“O Rav Shalom Schwadron zt”l (Israel, 1912-1997) estudou em sua juventude na Yeshivá de Chevron. Infelizmente muitos judeus naquela época estavam afastados da Torá e cometiam transgressões por desconhecimento. Como na época ainda não havia máquinas de barbear, as pessoas iam até a barbearia para fazer a barba com navalha, uma grave transgressão da Torá. Os alunos da Yeshivá de Chevron decidiram fazer um revezamento, de forma que todos os dias algum estudante de Torá ficava na porta da barbearia orientando os judeus que não sabiam da proibição.
Certa vez era o turno do Rav Shalom. Ele estava na porta da barbearia quando viu um senhor judeu entrando. O Rav Shalom chamou-o e, educadamente, explicou a gravidade de fazer a barba com navalha, comparável à transgressão de comer cinco vezes carne de porco. O senhor ficou muito agradecido pelos esclarecimentos, aceitou não entrar na barbearia e foi embora. Porém, quando foi novamente turno do Rav Shalom, ele viu aquele mesmo senhor novamente entrando na barbearia. Curioso, o Rav Shalom questionou delicadamente se não havia ficado clara a explicação sobre a gravidade de fazer a barba com navalha. O senhor então respondeu para ele:
– A verdade é que ficou bem claro quando conversamos. Porém, no primeiro Shabat após a nossa conversa, quando eu fui à sinagoga, percebi que haviam afixado uma folha explicando sobre a proibição de fazer a barba com navalha. Ao lado desta folha havia outro papel afixado, ressaltando a grave proibição de conversar durante a Tefilá (reza). Mas eu percebi, durante toda a Tefilá, que muitas pessoas conversavam despreocupadamente. Então entendi que, se conversar durante a Tefilá não é algo tão grave, então fazer a barba com navalha também não deve ser tão grave…”
Explica o Rav Shlomo Levenstein Shlita que através de cada ato que fazemos estamos sendo exemplos para os outros. Pessoas corretas se tornam bons modelos e aproximam os outros do caminho correto, mas pessoas não corretas se tornam péssimos modelos e podem desviar pessoas do caminho correto.
Um dos pontos centrais da Parashá desta semana, Chaiei Sarah (literalmente “A vida de Sara”), é o casamento de Ytzchak com Rivka. Após quase ter sacrificado Ytzchak, Avraham se preocupou que seu filho ainda não havia se casado e poderia ter deixado o mundo sem nenhum descendente. Avraham então decidiu procurar para Ytzchak uma esposa, mas como eles viviam entre os Knanim, um povo que havia sido amaldiçoado desde a época de Noach (Noé), Avraham não queria casar seu filho com uma mulher de lá. Por outro lado, após Ytzchak ter sido elevado sobre o altar como um Korban (sacrifício) para D'us, ele ganhou um novo status de santidade e não podia mais sair de Israel, uma terra que também tem mais santidade. Então como ele se casaria? Avraham mandou seu fiel escravo Eliezer para sua terra natal, para a casa de seus parentes, com a missão de trazer de lá uma esposa para seu filho.
Eliezer sentiu o peso da responsabilidade de sua importante missão. Procurar uma esposa adequada a alguém em um nível tão elevado quanto Ytzchak não era algo simples. Mas ele aceitou o desafio e rezou muito para ter sucesso em sua missão. D'us escutou suas rezas e o guiou, com Hashgachá Pratid (Supervisão Particular), até ele encontrar Rivka, uma Tzadeket (mulher justa) com excelentes traços de caráter. Eliezer sentou-se para conversar com os pais e com o irmão de Rivka e, para convencê-los a deixá-la partir para se casar com Ytzchak, descreveu todos os detalhes que deixavam claro que a “mão de D'us” estava por trás dos acontecimentos. A família de Rivka concordou e ela foi para a terra de Israel casar-se com Ytzchak e transformar-se em uma das nossas matriarcas.
Normalmente a Torá é muito sucinta. Inclusive, muitos ensinamentos são aprendidos de maneira indireta, apenas através de indicações na Torá. Mas prestando atenção nesta Parashá, percebemos que a Torá se alongou de maneira incomum quando descreveu cada detalhe dos atos de Eliezer. Além disso, ao invés da Torá simplesmente dizer que Eliezer contou tudo o que aconteceu para a família de Rivka, a Torá se alonga escrevendo toda a conversa e repetindo todos os detalhes. Entenderíamos se a Torá se alongasse assim para descrever os atos dos patriarcas, mas por que se alongar tanto nos atos de Eliezer, um simples escravo de Avraham?
Segundo Rashi (França, 1040 – 1105), a repetição e o detalhamento da história de Eliezer, algo que foge da forma compacta da Torá, são para nos ensinar que, aos olhos de D'us, é melhor a conversa de um escravo dos patriarcas do que a Torá dos seus descendentes. Mas o que Rashi quis dizer com isso? O há de tão especial para aprendermos de Eliezer que justificaria estas “palavras a mais” da Parashá?
Explica o Rav Aharon Kotler zt”l (Bielorússia, 1891 – EUA 1962) que no Monte Sinai foram entregues a Moshé, e posteriormente transmitidas aos sábios do povo judeu, muitas leis e regras de como estudar cada palavra da Torá, além de muitos segredos contidos nela. Na realidade, para ensinar Halachót (Leis judaicas), em geral não há necessidade de se alongar muito. Porém, o mesmo não acontece em relação às nossas Midót (traços de caráter) e o Derech Eretz (comportamento), que não são tão fixos e bem definidos como as Halachót, e muitas vezes dependem da situação, do momento e de sentimentos do coração envolvidos. Então como fazer para aprender sobre Midót e Derech Eretz? A melhor maneira é estarmos próximos dos sábios e aprender diretamente observando os atos deles. Apesar de ser muito importante o estudo de livros que nos ensinam sobre Midót e Derech Eretz, além de um direcionamento e acompanhamento constantes de um rabino que possa nos orientar, nestas áreas o melhor aprendizado é através dos exemplos.
