelo fato da Tribo de Yehudá ter agido de forma tão proativa e corajosa, estando disposta a encarar o enorme desafio enquanto as outras tribos preferiram ficar procurando desculpas para se esquivar de sua responsabilidade, ela foi recompensada com o mérito eterno de liderar o povo judeu.
A palavra “responsabilidade” muitas vezes nos causa um sentimento negativo, pois normalmente é difícil e desconfortável assumir responsabilidades. Dá trabalho, traz novas preocupações e desafios. Preferimos continuar tranquilos em nossa “zona de conforto”, e por isso tentamos evitar assumir posições de responsabilidade durante a vida. Porém, esta busca de conforto não é compatível com a visão judaica da vida. Ao contrário de ser algo negativo, assumir responsabilidades é algo que nos energiza e nos dá forças. De acordo com o Rav Chaim Shmulevitz zt”l (Lituânia, 1902 – Israel, 1979), a Tribo de Yehudá decidiu entrar no mar pois se sentiu pessoalmente responsável pelo resto do povo judeu e entendeu que deveria cumprir a obrigação que recaía sobre ela. Neste momento, justamente por este sentimento de responsabilidade em relação ao resto do povo, ela se tornou a maior de todas as Tribos de Israel. Imediatamente as pessoas da Tribo de Yehudá receberam uma força e um poder adicional, que permitiu a elas ter a coragem de entrar no mar e fazer com que o grande milagre da abertura das águas acontecesse, possibilitando ao povo judeu inteiro atravessar com segurança o mar completamente seco. Por tomar sobre si a responsabilidade, a Tribo de Yehudá meritou receber um dos mais importantes papéis dentro do povo judeu e se tornar, para sempre, a Tribo dos reis de Israel.
O Rav Chaim Shmulevitz zt”l traz uma prova do quanto uma pessoa que assume responsabilidades na vida é vista com bons olhos por D'us. O Talmud Yerushalmi (Bikurim 3:3) afirma que três tipos de pessoas são dignas de receber expiação por todos os seus pecados: um sábio, um “chatan” (pessoa recém-casada) e alguém que subiu em grandeza. O Talmud traz uma passagem da Torá para comprovar que o “chatan” é perdoado por seu pecados: “E foi Essav a Ishmael, e tomou para si (como esposa) Machlat, filha de Ishmael” (Bereshit 28:9). O Talmud questiona esta passagem, pois o nome da filha de Ishmael era Bassmat, não Machlat. Então por que a Torá não escreveu o nome verdadeiro dela? Pois a palavra “Machlat” tem a mesma raiz de “Mochel”, que significa “perdoar”. Isto nos ensina que, no dia do casamento de Essav com Bassmat, ele foi perdoado por todos os pecados que havia cometido na vida.
Mas como entender este ensinamento do Talmud? Essav era um completo Rashá (malvado), que praticava as piores transgressões possíveis e imagináveis, e em nenhum momento a Torá diz que ele se arrependeu dos seus maus atos. Sabemos que mesmo no dia de Yom Kipur, o Dia do Perdão, nossos erros não são perdoados a não ser que estejamos sinceramente arrependidos de todos eles. Então como pode ser que, mesmo sem esforço e sem nenhum tipo de arrependimento, as transgressões de Essav foram perdoadas?
Responde o Rav Chaim Shmulevitz zt”l que o que há de único e especial em um homem recém-casado é que ele aceitou sobre si a responsabilidade de cuidar de sua esposa, e não há nada maior do que alguém que recebe sobre si o jugo da responsabilidade. Por isso um “chatan” recebe uma “Siata Dishmaia” (Auxílio dos Céus) especial, para ajudá-lo a ter sucesso em cumprir sua nova obrigação na vida, e ele é perdoado por todos os seus pecados para que possa deixar para trás seu passado e consiga fazer jus à sua nova responsabilidade assumida. Receber sobre si um novo nível de responsabilidade é um feito tão grande que a pessoa merita ser vista por D'us como alguém que recomeça a vida com uma folha nova, em branco, na qual ela literalmente recomeça a escrever sua história em um novo nível de existência. Foi por isso que Essav, mesmo sem nenhum arrependimento, foi perdoado por seus pecados no momento em que se casou.
A medida de quanto uma pessoa está disposta a receber sobre si responsabilidades é um dos fatores determinantes da grandeza que ela atingirá na vida. D'us nos deu o livre arbítrio para que possamos utilizá-lo de forma a nos responsabilizarmos por cumprir nossas obrigações. O livre arbítrio é, em essência, a habilidade de fazer escolhas, de decidir mudar, de querer crescer e atingir nosso potencial verdadeiro. Se uma pessoa faz esta escolha, então ela se torna uma nova criatura, cujo passado foi deixado para trás. É uma oportunidade de recomeçar e de ganhar novas forças para atingir o sucesso.
É verdade que às vezes a responsabilidade pode ser vista como um peso, algo que nos restringe e nos força a fazer coisas que não queremos nem gostamos de fazer. Mas o ato da Tribo de Yehudá nos ensina o contrário. Foi justamente a característica de tomar sobre si a responsabilidade, de se preocupar com o resto do povo, que permitiu que eles atingissem a grandeza. Quando a tribo de Yehudá se deparou com o mar revolto diante deles, eles fizeram a decisão de tomar sobre si a responsabilidade, ao invés de procurar jogá-la sobre os outros. Quando eles receberam sobre si cumprir a obrigação que recaía sobre eles, a Tribo de Yehudá se elevou a um nível muito mais alto.
O mesmo vale para cada um de nós. Se tivermos a coragem de ousar e nos levantarmos para assumir nossas reais responsabilidades na vida, pensando em tudo o que podemos fazer pelas nossas famílias e pelo mundo, certamente atingiremos uma grandeza que nunca poderíamos nem mesmo sonhar. Que possamos aproveitar as oportunidades que surgem na vida para que, ao receber as responsabilidades que recaem sobre nós, possamos atingir o nosso verdadeiro potencial.
SHABAT SHALOM
Rabino Efraim Birbojm