Esforço demais não compensa

“Quando Fernando viu o vendedor ambulante passando pela praça central da pequena cidade onde ele morava, ficou curioso. O que será que ele trazia naquele enorme barril? Ele viu então que uma fila de pessoas se formou, e cada um trazia utensílios de vidro na mão. Aquele vendedor trazia azeite puro, e passava de cidade em cidade com seu barril, vendendo azeite para os moradores.

Fernando começou a prestar atenção em tudo o que aquele vendedor fazia. O comprador se aproximava, posicionava seu utensílio sob o barril, e o vendedor abria uma pequena torneira, vertendo azeite e enchendo o recipiente do comprador. E assim ele fazia para cada um dos clientes que estavam na fila.

Fernando se achava uma pessoa muito sábia e, por isso, ficou inconformado com a falta de tino comercial daquele vendedor ambulante. Ele se aproximou do vendedor e perguntou:

– Meu amigo, estou vendo que você não conhece nada sobre negócios. Você não quer uma ajudinha para dobrar seu lucro?

O vendedor se empolgou. Será que aquele homem lhe daria alguma ideia genial? Então Fernando abriu um grande sorriso e falou:

– É muito simples. É só você colocar mais uma torneira no seu barril. Assim, sua produção dobrará…”

Parece uma grande piada, mas ensina o Chafetz Chaim que assim se comporta aquele que pensa que dobrar seu esforço no trabalho, mesmo às custas de seu tempo fixo para se dedicar à espiritualidade, lhe renderá realmente algum lucro.
 


Uma das Mitzvót mais importantes dentro do judaísmo é a Emuná (fé), saber que tudo está nas mãos de D'us e que a vontade Dele sempre prevalece, como dizemos todos os dias na reza da manhã: “Muitos são os pensamentos no coração do ser humano, mas a vontade de D'us sempre se cumpre”. Isto significa que muito do que ocorre em nossas vidas já está definido nos mundos espirituais. O próprio Talmud (Torá Oral) afirma que se uma pessoa será rica ou pobre já está decretado desde o momento do seu nascimento. Mas se é assim, então podemos cruzar os braços e não fazer mais nada? Se nosso sustento já está decretado espiritualmente, então não é preciso nenhum tipo de esforço para obtê-lo?

A resposta está na Parashá desta semana, Re'eh. Quando a Torá ensina as leis sobre a libertação de um escravo após 6 anos de trabalho, termina com as seguintes palavras: “E que D'us te abençoe em todas as coisas que você fizer” (Devarim 15:18). Ensina o Midrash Sifri (Torá Oral) que daqui aprendemos que D'us nos abençoa “nas coisas que você fizer”, isto é, se a pessoa não fizer nada, então não receberá nenhuma Brachá (benção) de D'us. As Brachót são como a chuva que cai do céu. Se a pessoa preparou utensílios para armazenar a água, ela poderá aproveitá-la depois. Mas se a pessoa não fez nenhum preparativo, a chuva cai e se perde, e a pessoa não consegue ter nenhum proveito. Portanto, a Brachá é de D'us, mas o nosso esforço é necessário, pois com ele criamos os utensílios que guardarão as Brachót.

Há um paralelo muito forte entre as instalações hidráulicas de um edifício e as Brachót de Hashem. Quando um edifício é construído, uma das principais preocupações do engenheiro deve ser com a caixa d'água, para que todos os moradores possam ter suas torneiras abastecidas sempre que necessitarem. Mas não é suficiente apenas construir um grande reservatório de água. Se não forem construídas tubulações, nas especificações e dimensionamentos corretos, esta água não consegue chegar às residências. No caso das tubulações estarem incorretas ou ausentes, mesmo que a caixa d'água esteja completamente cheia, os moradores não conseguirão utilizar nem mesmo uma gota de água.

