“Roberto era um jovem jornalista recém-formado. Ao ser contratado por um famoso jornal, recebeu como primeiro trabalho uma entrevista exclusiva com Arnaldo, um velho fazendeiro que havia se tornado muito rico. Seu desafio era tentar descobrir o segredo de tanto sucesso daquele homem. Roberto viajou muitas horas para chegar ao sitio de Arnaldo, passando inclusive por várias estradas de terra. A fazenda era tão afastada que não tinha nem mesmo energia elétrica. A noite começou a cair quando eles se sentaram para conversar, e então o fazendeiro acendeu uma vela.
Estavam amigavelmente conversando por algum tempo até que Roberto tomou coragem de fazer a verdadeira pergunta que o havia levado até aquele “fim de mundo”:
– Sr. Arnaldo, qual é o segredo do seu sucesso? Como você conseguiu juntar tanto dinheiro?
Arnaldo deu uma gargalhada e explicou que era uma longa história, mas que estava disposto a contá-la. Mas como a história era demorada, ele falou:
– Já que você vai somente escutar e não precisa olhar nada, então enquanto eu conto a história de como fiquei rico, vou apagar a vela para economizar.
Foi então a vez de Roberto dar uma gargalhada e dizer:
– Não precisa mais me contar como você ficou tão rico. Eu já entendi…”
Há pessoas que dão valor para cada pequena coisa que tem na vida, e não querem desperdiçar nada. Se esta característica for canalizada da maneira incorreta, a pessoa vira um grande pão-duro e egoísta. Mas se for canalizada da maneira correta, pode ajudar muito no nosso trabalho espiritual neste mundo.
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Na Parashá desta semana, Vaishlach, a Torá nos conta sobre a volta de Yaacov para a terra de Israel, após 20 anos vivendo com seu tio Lavan. Yaacov foi solteiro, mas voltava agora com uma enorme família. A Torá então descreve um acontecimento estranho, que levanta muitos questionamentos. Em certo momento Yaacov ficou sozinho e um homem veio lutar com ele, uma luta difícil que durou toda a noite. Mas quem era aquele homem e por que atacou Yaacov? Além disso, por que Yaacov estava sozinho, se até aquele momento ele estava acompanhado de toda a família? E por que a Torá se importou em registrar esta luta?
A resposta está no Talmud (Chulin 91a), que afirma que Yaacov estava sozinho pois havia esquecido pequenos potes no acampamento anterior e, quando se lembrou, voltou para busca-los. Mas por que Yaacov se importou com pequenos potes? Isto não é contraditório com o conceito de que os Tzadikim (Justos) são desapegados das posses materiais?
Para aumentar ainda mais o questionamento, baseado justamente neste fato ocorrido com Yaacov, o Talmud aprende algo difícil de ser entendido: “Daqui aprendemos que para os Tzadikim seu dinheiro é mais querido do que o seu próprio corpo. E por que tanto? Pois eles não estendem sua mão para o roubo”. Como pode ser que o Tzadik, espiritualmente tão elevado, ama mais o dinheiro do que seu próprio corpo? E se os Tzadikim têm tanto apego aos bens materiais, então deveriam estar muito mais propensos a roubar do que as outras pessoas. Por que o Talmud afirma que o fato deles amarem mais os seus bens do que seu próprio corpo está conectado com o fato deles não cometerem roubo?
Explica o Gaon Mi Vilna (1720 – 1797, Vilna) que o Talmud não está ensinando que os Tzadikim estão dispostos a colocar a própria vida em risco para juntar mais bens, de maneira esganada e desequilibrada. O ensinamento é que os Tzadikim estão dispostos a qualquer tipo de esforço, mesmo que causem um grande desgaste físico ao corpo, apenas para cuidar dos bens que já têm, como fez Yaacov, que já havia atravessado o rio Yabok com toda a família e voltou apenas para buscar seus pequenos potes.
Mas por que os Tzadikim sentem tanto amor pelos seus bens materiais? De acordo com o Rav Yossef Zundel Salant (1786, Lituânia – 1866, Israel), o valor que os Tzadikim dão aos seus bens, mesmo para as coisas mais simples, não é por causa do seu valor monetário, muito menos pelo apego ao mundo material, e sim por entenderem que existe uma “Hashgachá Pratid” (Supervisão Particular), isto é, tudo é calculado por D'us nos mínimos detalhes. Apesar dos Tzadikim não viverem correndo atrás de bens e de prazeres materiais, eles sabem que tudo o que recebem na vida foi dado diretamente por D'us, sob medida, como ferramenta para ser utilizada no seu crescimento espiritual, e por isso dão muito valor para tudo o que recebem.
