Duas pessoas fizeram uma aposta. Aquele que conseguisse fazer o sábio Hilel, um dos maiores sábios de sua geração, ficar nervoso, receberia a quantia de 400 moedas. Um dos homens aceitou imediatamente a aposta e imaginou uma maneira de irritar Hilel. O que ele fez? Na tarde de sexta-feira, véspera de Shabat, Hilel estava ocupado, lavando a cabeça. Então aquele homem passou pela porta de sua casa e gritou de forma desrespeitosa: “É aqui que vive aquele tal de Hilel?”. Imediatamente o sábio interrompeu seu banho, vestiu-se, saiu e disse humildemente: “Meu filho, eu sou Hilel. Em que posso te ajudar?”. O homem fez uma pergunta extremamente tola, cuja resposta certamente não era necessária naquele momento. Mas Hilel não se alterou. Disse, com um sorriso no rosto, que aquela era uma excelente pergunta, e deu a resposta.
Algum tempo depois, quando Hilel havia recomeçado a lavar seu cabelo, o homem voltou. Novamente chamou Hilel de uma maneira depreciativa e, fazendo-o sair mais uma vez do banho, fez outra pergunta estúpida. Mas novamente Hilel não se alterou, ao contrário, elogiou a pergunta e deu a resposta com um largo sorriso. E assim o homem repetiu mais algumas vezes a mesma tentativa, mas não obteve sucesso em irritar Hilel.
Na última tentativa, o homem já estava visivelmente irritado. Ele disse: “Eu tenho muitas perguntas a fazer, mas temo que você possa irritar-se com tantas perguntas”. Então Hilel sentou-se ao seu lado, com muita tranquilidade e paciência, e incentivou-o a perguntar tudo o que quisesse. Já sem paciência, o homem começou a blasfemar o grande sábio Hilel. Ainda mantendo a mesma tranquilidade de sempre, Hilel perguntou o motivo daquela agressividade. O homem explicou que Hilel o havia feito perder 400 moedas por não ter conseguido irritá-lo. Então Hilel afirmou:
– Vale a pena que você perca 400 moedas, e perca mais 400 moedas, para que saiba que nunca conseguirá fazer Hilel ficar nervoso” (Adaptado do Talmud, Tratado de Shabat 30b)
Da mesma forma que Hilel conseguia manter a calma e a paciência mesmo nas situações mais estressantes, assim devemos nos esforçar para manter sempre a calma e a tranquilidade. Pois a raiva nos faz perder o controle, enquanto a paciência nos faz sermos donos verdadeiros dos nossos atos.
********************************************
A Parashá desta semana, Ki Tissá, descreve uma das maiores tragédias que ocorreu na história do povo judeu: o “Chet HaEguel” (Pecado do bezerro de ouro). 40 dias após D'us ter se revelado para os judeus no Monte Sinai, o povo fez um bezerro de ouro, deixando D'us furioso.
O que os levou a fazer este erro tão grave? Moshé avisou ao povo que subiria no Monte Sinai para receber a Torá e desceria dentro de 40 dias. Mas como houve uma falha na contagem, o povo achou que Moshé estava demorando demais e imaginou que ele tinha morrido. Então o povo se desesperou e fez o bezerro de ouro, não como um novo deus, mas como um intermediário entre eles e D'us, pois acreditavam que a presença de D'us era algo tão poderoso que somente através de um intermediário conseguiriam se comunicar com Ele.
Apesar das boas intenções, isto foi considerado uma transgressão tão grave que D'us decidiu destruir todo o povo judeu, como Ele anunciou para Moshé: “E agora Me deixe e Minha fúria queimará sobre eles e Eu os destruirei, e Eu farei de você um povo grande” (Shemot 32:10). Em um primeiro momento Moshé achou que não adiantava nem mesmo rezar pelo povo, mas quando escutou que D'us disse “Me deixe”, entendeu que o destino do povo judeu estava em suas mãos.
