“O primeiro dia de aula era sempre o mais esperado pelos alunos do 4º ano. A senhora Dália, a professora, distribuía aos alunos tarefas pelas quais eles seriam responsáveis durante o ano todo, tais como preparar os livros para as aulas, manter o relógio da sala de aula sempre pontual, limpar a lousa ou cuidar de um dos animais de estimação da turma. Como algumas tarefas eram mais interessantes, as crianças ficavam ansiosas para saber quem seriam os escolhidos para serem responsáveis por elas. Porém, a distribuição não era aleatória. A senhora Dália levava em consideração quais alunos tinham sido mais responsáveis no ano anterior e estas crianças eram as que recebiam as tarefas de maior responsabilidade.
Entre os melhores alunos, Sara certamente se destacava. Era uma garota boazinha e tranquila, e durante o ano anterior havia sido uma aluna exemplar. Todas as crianças sabiam que Sara era a favorita para receber a melhor tarefa. Porém, naquele ano houve uma grande surpresa. Cada criança recebeu sua tarefa, mas a tarefa de Sara foi muito diferente do que ela esperava. Ela recebeu uma pequena caixa, contendo um pouco de areia e algumas formigas. Sua função era cuidar do bem estar daquelas formigas e acompanhar o seu desenvolvimento.
A decepção de Sara era visível em seu rosto. Ao perceber, a senhora Dália tentou animá-la, insistindo que aquelas formigas eram especiais, mas Sara estava muito triste. E o pior foi o comportamento de alguns dos seus colegas. Sara podia ver o risinho de contentamento no rosto deles, como se estivessem dizendo: “agora você vai sentir o que nós sentimos”. Pareciam felizes com a tristeza dela.
Uma das melhores amigas de Sara, vendo a tristeza nos olhos dela, encorajou-a a não cuidar das formigas, como uma forma de protesto contra a professora. No entanto, Sara era uma menina muito responsável. Ela escolheu ignorar as risadinhas e o desprezo dos seus colegas por sua tarefa aparentemente sem importância. Ela estava decidida a transformar aquela tarefa em algo especial. Sara começou a pesquisar tudo sobre aquela espécie de formiga. Acabou aprendendo também sobre as diferentes espécies e os detalhes de cada tipo de habitat natural. Ela modificou a pequena caixa para torná-la mais adequada às necessidades das formigas, procurou os melhores alimentos e ajudou-as a se desenvolverem bem mais do que a professora esperava. Um dia, quando os alunos estavam na sala de aula, um homem desconhecido abriu a porta. Pelas roupas, parecia ser alguém importante. A senhora Dália interrompeu a aula e, com grande alegria, disse:
– Crianças, este é o Sr. Martin. Ele é o Ministro da Educação e veio nos dar uma notícia maravilhosa. Inscrevi o trabalho da Sara com as formigas em uma Feira de Ciências nacional, representando a nossa escola, e o resultado da competição saiu ontem. Nossa escola foi a vencedora e o prêmio é que a nossa classe participará de uma viagem para uma floresta tropical, para podermos passar uma semana pesquisando sobre todos os tipos de insetos. Parabéns, vocês serão assistentes de pesquisa.
Os alunos pularam de alegria. Todos cumprimentaram a senhora Dália pela iniciativa de inscrever a escola na Feira de Ciências. Mas os maiores agradecimentos foram para Sara, por ter sido tão responsável. Foi assim que Sara e as outras crianças aprenderam a ter responsabilidade mesmo em tarefas aparentemente menos importantes. Além disso, aprenderam que devemos estar contentes com o que temos, sem invejar os outros e sem nos preocuparmos com o que os outros pensam sobre as nossas conquistas. Naquele dia, as crianças daquela escola aprenderam a receita da alegria verdadeira.
Vimos na Parashá da semana passada o início da história de Yossef. Após ter sido vendido como escravo por seus irmãos, Yossef chegou à casa de Potifar, um ministro do Faraó. Ele foi injustamente acusado de atacar a esposa de Potifar e foi mandado para a prisão. Lá, ele conheceu o padeiro-chefe e o copeiro-chefe, pois ambos haviam transgredido contra o Faraó e haviam sido enviados para a prisão. Certo dia eles tiveram sonhos estranhos, que foram interpretados por Yossef: o padeiro-chefe receberia pena de morte em três dias, enquanto o copeiro-chefe seria perdoado em três dias e voltaria às suas funções no palácio do Faraó. E assim aconteceu.
Já a Parashá desta semana, Miketz (literalmente “no fim de”), começa com um sonho perturbador do Faraó: “E o Faraó sonhou. E eis que ele estava ao lado do Nilo. E eis que do Nilo emergiram sete vacas de aparência bonita e de carne saudável, e estavam pastando no pântano. E eis que sete outras vacas emergiram do Nilo depois delas, feias e magras… e as vacas feias e magras comeram as sete vacas de aparência bonita e saudáveis, e o Faraó despertou” (Bereshit 31:1-4). Este sonho tirou o sono do Faraó e o deixou angustiado, mas nenhum de seus magos conseguia interpretá-lo. Então o copeiro-chefe lembrou-se de Yossef e a interpretação correta do seu sonho e do sonho do padeiro-chefe, e sugeriu ao Faraó trazê-lo ao palácio. Yossef foi imediatamente tirado da prisão e trazido diante do Faraó. Com inspiração Divina, Yossef interpretou corretamente o sonho do Faraó. O sonho tratava-se de uma revelação Divina ao Faraó sobre o que futuramente ocorreria ao Egito. Viriam sete anos de muita abundância e fartura, representados pelas vacas gordas e saudáveis, seguidos de sete anos de fome e escassez, representados pelas vacas feias e magras. Os anos de fome seriam tão terríveis, haveria tanta escassez, que as pessoas rapidamente esqueceriam os anos de fartura.
