“Em uma época na qual os judeus eram proibidos de exercer trabalhos tradicionais, Moishe, um ator judeu desempregado, estava desesperado à procura de um trabalho. Foi quando ele viu, no cantinho do jornal, um pequeno e muito discreto anúncio. Um macaco, a principal atração do zoológico local, tinha morrido, e o zoológico estava procurando um ator para substituí-lo. Eles não queriam substituí-lo por outro macaco, pois as pessoas pagavam para ver suas palhaçadas originais, o que nenhum outro macaco faria. O zoológico não havia nem anunciado publicamente que o macaco tinha morrido por medo de perder visitantes.
Moishe fez o teste, foi contratado e fez um trabalho fantástico como macaco. Nenhum dos visitantes suspeitou que se tratava de um homem fantasiado. Moishe estava tão à vontade em seu papel que, com o passar do tempo, começou realmente a achar que era um macaco. Porém, certo dia, durante uma apresentação, Moishe se balançou forte demais em uma corda e saiu voando por cima da jaula, em direção à jaula do leão. Ele caiu a meio metro de distância de um leão com dentes muito afiados. Paralisado de medo, o susto fez com que Moishe “acordasse” e lembrasse que ele não era um macaco. Mas a única coisa que conseguiu fazer foi gritar “Shema Israel”. O leão olhou para ele e respondeu “Hashem Elokeinu, Hashem Echad”. Moishe reconheceu aquela voz. Curioso, ele perguntou:
– Shimi, é você?
– Sim, sou eu. É você, Moishe?
Antes que Moishe pudesse responder, a zebra na jaula ao lado sussurrou:
– Ei, pessoal, falem baixo ou todos nós perderemos nossos empregos…”
Vivemos em uma época de tanta confusão espiritual que não sabemos nem mesmo quem somos de verdade e qual é o nosso papel no mundo. Infelizmente perdemos nossa identidade e nos assimilamos. Então algumas vezes D'us precisa nos chacoalhar, para nos despertar do nosso sono espiritual.
Nesta semana começamos o último livro da Torá, Devarim, que consiste basicamente do discurso de despedida de Moshé antes da entrada do povo judeu em Israel. Este discurso é fortemente marcado por duras críticas de Moshé, que fez questão de relembrar muitos dos graves erros que o povo cometeu durante os 40 anos em que permaneceu no deserto. A intenção da bronca de Moshé era fazer o povo refletir sobre os erros passados e aprender com eles, evitando repeti-los no futuro. E este é um dos motivos que a Parashá Devarim sempre coincide com uma das datas mais tristes do judaísmo, Tishá Be Av, que neste ano começa logo após o término do Shabat. Tishá Be Av é um dia de jejum e luto, no qual recordamos, entre outras grandes tragédias, a destruição dos nossos dois Templos Sagrados. Como as broncas de Moshé, a essência de Tishá Be Av também é despertar os judeus, levando-os a refletir sobre as transgressões que nós e nossos antepassados cometemos. Porém, será que entendemos realmente o que significa a perda do nosso Beit Hamikdash (Templo Sagrado)? Conseguimos sentir de verdade sua falta em nossas vidas?
Ao contrário de muitas gerações passadas, vivemos em uma época de muito conforto. Apesar do antissemitismo venenoso da mídia mundial, vivemos em uma época na qual não sofremos perseguições e podemos cumprir nosso judaísmo sem precisar nos esconder. Além disso, temos uma incrível abundância de alimentos e outros tipos de prazer. Vivemos em uma era tecnológica na qual tudo ficou mais fácil: horas de fila nos bancos foram substituídas por aplicativos de celular; viagens cruzando o oceano, que duravam meses, agora duram apenas horas; e o ato de cozinhar, que significava ficar horas diante de um fogão a lenha, agora se resume a apertar um botão do microondas.
Porém, com tudo mais fácil e abundante, sentimos que no fundo ainda falta alguma coisa. Pode ser uma confusão em relação aos nossos objetivos e a direção que nossa vida deve tomar, outras vezes é uma sensação de que ainda não conseguimos realmente atingir o nosso potencial, ou simplesmente um vazio incômodo, uma sensação de que a vida poderia e deveria oferecer mais. Um exemplo disso é a “crise da meia idade”, uma época na qual as pessoas começam a procurar respostas e normalmente não as encontram. Porém, muito antes da meia idade, este sentimento de vazio já começa a borbulhar dentro de nós, indicando que há algo errado ou faltando. Mas vamos ignorando este sentimento, deixando para depois. Somente quando a velhice se aproxima e nossa condição mortal é forçadamente recordada, este sentimento aflora com toda a sua força, causando depressão e desânimo. Mas o que está faltando, se temos vidas com tanto conforto e abundância? Por que não nos sentimos completos mesmo tendo tudo?
Há mais de dois mil anos o povo judeu tinha o Beit Hamikdash em Jerusalém, que constantemente nos recordava quem somos, qual é a nossa verdadeira importância e para onde estamos indo. O Beit Hamikdash era nossa verdadeira “bússola espiritual” e, apesar de ser uma construção física, era um conceito e uma realidade espiritual, uma manifestação física da conexão do povo judeu com D'us. Quando os judeus trazem moralidade e verdade ao mundo, que são características Divinas, então D'us traz Sua presença para este mundo. O próprio comando da Torá sobre a construção do Mishkan (Templo Móvel) reforça o conceito da conexão de D'us com cada judeu: “E façam para Mim um Santuário, e Eu morarei dentro deles” (Shemot 25:8). Não está escrito que D'us morará dentro do Santuário, e sim dentro do coração de cada pessoa que quiser estar conectada a Ele.