Além disso, há outra grande vantagem em saber que tudo depende da Hashgachá Pratid de D'us. Por que as pessoas roubam? Pois a inveja faz com que elas racionalizem que o que os outros têm, na verdade elas próprias que mereciam ter, e consideram que foi apenas um “engano” o outro ter recebido. Já os Tzadikim sabem que D'us manda exatamente tudo o que necessitam e, portanto, o que eles não receberam é porque não era algo necessário para o seu crescimento espiritual. Eles têm a claridade de que D'us controla cada pequeno detalhe do que ocorre em nossas vidas, como ensina o Talmud (Ioma 38b): “Uma pessoa não consegue pegar o que está destinado ao seu companheiro, nem mesmo um fio de cabelo”. Os Tzadikim sabem que D'us manda para cada um exatamente o que ele necessita, não há nada faltando, por isso não se envolvem em roubo.
Mas quem era aquele homem com quem Yaacov lutou, e qual foi o motivo da luta? Explica Rashi, comentarista da Torá, que aquele homem era, na verdade, o anjo da guarda de Essav, o próprio Yetser Hará (má inclinação) encarnado. Quando o Yetser Hará percebeu a claridade que Yaacov tinha da importância de cada pequeno objeto como um utensílio mandado por D'us para o seu crescimento espiritual, ele veio pessoalmente para lutar com Yaacov, para tentar tirar sua Emuná (fé). O Yetser queria plantar na cabeça de Yaacov a dúvida e o questionamento. Esta foi a luta que durou toda a noite, a luta filosófica entre Yaacov e o Yetser Hará. Enquanto Yaacov afirmava que D'us controla até mesmo cada pequeno objeto que nós recebemos, e por isso temos obrigação de cuidar deles com o máximo de esforço, o Yetser tentava convencê-lo de que não existe Supervisão Particular a tal ponto, e que nem sempre as pessoas recebem exatamente o que precisam receber. A luta espiritual durou toda a noite, até que o Yetser percebeu que não conseguiria derrotar Yaacov e retirar dele a Emuná perfeita e pura.
Segundo o Talmud, a luta foi tão intensa que a poeira formada subiu até o céu e alcançou o “Kissê HaKavód” (Trono Celestial). O que isto significa? A poeira, que é algo muito fino, simboliza os menores e mais simples objetos. E o Talmud está nos afirmando que mesmo estes utensílios mais simples sobem até o Trono Celestial, isto é, estão sob a Supervisão Particular de D'us. É pelo mesmo motivo que, segundo o Gaon MiVilna, mencionamos o termo “Kissê HaKavod” na Brachá de “Asher Yatsar”, que pronunciamos após fazer nossas necessidades no banheiro, pois assim fixamos no nosso coração que não existe nada, absolutamente nada, por mais desprezível que pareça, que não está sob a Supervisão Divina.
A Torá deixou esta luta de Yaacov registrada para nos ensinar que cada um de nós também precisa vencê-la. Muitas vezes desprezamos coisas simples do nosso cotidiano, de pouco valor, pois não percebemos que D'us nos manda com exatidão tudo o que necessitamos, que tudo é calculado de maneira precisa e não existe acaso nem coincidência. Internalizando este conceito da “Hashgachá Pratid” também conseguimos vencer a terrível característica da inveja, ao refletirmos que, se o outro recebeu algo e não nós, é porque aquilo é necessário para o trabalho espiritual dele e não para o nosso.
Por outro lado, precisamos tomar cuidado para que esta característica de cuidar das nossas coisas não nos transforme em pessoas egoístas. Muito do que D'us nos manda é para podermos dividir com os outros e ajudar os necessitados. A Torá proíbe o desperdício e o desprezo com os nossos objetos, mas não proíbe compartilhar com o próximo. Portanto, se conseguirmos atingir o equilíbrio necessário, certamente esta característica nos ajudará a chegar, como Yaacov Avinu, um pouco mais perto da perfeição.
SHABAT SHALOM
Rabino Efraim Birbojm
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