Parashat Achrei Mot

Garantindo um bom lugar

“A filha do homem mais rico daquela pequena cidade ficou noiva. Todos os moradores da cidade se alegraram muito, em especial pois sabiam que a festa de casamento seria grandiosa e inesquecível. Uma das pessoas mais ricas e importantes da cidade era Joseph, o banqueiro. O dono da festa, querendo demonstrar seu apreço por Joseph, enviou um funcionário, muito bem vestido, para convidá-lo pessoalmente. No dia da festa, Joseph chegou ao salão vestindo seu terno mais elegante. Quando o dono da festa soube da chegada de Joseph, foi pessoalmente recebê-lo na porta, dando-lhe muitas honrarias. Após agradecer imensamente a sua presença, o dono da festa levou-o para se sentar em uma mesa especial, em um lugar de honra reservado apenas para as pessoas mais importantes da cidade.
 
Mas esta não foi a sorte de Levi, um dos pobres da cidade que pedia esmolas de porta em porta. Quando ele soube da festa, se animou muito, apesar de nem mesmo ter sido pessoalmente convidado. Ele sabia que o dono da festa era um homem generoso e que mesmo os pobres eram bem-vindos em suas festas. Quando Levi chegou ao salão, vestindo suas roupas velhas e rasgadas, não foi recebido por ninguém. Não foi chamado para se sentar nem mesmo nas mesas onde ficavam os convidados mais simples. Levi ficou de pé, em um canto do salão, junto com os outros pobres da cidade, avançando sobre todos os restos de comida que os garçons levavam de volta para a cozinha”.
 
Explicam os nossos sábios que esta será a diferença no Mundo Vindouro entre os que chegarem “ricos”, isto é, cheios de méritos espirituais, e os que chegarem “pobres”, isto é desprovidos de méritos espirituais. E devemos lembrar que enquanto a diferença entre ricos e pobres neste mundo material é por apenas alguns anos, a diferença no Mundo Vindouro será por toda a eternidade.

Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Acharei Mót (literalmente “Depois da morte”) e Kedoshim (literalmente “Sagrados”). A Parashá Acharei Mót descreve os serviços realizados pelos Cohanim no dia mais sagrado do ano, Yom Kipur, e traz a lista de muitos tipos de relacionamentos íntimos proibidos pela Torá. Já a Parashá Kedoshim traz uma série de Mitzvót, em especial “Bein Adam Lehaveiró” (entre a pessoa e seu semelhante), tais como ajudar os pobres, ser honesto nos negócios, não adulterar pesos e medidas e amar o próximo.
 
A Parashá Acharei Mót começa nos recordando sobre a trágica morte dos filhos de Aarão, que ocorreu justamente no dia da inauguração do Mishkan (Templo Móvel), por eles terem oferecido um incenso que D'us não havia ordenado. Quando estamos diante da morte, normalmente paramos para refletir. Será que estamos aproveitando bem a vida? Será que nossos esforços estão sendo bem aplicados? O que acontecerá conosco depois da nossa morte?
 
O judaísmo nos tranquiliza ao ensinar que a vida não termina com a morte, ao contrário, a morte é o início da nossa vida verdadeira, a vida espiritual eterna. Porém, há uma aparente contradição entre as fontes que falam sobre a nossa vida eterna. Um Tratado do Talmud (Sanhedrin 90a) afirma que “Todo judeu tem uma porção no Mundo Vindouro”, nos ensinando que todos nós já temos a vida eterna garantida. Porém, outro Tratado do Talmud (Nidá 73a) afirma que “Todo aquele que estuda Halachót (neste caso referindo-se às partes de transmissão oral da Torá) todos os dias, é garantido que ele será um “morador” do Mundo Vindouro”, nos ensinando que aquele que quer ter parte no Mundo Vindouro deve diariamente estudar Torá. Como entender esta contradição entre as duas citações do Talmud? Afinal, todos nós já temos automaticamente o Mundo Vindouro garantido ou é necessário estudar Torá todos os dias para garantir nossa porção no Mundo Vindouro?
 
A resposta está em um versículo da Parashá Acharei Mót: “E cuidem das Minhas leis e juízos, que o ser humano cumprirá e viverá com elas” (Vayikrá 18:5). Unkelos (Roma, 35 – Israel, 120), um grande sábio que foi responsável pela tradução de toda a Torá para o aramaico, traduz a expressão “Vechai Bahem” (E viverá com elas) como “Veiechei Behon Bechaiei Alma”, que significa “E viverá com elas a vida eterna”. Mas o que Unkelos nos ensina ao acrescentar palavras, explicando que o versículo não se trata da vida neste mundo, e sim no Mundo Vindouro?
 
Explica o Rav Israel Meir HaCohen (Bielorússia, 1838 – Polônia, 1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, que todas as criaturas, desde as mais baixas que vivem na Terra, como o ser humano e as outras criaturas abaixo dele, até as criaturas que vivem nos Céus, chamadas de “exército celestial”, que inclui até as criaturas espirituais mais elevadas, todos necessitam do “sustento” de D'us, como está escrito: “Você fez os Céus, e os Céus dos Céus e todos os seus exércitos. A terra e tudo o que está contido nela, os mares e tudo o que está contido neles. E Você sustenta a todos eles” (Nechemia 9:6). Isto quer dizer quer todas as criaturas, sem distinção, necessitam do “sustento” de D'us para se manterem. A diferença está no tipo de “alimento” que cada criatura necessita. Enquanto as criaturas que vivem na Terra dependem de alimentos materiais para se manterem vivas, as criaturas que vivem nos Céus dependem de um alimento espiritual refinado, como está escrito: “O ser humano comeu o pão dos poderosos” (Tehilim 28:25). Rashi (França, 1040 – 1105) explica que “pão dos poderosos” trata-se do alimento dos anjos.

