Rogério Kaufman (nome fictício) era um experiente alpinista, mas em uma de suas escaladas na Cordilheira dos Andes ele acabou se perdendo do resto do grupo. Em pouco tempo ele estava sem provisões, sem água e quase congelando. Desesperado, começou a sentir que a morte se aproximava. Seu celular já estava com pouca bateria e ele tentou chamar o socorro, mas não havia mais créditos.
Preparando-se para o seu fim, Rogério escutou seu celular tocar. Era a telefonista da empresa de celular, informando que a empresa tinha uma excelente promoção e queria saber se ele estava interessado em adquirir um novo plano de ligações. Rogério aproveitou aquele “milagre” e começou a pedir ajuda para a telefonista. Ele levou cerca de meia hora para convencê-la de que aquilo não era um trote. Em seguida, ele levou mais seis horas para guiar o helicóptero de resgate até onde ele estava. Sua bateria não terminou durante todo aquele longo tempo de uso pois a temperatura congelante fez com que ela durasse muito mais” (História real)
A pessoa que quer ver a Supervisão Particular de D'us pode enxergá-la em cada pequeno acontecimento de nossas vidas. Pode ser na promoção especial da companhia de celular ou no tempo frio que faz a bateria durar mais. O importante é nunca esquecer que tudo isto aconteceu somente porque D'us decidiu manter Rogério vivo. Quem presta atenção nos detalhes percebe quanto amor recebemos de D'us a cada momento.
Nesta semana lemos a Parashat Vayeshev, que começa a descrever a história dos filhos de Yaacov, em especial a saga de Yossef, que foi vendido como escravo por seus próprios irmãos, foi levado ao Egito acorrentado e acabou se tornando o vice-rei, a segunda pessoa mais poderosa do Império Egípcio. O que motivou a venda de Yossef foi a inveja dos seus irmãos, pelo fato de Yaacov sentir um amor especial por Yossef. E este amor especial de Yaacov por Yossef nos remete à próxima festa do calendário judaico: Chánuka.
No anoitecer deste próximo domingo (06/12) acenderemos a primeira vela de Chánuka, recordando os enormes milagres que D'us fez aos nossos antepassados na época da dominação grega. O Talmud (Shabat 21b) afirma que o motivo pelo qual nossos sábios fixaram esta festa para todas as gerações é a recordação do milagre do óleo. Os gregos haviam dominado os judeus e proibido os Serviços do Beit Hamikdash (Templo Sagrado). Quando os judeus conseguiram finalmente expulsar os gregos, quiseram imediatamente recomeçar os Serviços do Beit Hamikdash, entre eles o acendimento diário da Menorá. Porém, um único pote de óleo foi encontrado intacto e lacrado, e isto era suficiente para acender a Menorá por apenas um dia, mas ela ardeu milagrosamente por 8 dias, o tempo suficiente para que mais óleo puro fosse produzido.
Porém, este comentário do Talmud desperta um grande questionamento. Na realidade, em Chánuka aconteceram dois grandes milagres, pois além do milagre do óleo também aconteceu o milagre da batalha. O pequeno exército dos Chashmonaim, um grupo de Cohanim (sacerdotes), se revoltou contra o poderoso exército grego, o mesmo exército que havia alcançado vitórias militares no mundo inteiro. Os Chashmonaim, através da tática de guerrilhas, conseguiram expulsar os gregos, um milagre impressionante se compararmos o poderio militar do exército grego e a insignificância do exército dos Chashmonaim. Além do milagre da batalha ter sido algo gigantesco, certamente foi muito mais importante do que o milagre do óleo, pois a vitória militar possibilitou a derrubada da hegemonia grega e abriu o caminho para a retomada do cumprimento das Mitzvót, que haviam sido proibidas pelos gregos, enquanto o milagre do óleo não teve absolutamente nenhuma participação na libertação do povo judeu. Então por que a Festa de Chánuka foi estabelecida em recordação ao milagre do óleo, ao invés de ter sido estabelecida em recordação ao incrível milagre da vitória militar?
Explica o Rav Chaim Shmulevitz zt”l (Lituânia, 1902 – Israel, 1979) que D'us faz dois tipos de milagre. Um tipo de milagre são aqueles essenciais, que tem uma necessidade absoluta de acontecer. Por exemplo, o milagre do “Man” que caiu no deserto e alimentou todo o povo judeu durante os 40 anos em que eles permaneceram no deserto foi um milagre extremamente necessário, pois possibilitou que os judeus ficassem vivos e bem alimentados mesmo em um ambiente tão inóspito como o deserto. Porém, há outro tipo de milagre, que são aqueles não essenciais. Mas se o milagre é “desnecessário”, então para que D'us o faz? Pois a principal função deste tipo de milagre “desnecessário” é mostrar o amor de D'us por aquele que o recebe.
