“Yaacov morava em uma pequena cidade do interior e era uma pessoa muito simples e ingênua. Certa vez, quando estava na casa de alguns parentes na cidade grande, começou a se sentir mal e foi levado ao hospital por seu primo Moshé. O médico diagnosticou uma doença muito grave cuja cura só era possível se tratada rapidamente. Yaacov foi informado que o tratamento era doloroso e que deveria ser iniciado o mais rápido possível. Mesmo assim Moshé viu seu primo se levantar e sair do consultório médico sem se importar com tudo o que havia escutado. Moshé correu atrás dele e perguntou:
– Você está louco? Você não escutou o diagnóstico do médico? Você precisa ser internado imediatamente para iniciar o tratamento!
– Yaacov balançou a cabeça negativamente e disse:
– Eu não estou preocupado com o que este médico disse e não quero tratar-me com ele. Na cidade onde eu moro eu conheço um bom médico, de quem sou muito amigo. O mais importante é que ele é muito bonzinho, tem um ótimo coração, ajuda a todos na cidade. Tenho certeza de que ele me dirá que minha doença não é tão grave e que o tratamento pode ser bem mais leve.
Moshé não acreditou no que escutou. Entre gargalhadas explicou para seu primo ingênuo:
– Não seja tolo! O diagnóstico não depende do médico ser bonzinho ou não. O problema está em você, no seu corpo, e não no médico. Adiar o tratamento somente vai piorar ainda mais a sua saúde”
Assim nos comportamos quando nossas vidas espirituais estão em risco e nós, ao invés de ficarmos preocupados, vivemos como se nada estivesse acontecendo…
Entramos no último mês do ano, Elul, o mês de preparação para o julgamento de Rosh Hashaná. Ensinam os nossos sábios que em Rosh Hashaná todos os nossos atos passam diante do Criador do Universo. É neste dia que tudo o que ocorrerá no nosso próximo ano é decretado: nossas alegrias e nossos sofrimentos, o que ganharemos e o que perderemos, os sucessos e os fracassos, a saúde e as doenças. Deveríamos estar preocupados, nos preparando para o dia do julgamento. Mas a maioria das pessoas não se preocupa. Por que?
A resposta está na Parashá desta semana, Shoftim. Assim começa a Parashá: “Juízes e policiais colocarás em todos os teus portões… e eles julgarão o povo com um julgamento justo” (Devarim 16:19). O entendimento mais simples do versículo é que temos a obrigação de estabelecer a justiça no mundo, através de juízes para realizarem os julgamentos e de policiais para garantirem o cumprimento da lei. Mas nos ensina um grande sábio conhecido como Shlá Hakadosh que este versículo também nos traz uma lição de vida muito importante. Os portões aos quais a Torá se refere são os portões existentes no ser humano: os olhos, as orelhas, as narinas e a boca. Todos estes portões podem ser utilizados para o bem ou para o mal. Os olhos podem ser utilizados para o estudo, mas também podem ser utilizados para nos puxar na direção dos desejos sem limites. Os nossos ouvidos podem ser utilizados para escutar ensinamentos de Torá e músicas que alegram nosso coração, mas também podem ser utilizados para escutar Lashon Hará (maledicência) de outra pessoa. A boca pode ser utilizada para incentivar e consolar, mas também pode ser utilizada para ofender e magoar. Do que depende a boa ou má utilização dos nossos “portões”? Da supervisão do “juíz” que temos dentro de cada um de nós. Quem é este juíz? O nosso intelecto. Ele nos dirige, nos dá claridade, nos ajuda a fazer o que é correto na vida.
Porém, vemos no mundo tantas pessoas fazendo coisas erradas. Se todos têm um intelecto, e este intelecto nos leva a fazer o que é correto, por que cometemos tantas transgressões? Pois da mesma forma que um juiz precisa da força policial para colocar em prática seus decretos, assim também é o nosso intelecto. Somente sabermos o que é correto não é suficiente, precisamos de uma “força policial” que nos leve a fazer o bem na prática e não apenas em pensamentos. Que força é esta? O temor a D'us.
Em geral o ser humano foge do conceito de temor a D'us, pois não gostamos de sentir medo. Preferimos amar a D'us, lembrar que Ele é misericordioso e bondoso, pensar em quantas coisas boas Ele nos faz a cada instante. Se já sentimos amor, por que então temos que sentir temor por D'us? Pois existem dois tipos de medo, um positivo e um negativo. O medo negativo é aquele que nos paralisa, que nos bloqueia. Quando uma pessoa está atravessando a rua e vê um carro vindo em sua direção, se ela fica paralisada de medo pode morrer atropelada. Mas há também um medo positivo, um medo que nos leva a mudar. Quando uma pessoa tem medo de ladrões, ela constrói um muro de proteção, ela coloca sensores, ela reforça a porta de casa. Este medo é positivo, pois ajuda a tomar atitudes, a mudar, a melhorar. É este medo que a Torá quer de nós, um medo positivo, que nos faça melhorar.
Mesmo quando o intelecto nos diz o que é correto, nem sempre conseguimos fazer na prática. O intelecto é reflexo da nossa alma, soprada dentro de nós pelo Criador do mundo. A nossa alma quer trabalhar, quer aproveitar cada instante da vida para adquirirmos eternidade. Mas a alma foi colocada dentro de um corpo material, “pesado”, que está conectado com o mundo físico. A alma quer levantar de manhã para ir rezar, mas o corpo quer dormir mais. A alma quer no final do dia ir até a sinagoga estudar um pouco de Torá, o corpo quer ir para casa assistir televisão no sofá. A luta entre o corpo e a alma é constante. O que nos possibilita vencer a guerra? O temor a D'us é que nos impulsiona a crescer espiritualmente e a vencer nossos impulsos naturais, que normalmente nos levam a cometer transgressões. Nossos sábios explicam que um pássaro que quebra uma das asas não pode voar, pois o vôo somente acontece quando as duas asas trabalham com força. O mesmo ocorre com o amor e o temor a D'us, cada um deles é uma das nossas “asas espirituais” que nos possibilita voar. Somente o amor não nos leva a um crescimento espiritual verdadeiro.
Mas apesar do temor a D'us ser algo tão importante para o nosso crescimento espiritual, estamos muito longe deste sentimento. A prova disso é que, apesar do julgamento de Rosh Hashaná estar tão próximo, estamos tranquilos, não mudamos nada no nosso cotidiano. Por que? Pois pensamos que D'us é tão misericordioso que não há com o que se preocupar. Qual o grande erro deste pensamento? O julgamento de Rosh Hashaná é uma verificação da nossa realidade espiritual. Da mesma forma que a bondade do médico não muda a saúde de seu paciente, assim também misericórdia de D'us não muda nossa situação espiritual, que nós mesmo construímos durante o ano utilizando nosso livre arbítrio. A bondade de D'us não apaga os erros que nós cometemos, pois isto seria uma enganação, isto seria contra o próprio propósito da criação. Se trabalharmos a idéia de que somos responsáveis por cada erro que cometemos durante o ano e prestaremos conta de cada um deles, então começaremos a despertar o temor a D'us em nossos corações. Um temor positivo, que nos levará a mudanças de atitude.
D'us é muito misericordioso e bondoso. Ele nos criou apenas para nos fazer o bem. Ele criou o universo apenas para nos dar a oportunidade de nos conectarmos a Ele através dos nossos próprios atos. Mas isso não significa que D'us “fecha os olhos” para os nossos erros. Cada ato tem consequências e temos que assumir nossas responsabilidades. Não podemos viver dando desculpas por nossos erros.
D'us mostra Sua misericórdia ao nos dar a possibilidade da Teshuvá, o retorno aos caminhos corretos, o conserto dos nossos erros através do arrependimento sincero. Elul é o mês da Teshuvá. É o “sprint” final da corrida, o momento no qual podemos mudar tudo. É a chance de um novo começo. Que possamos aproveitar a oportunidade.
“Não podemos voltar e criar um novo início, mas podemos começar hoje a escrever um novo final”
SHABAT SHALOM
“SHETICATEV VETECHATEM BESSEFER CHAIM TOVIM” (QUE SEJAMOS INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA).
Rav Efraim Birbojm