Portanto, desta explicação do Chafetz Chaim aprendemos que a nossa Neshamá (alma), que é completamente espiritual, também precisa de um alimento para o momento em que ela se desconectar do nosso corpo. Os alimentos do mundo materiais não podem alimentar a nossa Neshamá, pois ela é espiritual e eterna e, portanto, necessita de um alimento espiritual para se saciar. Por isso D'us nos deu a Torá, que também é eterna, e através do seu cumprimento podemos despertar a Luz de D'us sobre nossa Neshamá. Esta Luz nos traz um imenso prazer espiritual, como explica o Talmud (Brachót 17a): “No Mundo Vindouro não haverá comida nem bebida… ao invés disso, os Tzadikim se sentarão, com suas coroas sobre suas cabeças, e terão prazer do brilho da Presença Divina”. Este prazer é muito maior do que qualquer prazer limitado do mundo material e é isto o que alimentará nossa Neshamá por toda a eternidade.
 
É isto que dizemos quando pronunciamos a Brachá justamente depois da leitura da Torá em público: “E a vida eterna Você plantou dentro de nós”. D'us plantou dentro do povo judeu algo que poderemos “colher” no Mundo Vindouro e viver para sempre. Esta força vital espiritual não trará apenas vitalidade eterna para a Neshamá, mas também para o corpo, como afirma o Talmud (Ketubot 111a) que a Luz da Torá também dará vida eterna ao nosso corpo no Mundo Vindouro. Porém, infelizmente este não será o destino dos ateus e daqueles que dedicarem suas vidas às idolatrias, pois não estão “plantando” nada neste mundo e não terão o “sustento” necessário para a vida eterna. Por isso, enquanto suas almas estiverem conectadas aos seus corpos, a pessoa será alimentada pelo alimento do corpo. Porém, no momento em que a alma se desconectar do corpo, não terá mais nenhum tipo de “alimento” para manter sua vitalidade e, portanto, deixará de existir.
 
Esta é a explicação das palavras do versículo da nossa Parashá: “E cuidem das Minhas leis e juízos, que o ser humano cumprirá e viverá com elas”. Somente o cumprimento das Mitzvót da Torá poderá garantir a nossa vida verdadeira, a vida eterna no Mundo Vindouro. E isto explica as lindas palavras que pronunciamos diariamente em Arvit (Tefilá da noite), imediatamente antes da leitura do Shemá Israel: “Um amor eterno pelo povo judeu, Teu povo, Você amou. Torá e Mitzvót, leis e juízos, Você nos ensinou… Pois esta é a nossa vida e a longevidade dos nossos dias”. Como o amor de D'us é um amor eterno, então Ele nos deu a Torá, para que sua Luz possa nos dar vitalidade para sempre. Pois a vida eterna é a vida verdadeira, e com a Torá nossa vida limitada e finita no mundo material se alonga e se transforma em vida eterna.
 
Da mesma forma que o pão é o alimento para o corpo, a Torá é o alimento para a nossa Neshamá, como ensina Shlomo HaMelech: “Venha, coma do Meu pão e beba do vinho que Eu misturei” (Mishlei 9:5). “Pão” é uma alusão às Halachót (Leis) que estão na Torá, enquanto “vinho” é uma alusão aos segredos que estão ocultos dentro da Torá, como o vinho que está escondido dentro das uvas. Da mesma forma que a pessoa coloca todos os seus esforços para conseguir seu sustento, com o objetivo de conseguir dinheiro para ao menos comprar pão para manter seu corpo, para que não se enfraqueça e não se encurtem seus dias, muito maior deve ser seu esforço para preparar o alimento de sua Neshamá, através do cumprimento da Torá e das Mitzvót, para que quando termine seu tempo de vida neste mundo sua Neshamá não deixe de existir.
 
É muito grande o mérito do estudo de Torá, como ensinam os nossos sábios (Mishná Peá 1:1): “Estas são as coisas que a pessoa já come os frutos neste mundo, mas o “fundo” fica guardado para ela para o Mundo Vindouro: Honrar os pais, Fazer Chessed (bondade), Trazer a paz entre a pessoa e seu companheiro; e o Estudo da Torá é equivalente a todos eles juntos”. Apesar de a lista conter Mitzvót importantes, vemos o incrível valor do estudo da Torá. Um dos principais motivos desta afirmação é trazida pelo Rav Eliahu (Lituânia, 1720 – 1797), mais conhecido como Gaon MiVilna. Quantas vezes podemos fazer Chessed ou fazer paz entre duas pessoas que brigaram? Poucas vezes por dia. Mas o estudo da Torá é algo que pode nos trazer méritos incríveis, pois cada palavra e palavra é uma Mitzvá por si só. Por isso, através do estudo da Torá podemos aumentar os nossos méritos de forma quase infinita.
 
Mas precisamos saber que o principal objetivo do estudo da Torá deve ser o estudo que leve aos atos. Através do estudo das Halachót a pessoa garante a sua vida eterna. Como na história do rico e do pobre na festa, apesar de todos terem uma porção garantida no Mundo Vindouro, aqueles que estudam Halachót todos os dias e, portanto, cumprem as Mitzvót da maneira correta, está garantido que estarão no Olam Habá como convidados de honra. O mesmo não ocorre com aqueles que não estudam Halachót e, portanto, não cumprem as Mitzvót da maneira correta. Elas também estarão no Mundo Vindouro, mas como pobres, envergonhados no canto do salão de festas, comendo apenas os “restos”. Portanto, apesar de estar garantido que teremos uma parte no Mundo Vindouro, vale a pena se esforçar nesta vida para que possamos ter uma boa porção guardada para nós.  

Shabat Shalom

R' Efraim Birbojm

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