Moshé então nos ensinou a força da Tefilá (reza). Ele subiu novamente no Monte Sinai e, por 40 dias, implorou pelo perdão de D'us, e não desceu até que D'us garantisse que perdoaria o povo. Moshé subiu no Monte Sinai pela terceira vez, onde permaneceu mais 40 dias recebendo novamente a Torá. E nesta terceira vez, D'us ensinou a ele como evitar futuras tragédias no povo judeu, como a do bezerro de ouro, que quase causou a destruição de todo o povo. D'us ensinou a Moshé como rezar e o que pedir em momentos de dificuldades. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que diz que D'us se cobriu com um Talit, passou diante de Moshé e pronunciou os “13 Atributos de Misericórdia” que estão escritos na Parashá: “Hashem, Hashem, D'us Misericordioso e Gracioso, Devagar em se irritar e Abundante em Bondade e Verdade. Guarda a bondade por milhares de gerações, Perdoa nossos erros, Pecados intencionais e Transgressões, e Ele limpa” (Shemot 34:6,7).
O que significa que D'us se cobriu com um Talit? Quando alguém veste seu Talit, cobre com ele a cabeça, bloqueando as interferências externas. D'us ensinou a Moshé que assim deve ser nossa Tefilá, não uma conversa com as paredes ou com o Sidur (livro de rezas), mas com o Criador do Universo. É uma grande oportunidade e, portanto, deve ter foco e concentração. Além disso, os “13 Atributos de Misericórdia” são uma forma de suplicar a D'us para que Ele seja misericordioso conosco e que nossos erros não sejam punidos de forma muito severa. Por isso pronunciamos repetidas vezes estas palavras em momentos delicados, como em Rosh Hashaná e Yom Kipur, quando nossas vidas estão em jogo.
Há um comentarista da Torá chamado Alshich que acrescenta algo muito interessante. Ele diz que não é suficiente apenas pronunciar os “13 Atributos de Misericórdia”, temos que nos comportar com estas mesmas características, pois D'us se comporta “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), isto é, da maneira como nos comportamos aqui embaixo, assim despertamos a misericórdia nos mundos superiores. Por isso, se esperamos que D'us nos trate com misericórdia, então também devemos nos comportar em relação aos outros com muita misericórdia.
Mas como fazer isso na prática? Como se comportar com a misericórdia de D'us em nossos atos cotidianos? O Rav Moshe Cordovero, um famoso Cabalista que viveu há cerca de 500 anos, escreveu um interessante livro chamado “Tomer Dvora”, que nos explica o que significa cada um dos Atributos de Misericórdia de D'us e como nos comportar como Ele.
Um exemplo é o primeiro Atributo, que nos ensina sobre a paciência de D'us, que é chamado pelos anjos de “Rei humilhado”. Por que? Pois D'us tem conhecimento e controle sobre tudo, ninguém levanta um dedo se D'us não permitir. É Ele quem nos dá a força para fazermos qualquer coisa. Portanto, toda vez que alguém comete uma transgressão, está fazendo um ato contra D'us utilizando Sua própria força.
E por que D'us permite que isto aconteça? Não é porque Ele não tem poder de impedir os maus atos da pessoa. Ele poderia facilmente paralisar imediatamente os braços e as pernas do transgressor. Mas Ele não faz isso por misericórdia. Ele é paciente, Ele prefere passar a enorme humilhação da pessoa utilizar a Sua força contra Ele mesmo apenas para dar a chance ao transgressor de se arrepender. Apesar da humilhação que precisa aguentar, D'us é misericordioso e paciente conosco.
Ensina o livro Tomer Dvora que se queremos que D'us se comporte assim conosco nos momentos em que precisamos de Sua misericórdia, então assim devemos nos comportar com nossos companheiros. Quando alguém faz algo que nos irrita, devemos ter paciência. Mesmo que alguém nos humilhe, devemos ter misericórdia. Pois quando nós “humilhamos” D'us, Ele tem muita paciência conosco.
Diz o Rav Moshe Cordovero que através dos “13 Atributos de Misericórdia” podemos nos assemelhar ao Criador. Quando despertamos a força de Misericórdia Celestial, não fazemos um bem apenas para nós mesmos, mas fazemos com que esta Misericórdia brilhe sobre o mundo inteiro. Portanto, em um instante de autocontrole, quando seguramos nossa raiva e temos paciência com alguém que nos ofendeu, podemos estar beneficiando o mundo inteiro. Precisamos nos esforçar para atingir este elevado nível espiritual, pois enquanto o fruto da raiva é o arrependimento, o fruto da paciência é trazer luz para o mundo inteiro.