Crescendo com as dificuldades

“Depois de um dia de caminhada pela floresta, um sábio retornava para sua casa, seguindo por uma longa estrada. De repente, escutou um fraco gemido vindo de trás de uma árvore. Foi verificar e descobriu um homem caído, pálido e com uma grande mancha de sangue ao seu lado. Ele tinha sido ferido e já estava quase inconsciente. Com muita dificuldade, o sábio carregou-o até sua casa e tratou do ferimento. Uma semana depois, já curado, o homem contou que havia sido assaltado e que, ao reagir, fora ferido por uma faca. Disse também que conhecia seu agressor, e que não descansaria enquanto não se vingasse dele. Quando estava pronto para partir, o homem disse ao sábio:
 
– Agradeço muito por você ter salvado a minha vida. Mas preciso partir, pois quero encontrar aquele que me atacou, e garanto que vou fazer com que ele sinta a mesma dor que eu senti.
 
– Vá e faça o que você deseja – respondeu o sábio, olhando fixamente para o homem – Entretanto, devo informar que você me deve três mil moedas de ouro, como pagamento pelo tratamento que eu lhe fiz.
 
O homem ficou assustado. Explicou que era um simples trabalhador, que não tinha como pagar aquele valor tão alto. Ao escutar aquelas palavras, o sábio olhou com serenidade para aquele homem e disse:
 
– Se você não pode pagar pelo bem que recebeu, com que direito quer cobrar o mal que lhe fizeram? Antes de cobrar alguma coisa, procure saber quanto você deve. Não faça cobrança pelas coisas ruins que acontecem em sua vida, pois a vida pode lhe cobrar tudo de bom que ela lhe ofereceu”.
 
Quando passamos por sofrimentos, ao invés de gastar nossas energias reclamando ou procurando culpados, o principal é buscarmos formas de crescer e aprender com as dificuldades.

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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Tazria e Metzorá. O ponto em comum das duas Parashiót é que elas falam sobre as diversas formas de “Negaim”, manchas que apareciam na pele, nas roupas e nas paredes das casas das pessoas, e eram manifestações físicas de uma doença espiritual chamada “Tzaráat”. Explicam os nossos sábios que desde a destruição do Beit Hamikdash (Templo Sagrado) as leis que envolvem os “Negaim” não se aplicam mais. Então por que estas Parashiót são relevantes para nós? Quais lições podemos aprender de uma doença espiritual com manifestações físicas que já não se aplicam aos nossos dias?
 
Explica o Sefer HaChinuch (Mitzvá 169) que toda a impureza que atingia uma pessoa que estava com Tzaráat era consequência de algumas transgressões específicas que a pessoa havia cometido, entre elas o Lashon Hará (denegrir o próximo, causando sofrimento, danos físicos ou psicológicos). Portanto, o sofrimento da Tzaráat não era uma coincidência, vinha diretamente de D'us e era direcionado para aquele que havia transgredido. A pessoa contaminada com a Tzaráat precisava passar por um doloroso processo de isolamento, durante o qual ela poderia aproveitar a oportunidade para refletir sobre o seu comportamento e reconhecer seu erro. Em outras palavras, a conduta correta e ideal de alguém que era atingido pelos sofrimentos dos “Negaim” era refletir e consertar seu erro, que era a verdadeira causa dos sofrimentos.
 
Apesar de não termos mais o sofrimento dos “Negaim”, esta lição da Parashá é sempre atual, pois somos afligidos com vários outros tipos de sofrimentos e dificuldades em nossas vidas. Podem ser doenças, problemas no trabalho, falta de dinheiro e falta de Shalom Bait (paz na família). Os “Negaim” nos transmitem a mensagem de que os sofrimentos não são uma coincidência, ao contrário, são uma forma de D'us se comunicar conosco.
 
Isto fica ainda mais claro quando a Parashá ensina sobre um tipo específico de “Negaim” chamado “Netek”, que atacava a cabeça e a barba das pessoas, como está escrito: “Um homem ou uma mulher que tiverem neles uma “Nega” (mancha), em seu couro cabeludo ou em sua barba” (Vayikrá 13:29). A pessoa contaminada com o “Netek” passava por uma semana de isolamento e depois era novamente examinada pelo Cohen. Se a mancha não tivesse se espalhado, então a área em torno dela deveria ser raspada. A Torá acrescenta um detalhe muito interessante: havia uma proibição de raspar o local que estava contaminado com o “Netek”.
 
