Educando com atitudes

Naquela noite, Ricardo voltava para casa com o mesmo mau humor que o caracterizava há alguns meses. Eram tantos problemas e dificuldades que ele havia se transformado em uma pessoa amarga, triste e mal humorada. Já era tarde da noite quando ele finalmente entrou em casa. Estava tudo escuro, apenas a luz acesa da cozinha iluminava fracamente a sala. Ricardo então ouviu a voz do seu filho de quatro anos de idade vinda da cozinha:
 
– Mãe, por que o papai está sempre tão triste e bravo? 

– Não sei, meu amor – respondeu a mãe, com paciência – Ele deve estar preocupado com os negócios. Sustentar uma família não é fácil.

– Mas o papai também fica assim bravo e triste no trabalho? 

– Nas lutas diárias, seu pai precisa sempre demonstrar força e controle. Ele deve parecer alegre para agradar o chefe e os clientes. É importante para o trabalho dele. Mas quando ele volta para casa, traz muitas preocupações. Fora de casa ele precisa se cuidar para não ser grosseiro com ninguém, demonstrando estar sempre alegre e otimista. Mas o mesmo não acontece aqui em casa. Aqui, filho, ele não precisa esconder de ninguém o cansaço e as preocupações. 

A criança pareceu escutar atenta. Depois, após ter refletido por algum tempo, suspirou e desabafou: 

– Que pena, mãe. Não poderia ser o contrário? A família não deveria ser mais importante que os negócios? Eu gostaria tanto de ter um pai feliz em casa, pelo menos de vez em quando. Gostaria que ele chegasse em casa e me pegasse no colo, brincasse comigo, me desse um sorriso…

Naquele momento, Ricardo não aguentou as emoções. As lágrimas começaram a cair, inicialmente aos poucos, depois se transformaram em um choro compulsivo. Ele percebeu como estava maltratando sua própria família. Emocionado, ele entrou na cozinha, abriu os braços, correu para o filho, abraçou-o com força e convidou: 

– Filhão, cheguei. Que saudades! Vamos brincar?”
 
Quando estamos em público, no trabalho ou em eventos sociais, vestimos máscaras e nos transformamos em outras pessoas. Somente quando estamos em casa é que somos nós mesmos de verdade. E precisamos prestar atenção às mensagens que transmitimos às nossas crianças quando estamos em casa, pois elas aprendem com nossas palavras, mas acima de tudo elas aprendem com as nossas atitudes. 

 

Na Parashá desta semana, Vaerá (literalmente “Apareci”), após a recusa do Faraó em deixar o povo judeu sair do Egito, D'us começou a mandar terríveis pragas milagrosas, que causaram muito sofrimento aos egípcios, medida por medida por tudo o que eles haviam causado de mal ao povo judeu em mais de 200 anos de escravidão. As pragas foram minando, pouco a pouco, a resistência do Faraó e dos egípcios. Quando finalmente o povo judeu saiu em liberdade, o Egito estava completamente devastado. Mas antes de iniciar a descrição das incríveis pragas milagrosas que aconteceram no Egito, realizadas através de Moshé e seu irmão Aharon, a Torá traz uma breve genealogia do povo judeu, identificando as famílias que descenderam de cada um dos filhos de Yaacov. Por que a Torá resolveu trazer esta genealogia justamente neste momento, antes de começar a descrever as milagrosas pragas do Egito?
 
Explica o Rav Shimshon Raphael Hirsch zt”l (Alemanha, 1808 – 1888) que a maioria das religiões atribui aos seus líderes e fundadores descendências divinas. A Torá, ao contrário, quer ressaltar que nossos maiores líderes eram pessoas comuns, nascidas de pai e mãe, sem poderes sobrenaturais. Mesmo gigantes espirituais como Moshé e Aharon eram pessoas de carne e osso, seres humanos normais. É por isso que, justamente antes de começar o assunto das milagrosas pragas realizadas por Moshé e Aharon, a Torá mostra a genealogia deles, para deixar claro que Moshé e Aharon eram apenas intermediários de D'us, pessoas comuns, sem descendência Divina e sem poderes milagrosos. O único que verdadeiramente faz milagres é D'us.
 
Porém, se prestarmos atenção, perceberemos um detalhe interessante no versículo que descreve a genealogia de Aharon: “E Aharon tomou como esposa Elisheva, filha de Aminadav, irmã de Nachshon” (Shemot 6:23). Este versículo foge da normalidade, pois ao mencionar algumas personalidades, em geral a Torá identifica quem é o pai delas. Em relação a Elisheva, além do pai, a Torá escreveu também quem era seu irmão. Mas se ela era filha de Aminadav, já saberíamos automaticamente que ela é irmã de Nachshon, pois ele é identificado na Torá como “Nachshon ben Aminadav”. Então por que a Torá fugiu da normalidade e mencionou também o irmão de Elisheva?