Há na Torá diversos exemplos deste segundo tipo de milagre. Quando David Hamelech matou seu oponente Goliat (Golias) com uma pedrada, o impacto deveria ter derrubado Goliat para trás, mas de maneira milagrosa ele caiu para frente. Rashi (França, 1040 – 1105), comentarista da Torá, explica que D'us fez este milagre apenas para que David tivesse que dar menos passos quando foi cortar a cabeça de Goliat. Este é claramente um milagre que não era necessário, mas que D'us fez para demonstrar Seu amor por David.
Também com Avraham percebemos o mesmo tipo de milagre. Quando D'us mostrou para Avraham a Terra de Israel e prometeu que seus descendentes herdariam aquela terra para sempre, está escrito: “Por favor, levante seus olhos e veja, a partir do lugar em que você se encontra, norte, sul, leste e oeste” (Bereshit 13:14). De acordo com o Rav Chaim ben Atar zt”l (Marrocos, 1696 – Israel, 1743), mais conhecido como Or HaChaim, as palavras “a partir do lugar em que você se encontra” parecem desnecessárias. Ele explica que estas palavras escondem um grande milagre que D'us fez para Avraham. A partir do lugar onde Avraham se encontrava, sem nem mesmo precisar virar a cabeça, ele conseguiu ver a Terra de Israel inteira, em todas as direções. Novamente um milagre que não tinha necessidade de acontecer, mas que ocorreu como uma demonstração do amor de D'us por Avraham. Estes dois exemplos de milagres ocorreram como uma expressão do amor infinito de D'us por aqueles que O servem com dedicação. Na realidade, quanto menor a necessidade de um milagre, maior a demonstração do amor de D'us pela pessoa que recebe.
Neste contexto nós conseguimos entender a enorme importância do milagre do óleo. Enquanto os milagres que levaram à incrível vitória militar foram essenciais para a continuidade do povo judeu, o milagre do óleo não tinha uma necessidade fundamental de acontecer. E é justamente por esta pouca necessidade que o milagre do óleo representa uma demonstração de amor muito maior de D'us. Justamente por ter sido um milagre “desnecessário”, demonstrou a afeição enorme de D'us pelos Chashmonaim.
Mas este conceito desperta outro questionamento. De acordo com os exemplos citados anteriormente, vemos que D'us somente realiza milagres “desnecessários” para grandes Tzadikim (Justos), como Avraham Avinu e David HaMelech, pessoas que andavam de forma muito reta nos caminhos de D'us. Por que no caso do óleo D'us também escolheu mudar a natureza e fazer um milagre “desnecessário” para os Chashmonaim?
A resposta está em um importante conceito espiritual, de que D'us se comporta “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), isto é, Ele se comporta de acordo com o nosso comportamento. Quando os Chashmonaim conseguiram finalmente expulsar os gregos e retomar o Beit Hamikdash, eles quiseram imediatamente reiniciar os Serviços Divinos que haviam sido interrompidos. Um dos Serviços que eles queriam retomar imediatamente era justamente o acendimento da Menorá, mas somente um pote de óleo lacrado foi encontrado, o que seria suficiente para manter a Menorá acesa por um único dia. Porém, levaria mais 7 dias para que mais óleo puro fosse produzido. Nossos sábios explicam que, naquelas condições nas quais o povo judeu se encontrava, seria tecnicamente permitido até mesmo utilizar óleo impuro, mas os Chashmonaim quiseram embelezar a Mitzvá do acendimento da Menorá, se esforçando para fazê-la da melhor forma possível, como um sinal do grande amor que sentiam por D'us e por Suas Mitzvót. Como eles estavam dispostos a ir além da lei, então também D'us se comportou com eles “além da lei”, quebrando as leis da natureza e fazendo um grande milagre “desnecessário”, como demonstração do Seu amor por eles.
Isto nos ajuda a entender também uma das Halachót (Leis) de acendimento da Chanukiá. De acordo com a Halachá, para cumprirmos a Mitzvá do acendimento das velas de Chánuka da forma mais básica é suficiente que cada pessoa acenda uma única vela em cada uma das noites de Chánuka. Mas o costume adotado por todo o povo judeu é de se esforçar e fazer além do básico, cumprindo a Mitzvá da maneira mais completa e bonita possível, acrescentando uma vela a cada dia de Chánuka. Isto é uma lembrança do esforço dos Chashmonaim para embelezar a Mitzvá do acendimento da Menorá, e do fato de D'us ter “embelezado” Seu ato, medida por medida, fazendo um milagre “desnecessário” pelo povo judeu.
Chánuka é uma festa única e incrível, na qual revivemos o milagre do óleo e o amor mútuo que existe entre o povo judeu e D'us. E um dos ensinamentos de Chánuka que também devemos trazer e aplicar aos nossos dias é tentar cumprir cada Mitzvá da forma mais completa e bonita possível, pois isto é uma grande demonstração do nosso amor por D'us. E quanto mais nos aproximarmos dos caminhos dos nossos antepassados, que viviam de forma correta e justa, mais traremos para nós mesmos, e para o mundo inteiro, o amor recíproco de D'us.
SHABAT SHALOM e CHÁNUKA SAMEACH
Rav Efraim Birbojm