O Sefer HaChinuch (Mitzvá 170) explica que esta proibição da Torá de raspar o local da contaminação do “Netek” traz uma mensagem profunda. A Torá está nos ensinando que devemos aceitar os sofrimentos e dificuldades que D'us nos manda. Não devemos “dar um coice” nos sofrimentos, nem pensar que temos a habilidade de simplesmente anulá-los e escondê-los das pessoas. Por que esta mensagem é tão importante para nós? Pois a tendência natural do ser humano é se comportar de maneira equivocada em relação aos sofrimentos. Há dois comportamentos equivocados, que são simbolizadas pela transgressão de raspar o local do “Netek”. Em primeiro lugar, temos a tendência de “dar um coice” em D'us por causa dos sofrimentos que nos atingem, questionando a Justiça Divina. A famosa pergunta “Por que justamente comigo?” é uma demonstração de que não aceitamos a vontade de D'us e não confiamos na perfeição da Sua Justiça. E mesmo que a pessoa não culpe D'us, ela pode ainda escorregar em outro tipo de erro: a tentativa de remover os sofrimentos sem aprender a verdadeira lição que aquele sofrimento trouxe consigo. Muitas vezes a pessoa se preocupa com o que os outros vão pensar, e acaba focando mais em esconder dos outros seus sofrimentos do que na real oportunidade de crescimento. A proibição de raspar o lugar onde havia o “Netek” nos ensina que não devemos “enfiar a cabeça na terra” quando passamos por alguma dificuldade, ao contrário, devemos nos esforçar para crescer com esta dificuldade.
 
Mas qual a forma de encontrar, através dos sofrimentos, o erro que cometemos? Na época do Beit Hamikdash era mais fácil, pois quando a pessoa tinha Tzaráat, ela já sabia quais transgressões poderiam estar associadas. Mas como nós podemos, através dos nossos sofrimentos, descobrir o que é necessário consertar? Como saber que tipo de mensagem D'us está nos transmitindo através de cada sofrimento que passamos na vida?
 
Nas épocas em que havia profecia, os profetas podiam nos transmitir com segurança até mesmo quais eram os detalhes que necessitavam de algum tipo de conserto. Atualmente é impossível ter certeza absoluta de qual o erro necessita ser consertado através apenas da reflexão. Mas nossos sábios explicam que D'us nos dá sempre uma dica do que é necessário trabalhar. Os sofrimentos que D'us nos manda em geral são “Midá Kenegued Midá” (Medida por medida), isto é, a forma como somos castigados é um “lembrete” de D'us sobre o erro que cometemos. O Talmud (Sotá 9b) traz alguns exemplos desta regra espiritual. Shimshon (Sansão) transgrediu com seus olhos, e foi punido através da cegueira, causada pelos seus maiores inimigos, os Plishtim. Avshalom, filho de David HaMelech, sentia muito orgulho de seu cabelo, e justamente seu cabelo foi a causa de sua morte, pois ficou enroscado nos galhos de uma árvore e possibilitou que ele fosse alcançado e morto pelos seus perseguidores. Por isso é recomendado que as pessoas procurem sempre a causa que pode estar de alguma maneira conectada com o sofrimento que ela está passando. Por exemplo, alguém que está com dor de dente deve procurar que tipo de erro ela pode estar cometendo na área da fala, pois é muito provável que exista alguma conexão entre a dor de dente e algum mau uso da fala. Porém, mais importante do que adivinhar exatamente qual é a transgressão “correta” que devemos consertar é o fato de estarmos procurando o que consertar. Por exemplo, se naquele caso em que a pessoa estava com dor de dente por causa das mentiras que estava falando, mas equivocadamente começa a se cuidar mais para não falar Lashon Hará, ela alcançou o principal propósito dos sofrimentos, que é tentar crescer com eles.
 
Explica o Rav Yehonasan Gefen que nosso Yetzer Hará (má-inclinação) nos induz a errar até mesmo em áreas que parecem ser “kasher”. Por exemplo, muitas pessoas acabam procurando “Segulót” (práticas que tentam trazer sucesso em certas áreas) para acabar com dores e sofrimentos. Mas será que isto não vai contra a lição transmitida pelo Sefer HaChinuch, de que não devemos nos esforçar meramente para anular nossos sofrimentos, sem nenhum reflexão e busca de nossos erros? Até a prática de pedir Brachót (Bençãos) a grandes rabinos da geração também deve ser utilizada com muito cuidado, sempre sem esquecer de que o principal objetivo de um sofrimento é nos fazer crescer. As “Segulót” e Brachót são condutas corretas sempre que vêm acompanhadas de reflexão e tentativas de corrigir eventuais erros associados ao sofrimento pelo qual estamos passando.
 
Esta é a lição dos “Negaim”: os sofrimentos não são coincidência e D'us não erra Seus cálculos. Se estamos passando por alguma dificuldade, devemos olhar como uma oportunidade de crescimento e uma chance de consertar algo que estávamos errando. Pode não ser simples passar o obstáculo, mas é o momento de desenvolver um potencial que ainda não havíamos atingido.  

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