Deste pequeno detalhe do versículo, algo aparentemente insignificante, o Talmud (Baba Batra 110a) aprende algo muito importante: antes de se casar, um homem deve checar bem as características de sua futura esposa. E como isto deve ser feito? Observado as características do irmão dela. É por isso que o versículo trouxe, além do nome do pai de Batsheva, também o nome do irmão dela.
 
Mas este ensinamento do Talmud não parece ser muito lógico. Os filhos herdam muitas características de seus pais. Para conhecer a natureza de uma futura esposa, seria muito mais razoável investigar diretamente os pais dela. O próprio Talmud, em diversas ocasiões, ressalta a importância de se esforçar para se casar com uma mulher cujo pai seja uma pessoa com boas qualidades. Então, se são tão importantes as qualidades dos pais, por que o versículo que fala do casamento de Aharon com Batsheva enfatiza que o homem deve investigar o irmão de sua futura esposa para conhecer a verdadeira natureza dela, ao invés de incentivar a investigar diretamente os pais dela?
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que muitas vezes vivemos uma vida de aparências. As pessoas não se comportam na rua da mesma maneira que se comportam dentro de casa. Quando sabemos que as pessoas estão olhando, nos comportamos de maneira exemplar, para que as pessoas nos valorizem. Nossa real personalidade, que é revelada apenas quando estamos dentro de casa, quando ninguém mais está olhando, poucas pessoas conhecem de verdade.
 
É isto que o versículo está nos ensinando ao incentivar o homem a investigar as características do irmão de sua futura esposa. Um adulto é capaz de projetar uma imagem que não necessariamente reflete sua verdadeira essência. As fachadas que as pessoas criam tornam praticamente impossível ter acesso à sua verdadeira natureza. Por outro lado, diferente dos adultos, as crianças não têm tanta necessidade de projetar uma imagem que dê a elas um bom status social. Portanto, o comportamento de uma criança normalmente é genuíno e reflete sua verdadeira natureza.
 
Porém, uma criança ainda está em fase de construção dos seus traços de caráter. Quando vemos o comportamento de uma criança, estamos enxergando não apenas suas características particulares, mas principalmente as características de seus pais, que ela intuitivamente imita por serem seus principais modelos de comportamento. Durante os anos de formação do caráter das crianças, são os pais que vão moldando os padrões de comportamento de seus filhos, através de ensinamentos e educação, mas principalmente através de exemplos.
 
Quando um homem investiga o irmão da sua futura esposa, desta maneira ele pode verdadeiramente investigar os pais dela, pois o comportamento de uma criança é “imune” à fachada que seus pais podem ter criado para ocultar algum mau comportamento. Portanto, o comportamento de uma criança reflete cada pequeno detalhe do comportamento dos seus pais. E é muito provável que, caso os pais tenham maus traços de caráter, estes também tenham sido absorvidos pela sua futura esposa.
 
Porém, se este é o motivo, então por que não procurar diretamente na própria futura esposa os traços de caráter dela? Pois as mulheres são naturalmente mais reservadas e recatadas, impedindo a detecção imediata dos traços de caráter inseridas nelas pelos seus pais. Já os homens normalmente costumam se expor mais e serem bem menos reservados e recatados. Por isso, permitem uma avaliação muita mais acurada e abrangente da natureza dos pais.
 
É responsabilidade dos pais educar seus filhos. A educação certamente deve vir dos ensinamentos de Torá que eles recebem na escola e das intervenções constantes dos pais para ajustar seus traços de caráter, ressaltando as boas características e canalizando as más características. Os pais precisam estar atentos a qualquer desvio dos filhos e devem aprender a criticá-los da maneira correta e no momento correto. Além disso, os pais também precisam saber elogiar e incentivar muito seus filhos, para que eles possam crescer e se tornar adultos saudáveis.
 
Porém, este pequeno detalhe do versículo da nossa Parashá carrega um ensinamento extremamente importante: a melhor forma de educar os nossos filhos, e certamente a mais eficiente, é através de exemplos. Se as crianças vivem cercadas de críticas, aprendem a condenar os outros. Se vivem em um ambiente com hostilidades, aprendem a brigar e a serem intransigentes. Se vivem com zombarias, aprendem a ser tímidas e retraídas. Mas se vivem com tolerância, aprendem a ser pacientes e compreensivas. Se vivem com incentivos e elogios, aprendem a ter autoconfiança e a apreciar o que os outros fazem de bom. Se vivem com justiça, aprendem a ser pessoas honestas. A forma como tratamos as crianças e, acima de tudo, a forma como nos comportamos diante das crianças, é a melhor forma de ensinamento. Se quisermos crianças melhores, antes de tudo precisamos nos transformar em seres humanos melhores. Somente assim teremos realmente um mundo melhor.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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