Da mesma forma, sabemos que tudo depende de D'us, e Ele poderia nos mandar qualquer bondade mesmo sem nenhum tipo de esforço de nossa parte, pois Ele é como uma grande caixa d'água, cheio de Brachót para nos mandar. Mas a vontade de D'us é que o ser humano se esforce e, através de seus atos, construa uma “tubulação espiritual” pela qual fluirá todas as Brachót enviadas por Ele, a Fonte de toda a bondade. Através do seu esforço, o ser humano pode se conectar com seu Criador. Quando um agricultor precisa plantar para receber seu sustento, ele levanta seus olhos ao céu e pede a D'us que seu esforço não seja em vão. Quando um empresário trabalha, ele eleva seus olhos a D'us e pede para que seus investimentos sejam bons.

Explica o Rav Yossef Chaim Zonenfeld que daqui aprendemos um importante fundamento. Apesar da Emuná ser um dos principais fundamentos no nosso relacionamento com o Criador, não podemos nos esquecer de que é necessário fazer a nossa parte, nos esforçar para que o sustento e todas as outras Brachót de D'us possam chegar até nós. 

Mas a verdade é que o perigo está do outro lado: o esforço que vai além da necessidade. Antes de fazer qualquer atitude em relação ao seu sustento, a pessoa deve colocar no coração que nenhum esforço servirá para aumentar suas entradas, nem mesmo um centavo a mais do que já estava espiritualmente decretado. Como nas instalações hidráulicas, as tubulações não produzem água, apenas trazem a água que já estava armazenada na caixa d'água. Se esquecermos disso, corremos o terrível perigo de cometer a idolatria de “minha força e o esforço dos meus braços trouxeram esta riqueza”.

Este aprendizado, de que D'us nos manda tudo o que precisamos e que qualquer esforço a mais é desnecessário e até mesmo negativo, recebemos dos nossos antepassados. O povo judeu aprendeu esta lição durante os 40 anos em que receberam o Man, a comida que caía do céu para alimentá-los todos os dias. Todo aquele que pegava um pouco mais de Man do que era necessário, para guardar para o dia seguinte, percebia que o que havia sido guardado apodrecia. Todo aquele que saía no Shabat para procurar Man se esforçava, mas não encontrava nada. Isto ensinou ao povo judeu que tudo o que precisamos vem de D'us, e que devemos fazer nosso esforço para receber. Porém, não é qualquer esforço, e sim apenas o esforço da maneira correta, conforme Ele nos pediu.

E o que é o esforço correto? Isto é muito particular, cada pessoa deve fazer seus cálculos de acordo com a sua Emuná, do quanto ele coloca no coração que tudo vem de D'us, independentemente do seu esforço. Mas há situações claras em que o esforço é certamente indesejado por D'us, é como uma tubulação feita com o material ou o dimensionamento incorreto. Ensina o Chazon Ish que o esforço serve apenas para despertar a misericórdia Divina, mas que a Tefilá (reza) faz isto de uma maneira muito mais eficiente. Portanto, aquele que perde uma reza para ganhar um pouco mais de dinheiro certamente está investindo suas forças da maneira incorreta. Também aquele que troca seus horário fixos de estudo da Torá em busca de sustento certamente não está abrindo o canal correto de conexão com D'us através do seu esforço.

D'us pode e quer nos mandar uma infinidade de Brachót, mas Ele quer que façamos a nossa parte. Mas da mesma forma que a tubulação da caixa d'água não pode ser feita com qualquer material, assim também devemos saber que para construir nossa “tubulação espiritual” não serve qualquer tipo de esforço. Viemos para este mundo para crescer espiritualmente e, portanto, desprezar nossos momentos de crescimento para tentar ganhar mais dinheiro é certamente um péssimo investimento. Somente quando elevarmos nossos olhos para D'us e confiarmos Nele de todo o coração é que conseguirem receber todas as Brachót que Ele guarda para nós. Pois mais do que nós queremos receber as Brachót, Ele quer nos mandar.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm
 

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