A maioria dos comentaristas da Torá entende que existe uma relação direta entre as vacas e a economia egípcia. Por se tratar de uma sociedade basicamente agrícola, o sucesso da economia egípcia era medido em relação aos seus rebanhos. A abundância resultava em animais bem alimentados, enquanto a escassez resultava em animais desnutridos. Rashi (França, 1040 – 1105), entretanto, foge desta explicação tradicional. De acordo com ele, a expressão “Yafot Marê”, que literalmente significa “de aparência bonita”, é uma alusão aos anos de abundância, quando as pessoas olharão uns aos outros de forma positiva e favorável. Diferente dos outros comentaristas, Rashi afirma que as vacas não representavam os rebanhos possuídos pelos egípcios, e sim os próprios egípcios. Mas de acordo com esta explicação de Rashi, como entendemos a continuação do versículo, que diz que as vacas tinham uma carne saudável? E o que levou Rashi a “fugir” da explicação tradicional?
Explica o Rav Yohanan Zweig que o termo utilizado pela Torá para abundância é “Sôva”. Rashi entende que esta expressão não se refere apenas à abundância, o lado quantitativo, mas também ao contentamento, o lado qualitativo. O contentamento de uma pessoa não é medido apenas por seu nível econômico e pela quantidade de bens que ela possui, pois também depende muito do seu estado de espírito. Muitas pessoas, apesar de terem abundância, vivem tristes e deprimidas. Um exemplo deste fenômeno é a sociedade na qual vivemos. Muitas pessoas têm muito mais recursos do que jamais precisarão em suas vidas e mesmo assim estão infelizes. Um dos principais motivos é a inveja. Estas pessoas se incomodam tanto com o sucesso dos outros que acabam se esquecendo de aproveitar e valorizar suas próprias conquistas. Por isso, apesar de terem muito, nunca estão satisfeitos com o fruto do seu próprio trabalho. A inveja e a competição tiram a alegria de vida da pessoa. Por outro lado, se uma pessoa é capaz de ver o sucesso do seu companheiro de uma forma positiva e favorável, então isto é sinal de que ela está realmente contente com o que tem. É por isso que Rashi “fugiu” da interpretação tradicional, pois ele entende que a expressão “Sôva” significa uma época de contentamento, o que somente pode ocorrer quando as pessoas são capazes de ver com bons olhos o que os outros têm.
Esta explicação de Rashi é apoiada por um Midrash (parte da Torá Oral) que explica as palavras do versículo “e estavam pastando no pântano”. A palavra “pântano”, em hebraico “Achu”, vem da mesma raiz da palavra “Achvá”, que significa “irmandade”. O Midrash afirma que o conceito de “vacas de aparência bonita e saudáveis” se refere a uma época de amor e irmandade no mundo. Porém, uma pessoa somente consegue olhar com bons olhos o que o outro tem caso ela consiga olhar para si mesma de uma maneira saudável. O autorrespeito, acompanhado da habilidade de medir nosso valor de acordo com os nossos próprios esforços e conquistas, nos dá a segurança para podermos participar da alegria e do sucesso dos outros. Isto está representado nas palavras “carne saudável”, que se refere a uma pessoa que está com boa disposição e vê a si mesma de uma maneira saudável e positiva. O autorrespeito e a boa autoestima trazem amor e irmandade ao mundo. Por outro lado, se uma pessoa não tem respeito por si mesma, se não tem uma boa autoestima, somente conseguirá medir suas próprias conquistas comparando com as conquistas dos outros. Assim, ela estará sempre se sentindo ameaçada pelo sucesso dos outros e, portanto, nunca se alegrará, nem com o sucesso dos outros e nem com o seu próprio sucesso. Isto gera inveja, desavenças e desunião.
A Parashá Miketz sempre coincide com a Festa de Chánuka, pois a luta do povo judeu contra os gregos está fortemente conectada com este conceito ensinado na Parashá. Parte da herança da cultura Helenista, transmitida pelos gregos ao mundo inteiro, é a valorização do material sobre o espiritual, do corpo sobre a alma. As pessoas pensam atualmente que o nosso verdadeiro valor é definido pelo que temos, não pelo que somos. Isto cria uma sociedade doente, com pessoas infelizes que não conseguem se alegrar com as conquistas dos outros por se sentirem ameaçadas, como se estivessem em constante competição. Somente quando tivermos a tranquilidade de saber que cada um tem a sua própria missão e suas ferramentas, entregues por D'us sob medida, e que não devemos nos comparar com ninguém, então poderemos nos alegrar, não apenas com as nossas conquistas, mas também com as conquistas dos outros. Desta maneira, mais uma vez teremos vencido a escuridão dos gregos.