Além disso, nossos sábios ensinam que o Beit Hamikdash foi construído em um lugar muito especial, onde a criação do mundo começou. É o mesmo lugar em que Adam e Chavá (Adão e Eva) foram criados. Este também foi o lugar para onde Avraham levou seu filho para ser sacrificado para D'us, e onde Yaacov sonhou com uma escada que chegava até o Céu, na qual subiam e desciam anjos. De acordo com as fontes místicas, este é o lugar onde o Céu e a terra literalmente se tocam. Por isso, era justamente neste lugar que entendíamos quem nós éramos, e podíamos nos conectar ao nosso verdadeiro “eu”.
O Midrash (parte da Torá Oral) compara Israel a um olho, Jerusalém à sua pupila, e o Beit Hamikdash a um reflexo na pupila. O Midrash está identificando a Terra de Israel, Jerusalém e o Beit Hamikdash como lugares nos quais podemos alcançar níveis maiores de entendimento e iluminação espiritual. Mas por que a comparação do Beit Hamikdash com um reflexo no olho? Explica o Rav Simcha Barnett que há duas maneiras de ver nosso próprio reflexo em um olho. Uma maneira é através de um espelho, e outra maneira é olhando nos olhos de outra pessoa. Isto representa como o Beit Hamikdash ajudava o povo judeu a viver da maneira correta. O Beit Hamikdash era um espelho para onde podíamos olhar e enxergar a nós mesmos, e nos ajudava a entender quem éramos de verdade. Este espelho nos mostrava que fomos criados à imagem e semelhança de D'us, e nos motivava a viver de acordo com isso. E através desta claridade de quem éramos, estávamos prontos a perceber a Divindade que também havia em cada indivíduo, do mais simples ao mais importante. Podíamos olhar nos olhos dos outros e enxergar neles um pouco nós mesmos, e este reconhecimento permitiu o ponto de início da união verdadeira do povo judeu.
Mas quando nos afastamos das características Divinas, D'us também se afasta de nós. Uma das consequências de D'us se afastar do mundo é a perda do lugar onde Sua presença se manifestava. Quando o Beit Hamikdash foi destruído, o povo judeu ficou literalmente à deriva em um mar escuro e tempestuoso, como pouca orientação e estabilidade. A base de toda a alienação e da baixa autoestima que vemos atualmente no mundo tem sua raiz na destruição do Beit Hamikdash, e mais especificamente por termos “mandado D'us para o exílio” quando fomos exilados por causa das nossas transgressões. Quando uma pessoa verdadeiramente sabe e percebe que foi criado à imagem e semelhança de D'us, ela tem uma autoestima intrínseca. Nossos inimigos nunca conseguiram roubar nossa dignidade e nobreza, pois o judeu sempre soube que sua essência estava conectada a uma verdade que está acima da opressão dos outros povos. Porém, esta claridade já não existe mais.
Talvez seja até mesmo irônico pensar que vivemos em uma geração com poucas dificuldades físicas, e na qual não sofremos perseguições ou proibições de colocar em prática nosso judaísmo, e ao mesmo tempo somos uma geração completamente alienada, na qual perdemos a noção de quem somos de verdade. Esta angústia existencial que sentimos é consequência direta da destruição do Beit Hamikdash. O Beit Hamikdash era um lugar cuja luz deveria brilhar e iluminar o mundo inteiro. Os judeus têm a enorme responsabilidade de se tornar uma luz para as nações. Não podemos evitar nem tentar fugir do nosso destino, pois D'us nos deu uma força que é completamente desproporcional ao nosso número reduzido. É fácil perceber o quanto os judeus se sobressaem em todas as áreas, estão sempre na “linha de frente” da humanidade. Mas é uma pena que, sem nossa “bússola espiritual”, sem um direcionamento, este tremendo potencial acaba não sendo utilizado da maneira correta.
Somos os mensageiros de D'us para transmitir ao mundo uma mensagem significativa. Temos a responsabilidade de transmitir ao mundo valores como a dignidade do indivíduo, a justiça, a caridade e a paz, que darão ao mundo uma direção. Porém, o que acontece quando os mensageiros se perdem, deixam de entender a importância de sua mensagem e esquecem até mesmo que estão “sob contrato” com D'us? O que fazer quando a alienação é tanta que invertemos completamente nossa missão, a ponto de, ao invés de ensinar ao mundo nossos valores, nós é que estamos absorvendo e nos comportando com os valores do mundo?
Em Tishá Be Av devemos nos esforçar para sentir a dor de estarmos alienados, como indivíduos e como um povo. Em Tishá Be Av o remédio para nossa situação é através das lágrimas. O Talmud (Taanit 30b) afirma que aquele que chora lágrimas sinceras em Tishá Be Av terá o mérito de ver a reconstrução do Beit Hamikdash. Devemos chorar pelo povo judeu como um todo, que se desviou do caminho. Por nossos amigos e familiares que nunca puderam experimentar a santidade de um Shabat, a doçura do estudo da Torá ou uma vida de Mitzvót. E, principalmente, devemos chorar por nós mesmos, pois poderíamos e deveríamos esperar muito mais da nossa vida.
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm