O Sr. Greenberg e sua esposa não eram ricos, mas eram pessoas muito devotas e sensíveis às necessidades dos outros. Certa vez eles estavam passeando por um parque quando viram um homem idoso sentado em um banco. Ele estava sozinho, olhando para o infinito, como se estivesse perdido. Os Greenberg foram até o banco, sentaram-se ao lado do idoso e começaram uma conversa com ele. Descobriram, surpresos, que aquele senhor também era judeu, e chamava-se Charlie Birnbaum. A conversa foi ficando cada vez mais animada, até que os Greenberg resolveram convidar o Sr. Birnbaum para visitá-los em casa. Insistiram tanto que ele acabou indo uma vez, e acabou voltando uma segunda vez, e uma terceira vez, até que se tornou uma visita frequente. Sempre era recebido com muita alegria pela família Greenberg, e eles se esforçavam para fazer o Sr. Birnbaum se sentir como se fosse parte da família. Certo dia o Sr. Greenberg recebeu o telefonema de um advogado:
– Sr. Greenberg, perdão por incomodá-lo, mas infelizmente tenho uma má notícia: o Sr. Birnbaum faleceu. Hoje foi feita a abertura do testamento dele. Como vocês sabem, o Sr. Birnbaum era um homem sozinho, não tinha nenhum parente. Por isso ele escreveu no testamento que deixava para o Sr. e para sua família toda sua herança, no valor de 10 mil dólares. Ele ressaltou no testamento que vocês foram as únicas pessoas no mundo que haviam se comportado com algum sentimento de bondade e misericórdia com ele.
Naquela época, há mais de 50 anos, a soma de 10 mil dólares foi suficiente para os Greenberg comprarem uma casa. Como os Greenberg haviam dado ao Sr. Birnbaum uma casa, então D'us recompensou a bondade deles “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), dando a eles uma casa para morar. (História Real, retirada do livro “Impact!”, de autoria de Dovid Kaplan).
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Nesta semana lemos a Parashá Vaiechi, que fala sobre a morte do nosso último patriarca, Yaacov. Antes de falecer, Yaacov disse suas últimas palavras para cada um dos seus filhos, sendo que alguns receberam Brachót (bênçãos), enquanto outros receberam críticas por erros que haviam cometido. E estas últimas palavras de Yaacov não se aplicavam apenas para os seus filhos, mas também para todos os seus descendentes, pois cada um dos filhos de Yaacov se tornou o patriarca de uma das 12 tribos do povo judeu.
Uma das Brachót que nos chama a atenção foi a recebida por Yehudá, o filho de Yaacov de quem descenderiam os futuros reis de Israel, como David e Shlomo. E assim disse Yaacov para Yehudá: “O cetro nunca partirá de Yehudá… E os dentes brancos de leite” (Bereshit 49:10,12). Segundo alguns comentaristas da Torá, o entendimento mais simples do versículo final é que as palavras de Yaacov descreveram como Yehudá era adequado para a realeza, isto é, era um homem de aparência nobre, com um belo sorriso.
Porém, o Talmud (Ketubot 111b) traz outra explicação para as palavras de Yaacov. O Talmud ensina que o versículo deve ser lido como “os dentes brancos mais do que leite”, significando que a pessoa que mostra o branco dos dentes ao dar um sorriso afetuoso para outra pessoa faz mais bondade com ela do que se tivesse lhe dado um copo de leite para beber.
Mas qual a conexão entre o entendimento mais simples do versículo, de que a Torá está descrevendo a aparência nobre que tinha Yehudá, e a forma como o Talmud estuda o versículo, de que um sorriso vale mais do que um copo de leite? E por que este entendimento do Talmud, que ressalta a importância de um sorriso, precisou ser transmitido justamente através da Brachá recebida por Yehudá?
A pergunta aumenta quando analisamos outro ensinamento do Talmud (Kidushin 82b), que afirma que se D'us não provesse diretamente o alimento dos animais, cada animal conseguiria seu sustento através de algum tipo de profissão. Por exemplo, a raposa seria muito competente sendo lojista, enquanto o leão seria um bom carregador. Explica o Rav Yehuda Loew (Praga, 1525 – 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, que a raposa simboliza a astúcia, característica necessária para um lojista, pois é necessário convencer os consumidores a comprarem seus produtos, enquanto o leão simboliza a força física, sendo apropriado para trabalhos braçais que requerem muita força, como ser um carregador. Mas este ensinamento do Talmud é estranho, pois o leão normalmente representa a majestade e a autoridade. Então por que o Talmud descreve o leão como um simples carregador, uma profissão pouco honrosa? E qual a relação entre ser um simples carregador e Yehudá, que também é descrito como um leão: “Yehudá é um filhote de leão” (Bereshit 49:9)?
Explica o Rav Yochanan Zweig que existe uma grande diferença entre o conceito de rei para o povo judeu e para os outros povos. Entre os povos do mundo, o rei é a figura de alguém autoritário, muitas vezes um tirano, que governa sobre seus súditos com mão de ferro e leis duras. O foco principal do rei são suas próprias necessidades, e por isso ele é servido pelos seus súditos, que estão sempre preocupados com o seu bem estar. Mas de acordo com o judaísmo o reinado tem um caráter completamente diferente. De Yehudá aprendemos que a soberania do rei é baseada no fato de, em última instância, o rei servir o seu povo. O rei do povo judeu não é um tirano que obriga seus súditos a fazerem a sua vontade e a se preocuparem com suas necessidades pessoais, ao contrário, é o rei que serve e se preocupa com as necessidades de seus súditos.
Portanto, deste entendimento vemos que é apropriado que o leão seja descrito como um carregador, pois o rei deve estar disposto a carregar o peso daqueles que o servem. Esta era a natureza de Yehudá, apropriadamente demonstrada no início da Parashá da semana passada, Vaigash, quando ele se mostrou disposto a se tornar escravo do vice-rei do Egito apenas para que seu irmão Biniamin pudesse ser libertado. Yehuda colocava de lado suas próprias necessidades em prol do bem estar dos outros. Esta é a postura de um verdadeiro rei, por um lado alguém com uma aparência nobre, mas por outro lado alguém preocupado em servir os outros.
É por isso que o entendimento simples do versículo está tão conectado com a explicação do Talmud. O ato de saudar e acolher outra pessoa com um sorriso, de forma com que o outro se sinta apreciado e querido, reflete esta incrível qualidade de Yehudá. Para conseguir dar sempre um sorriso aos outros, a pessoa precisa deixar de lado seus próprios problemas e necessidades. Apesar de estar preocupada com suas próprias dificuldades, a pessoa deve se esforçar para transmitir, através de um sorriso sincero, uma verdadeira sensação de alegria pelo bem estar do próximo. Esta era um importante característica de Yehudá, e Yaacov queria também transmiti-la para os seus futuros descendentes através de sua Brachá.
Obviamente este ensinamento não vale apenas para os reis, mas para cada um de nós. Através de pequenos atos de bondade podemos mudar a vida das pessoas. Pensamos que para ajudar os necessitados precisamos ter muitos bens e fazer grandes doações para instituições de caridade, e por isso achamos que esta Mitzvá tão importante de Tzedaká (caridade) é apenas para pessoas ricas. Mas nossa maior doação está no nosso próprio rosto: o sorriso. E o melhor de tudo é que dar um sorriso não custa nada. Isto quer dizer que, se conseguirmos estar sempre com um sorriso sincero e caloroso no rosto, estaremos diariamente fazendo centenas ou milhares de doações para pessoas necessitadas.
Mas dar um sorriso para todos tem seu preço: vencer o egoísmo. Para dar um sorriso o tempo inteiro é necessário pararmos de pensar apenas em nós mesmos e começarmos a pensar nos outros. O Rav Israel Salanter (Lituânia, 1810 – Alemanha, 1883), quando via algum aluno com o rosto tenso e preocupado, perguntava: “Por que eu também preciso sofrer com seus problemas?”. Ele estava ensinando aos seus alunos que nosso rosto é um “domínio público”, e por isso devemos nos preocupar sempre com o que estamos transmitindo aos outros.
Podemos ajudar muitas pessoas apenas com um sorriso, mas para isso é necessário vencer nossas próprias necessidades e pensar mais nos outros. Isto nos transforma em reis, não para governar sobre todo o povo judeu, mas ao menos para governar sobre nossos próprios corações.
SHABAT SHALOM
Rabino Efraim Birbojm