Se prestarmos atenção no livro de Bereshit, o primeiro dos cinco livros da Torá, praticamente não encontraremos ensinamentos de Mitzvót. Na Parashá Bereshit, D'us nos deu a primeira Mitzvá, de “Pru Urvu” (crescer e multiplicar); na Parashá Noach, D'us nos ensinou a Mitzvá de Brit-Milá (circuncisão); e na Parashá Vayerá, D'us nos ensinou a Mitzvá de “Guid Hanashê” (proibição de comer o nervo ciático). Isto significa que, das 613 Mitzvót da Torá, o Livro de Bereshit inteiro nos ensina apenas três Mitzvót! Então por que este livro é tão importante? Justamente por nos ensinar os fundamentos das Midót e do Derech Eretz através do exemplo prático dos patriarcas.
Com este ensinamento podemos entender o motivo da Parashá se alongar tanto. Apesar de Eliezer ser um escravo, ele não era uma pessoa simples. Era um homem extremamente sábio e íntegro, e sua convivência com Avraham transformou-o em um “Mentch” (ser humano descente). Portanto, do comportamento de Eliezer, e de todos os detalhes de como ele procurou e encontrou Rivka, podemos aprender muito. Por exemplo, quando Eliezer foi procurar uma esposa para Ytzchak, ele focou nos traços de caráter, procurando alguém com boas Midót e com bondade no coração, ao invés de se preocupar se a moça vinha de alguma família importante e influente. Além disso, também aprendemos muito da incrível confiança de Eliezer na Providência Divina e a certeza de que todo sucesso está apenas nas mãos de D'us. Porém, talvez o que mais nos chama a atenção no comportamento de Eliezer é a forma como ele se apresentou à família de Rivka. Ele poderia ter dito que era o “camareiro chefe” de Avraham, um posto comum entre os reis e pessoas importantes da época. Ele poderia ter contado que era o homem de confiança de Avraham, a pessoa a quem Avraham confiava sua casa e seus bens. Ele poderia ter contado que, por sua integridade e sabedoria, D'us havia feito um milagre e o longo caminho de viagem à casa dos parentes de Avraham havia sido encurtado. Mas Eliezer preferiu se apresentar como “Eu sou o escravo de Avraham” (Bereshit 24:34). Não por medo que depois as pessoas descobririam que ele era um escravo, e sim por sua incrível humildade.
Também prestando atenção nos atos de Rivka aprendemos muito sobre Midót e Derech Eretz. Quando Eliezer foi escolher uma esposa para Ytzchak, ele parou ao lado de um poço de água e fez uma condição para escolher a mulher que estaria apta a se casar com alguém no nível de Ytzchak: “E será, a jovem para quem eu disser 'baixe o seu jarro e eu beberei', e ela disser 'beba, e eu também darei de beber aos seus camelos', esta Você terá designado para Seu servo, para Ytzchak” (Bereshit 24:14). Porém, Rivka fez ainda mais bondade do que Eliezer tinha imaginado. Ela primeiro ofereceu água a Eliezer, mas somente quando ele havia terminado de beber foi que ela também ofereceu água aos camelos. Por que? Em primeiro lugar, pois os Tzadikim falam pouco e fazem muito. Portanto, não era apropriado prometer muitas coisas antes de fazê-las. Além disso, às vezes a pessoa se sente desconfortável ao receber muitas bondades. Rivka foi oferecendo a bondade aos poucos, uma bondade de cada vez, para que Eliezer não se sentisse desconfortável. Todos estes detalhes, que deixam a Parashá longa e “fora dos padrões”, foram planejados e escritos por D'us justamente para nos ensinar as Halachót de Derech Eretz.
É muito importante aprender sobre Midót e Derech Eretz, pois através desta sabedoria podemos fazer muito Kidush Hashem (Santificar o Nome de D'us), enquanto a falta desta sabedoria pode causar muito Chilul Hashem (Denegrir o Nome de D'us). Estamos sempre na “vitrine”, sendo observados e analisados pelas outras pessoas. Somos exemplos de conduta e podemos influenciar, positivamente ou negativamente, o comportamento dos outros. Uma pessoa que chega pontualmente na Tefilá incentiva os outros a também chegarem pontualmente, mas alguém que sempre chega atrasado incentiva os outros a também atrasarem. Uma pessoa que se cuida de não falar Lashon Hará (falar de forma negativa sobre os outros) influencia outras pessoas a não falarem Lashon Hará, mas a pessoa que não se cuida e frequentemente fala Lashon Hará influencia outros a seguirem seus maus atos.
De acordo com o Rav Aharon Kotler, se a pessoa não se educa a ter Derech Eretz, se não se ocupa constantemente com o estudo da Torá para aprender a como se comportar, se não se incomoda com o impacto negativo de seus maus comportamentos, provavelmente está constantemente fazendo Chilul Hashem. Mas aquele que aprende com os exemplos dos nossos sábios, que sempre se esforça para ser uma pessoa melhor, que estuda Torá e utiliza na prática os conhecimentos adquiridos, certamente se tornará, como Eliezer, um modelo positivo para as futuras gerações.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm