“O Rebe Avraham Mordechai Alter, mais conhecido como Imrei Emes (Polônia, 1866 – Israel, 1948), estava certa vez na sinagoga quando um dos frequentadores se aproximou e pediu a ele um Tefilin emprestado, pois havia perdido o seu e levaria algum tempo até que pudesse comprar um novo. O Rebe, sem pensar duas vezes, emprestou a ele um Tefilin. Mas não era um Tefilin qualquer, era um Tefilin extremamente valioso, que havia pertencido ao pai do Imrei Emes, o Rebe Yehudah Aryeh Leib Alter, mais conhecido como Sfas Emes (Polônia, 1847-1905), um homem de muita santidade. Aquele Tefilin tinha um valor inestimável, e as pessoas sabiam o quanto o Rebe era cuidadoso com ele. Um dos seus alunos, ao ver que o Rebe havia emprestado aquele Tefilin tão valioso, questionou por que ele não havia emprestado um Tefilin mais simples. O Rebe explicou:
– Está escrito na Torá: “Este é o meu D’us e eu farei para Ele uma Morada” (Shemot 15:2). Deste versículo aprendemos que quando fazemos uma Mitzvá, devemos fazê-la da melhor maneira possível. Este conceito não se aplica apenas nas Mitzvót diretamente relacionadas com D’us, mas também nas Mitzvót relacionadas com o próximo. Isto inclui o Chessed (bondade) que fazemos aos outros e, portanto, devemos fazê-lo da melhor maneira possível. Foi por isso que eu não emprestei a ele um Tefilin qualquer, eu fiz questão de emprestar o meu Tefilin mais valioso.”
O Imrei Emes entendeu que o conceito de embelezar as Mitzvót também se aplica no nosso relacionamento com o próximo. Da mesma maneira que queremos ser cuidadosos no nosso relacionamento com D’us, para que tudo seja feito da maneira mais adequada e minuciosa possível, assim também devemos ser cuidadosos no nosso relacionamento com as outras pessoas.
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Nesta semana lemos a Parashá Terumá, que nos ensina sobre os detalhes do Mishkan (Templo Móvel), uma construção com uma função muito nobre: ser o local de repouso da Presença Divina. Apesar de D’us estar presente em todos os lugares, o Mishkan era o lugar físico onde a Presença Divina podia ser sentida de uma maneira mais palpável. A Parashá descreve tanto a estrutura do Mishkan quanto seus utensílios, como a Menorá, a Shulchan (mesa de ouro) e o Mizbeach (altar de oferendas).
A estrutura do Mishkan era composta por tábuas de madeira apoiadas em bases de prata. As tábuas eram mantidas unidas por barras de madeira de acácia, como está escrito: “E a barra central passará por dentro das tábuas, de uma extremidade à outra” (Shemot 26:28). Esta barra central era de extrema importância, pois ajudava a dar estabilidade para toda a estrutura do Mishkan.
Explica o Targum Yonathan (tradução da Torá para o aramaico, de autoria do Rav Yonathan Ben Uziel, que viveu no 1º século da era comum) que esta barra central foi feita com a madeira da árvore que Avraham Avinu havia plantado para fazer bondade com as pessoas, como está escrito: “E plantou (Avraham) uma “Eshel” em Beer Sheva” (Bereshit 21:33). Por que esta árvore que Avraham plantou recebeu um papel tão importante no Mishkan, dando estabilidade para toda a estrutura? Qual a mensagem que a Torá está nos transmitindo?
Explica o Rav Nosson Tzvi Finkel, mais conhecido como Alter MiSlobodka (Lituânia, 1849 – Israel, 1927), que muitas vezes, mesmo querendo chegar à perfeição, o ser humano faz sua Avodat Hashem (Serviço Divino) de uma maneira desequilibrada, e isto o afasta do seu objetivo. Onde está este desequilíbrio? Normalmente damos atenção às Mitzvót que são “Bein Adam LaMakom” (entre o homem e D’us), mas acabamos esquecendo de dar a devida importância para as Mitzvót “Bein Adam LeHaveiró” (entre o homem e seu semelhante), e este desequilíbrio pode nos custar caro. O Alter Mi Slobodka adverte que no momento em que uma pessoa está cumprindo uma Mitzvá Bein Adam LaMakom, ela deve ser extremamente cuidadosa para não causar nenhum dano ou constrangimento às outras pessoas, pois se causar qualquer aborrecimento aos outros por falta de sensibilidade, ela corre o risco de perder mais do que ganhou com a Mitzvá.
Infelizmente existem muitas situações onde isto acontece, até mesmo dentro da sinagoga. Por exemplo, após a leitura pública da Torá, quando o Sefer Torá é reconduzido ao Aron Hakodesh, temos o costume de beijá-lo, como uma forma de dar Kavód (honra) e mostrar o quanto a Torá é querida para nós. Porém, pessoas que estão distantes do Sefer Torá acabam empurrando os outros para conseguirem chegar perto. Nossos sábios afirmam que este é um grande erro, pois evitar machucar e incomodar outras pessoas certamente se sobrepõe ao ato de beijar o Sefer Torá. Enquanto dar um beijo no Sefer Torá é apenas um embelezamento da Mitzvá, causar danos à outra pessoa é uma grave transgressão. Outro exemplo é a pessoa que, no momento de vestir seu Talit, não se importa com a pessoa de trás. Quando a pessoa joga o Talit para trás, os longos fios se transformam em um verdadeiro chicote, podendo machucar. É muito bonito ver como há pessoas preocupadas em cumprir a Mitzvá de vestir o Talit com Kavaná (intenção), mas nunca podemos esquecer, mesmo quando estamos cumprindo uma Mitzvá importante, que há outras pessoas à nossa volta.
Outra área em que vemos o desequilíbrio na Avodat Hashem é nas Chumrot (rigorosidades) que recebemos sobre nós. Em várias Mitzvót Bein Adam LaMakom a pessoa recebe sobre si vários níveis de rigorosidade. Um exemplo clássico é na área de Kashrut, na qual muitas pessoas decidem ser extremamente rigorosas, para se afastar de qualquer tipo de dúvida ou risco de comer algo que não seja Kasher. Esta é certamente uma atitude muito louvável, uma demonstração de temor a D’us. Mas será que esta pessoa também recebe sobre si as mesmas rigorosidades em relação às Mitzvót Bein Adam LeHaveiró? Ela verifica muito bem o que vai entrar na sua boca, mas será que ela verifica muito bem o que vai sair da sua boca? Será que ela pensa muitas vezes antes de dizer algo, para checar se não dirá nada que possa ofender ou machucar os outros?
Há um importante comentário do Ramban (Nachmânides, Espanha, 1194 – Israel, 1270), e muito conhecido por todos, sobre o versículo “Sejam sagrados” (Vayikrá 19:2). Ele ensina que daqui aprendemos que não é suficiente apenas cumprir as Mitzvót “ao pé da letra”. Para fazermos a nossa Avodat Hashem da maneira correta, devemos nos esforçar para atingir cada vez níveis maiores de proximidade com D’us, tentando melhorar a cada dia nossos atos. Mesmo as Mitzvót que nós já cumprimos, podemos tentar fazer um pouco melhor e de forma um pouco mais cuidadosa. Mas há outro comentário do Ramban que, apesar de ser igualmente importante, não é tão conhecido. Ele aprende do versículo “E você deve fazer o que é correto e bom aos olhos de D’us” (Devarim 6:18) que também no nosso relacionamento com as outras pessoas não devemos apenas cumprir a lei “ao pé da letra”, e sim fazer até mais do que é exigido de nós. Portanto, segundo o Ramban, para a pessoa realmente fazer a sua Avodat Hashem da maneira correta, antes de tudo ela deve perceber que D’us espera de nós que possamos tratar as pessoas com o máximo nível de sensibilidade.
Explica o Rav Zelig Pliskin que D’us exigiu que parte importante da sustentação do Mishkan fosse feita com as madeiras que Avraham Avinu plantou por bondade para nos lembrar de que, mesmo quando estamos fazendo nossa Avodat Hashem com o máximo empenho, mesmo que seja uma Mitzvá tão especial e sagrada quanto a construção do Mishkan, a Morada de D’us, não podemos esquecer de ter compaixão pelas outras pessoas, que foram criadas à imagem e semelhança Dele. A barra central do Mishkan é um lembrete eterno de que há dois pilares na nossa Avodat Hashem: Bein Adam LaMakom e Bein Adam LeHaveiró. O segredo para alcançar a perfeição é o equilíbrio, isto é, mesmo nos momentos de maior devoção a D’us, não se esquecer das nossas obrigações com as outras pessoas.