O segredo da felicidade

Avraham, um importante mercador, enviou seu filho Yossef para aprender o segredo da felicidade com um homem muito sábio. Yossef andou durante vários dias pelo deserto até chegar ao topo de uma montanha onde vivia o sábio que ele buscava. Porém, ao invés de encontrar uma casa caindo aos pedaços e um homem recluso, vestindo farrapos e meditando sobre uma cama de pregos, Yossef encontrou um lindo palácio com intensa atividade. Pessoas entravam e saíam o tempo todo, alguns conversavam alegremente, uma pequena orquestra tocava melodias e havia uma farta mesa com as mais deliciosas iguarias. O sábio recebia pessoalmente todos os visitantes e Yossef teve que esperar por várias horas até chegar sua vez de ser atendido. Quando chegou o esperado momento, o sábio ouviu atentamente o motivo da visita de Yossef, mas, para a decepção dele, disse que naquele momento não tinha tempo para explicar-lhe o segredo da felicidade. Sugeriu que o rapaz desse um passeio pelo palácio e voltasse dentro de duas horas. O sábio entregou a ele uma colher de chá e pingou duas gotas de óleo. Pediu, por favor, para que ele carregasse aquela colher com o óleo enquanto caminhasse, cuidando para que o óleo não fosse derramado. Yossef começou a subir e descer as escadarias do palácio, mas muito tenso e concentrado, mantendo sempre seus olhos fixos na colher. Ao final de duas horas, retornou à presença do sábio.

– Então – perguntou-lhe o sábio – você viu as tapeçarias da Pérsia que estão na minha sala de jantar? Viu o jardim que o mestre dos jardineiros demorou dez anos para criar? Reparou nos belos pergaminhos de minha biblioteca?
 
Yossef, envergonhado, confessou que não havia visto nada. Sua única preocupação havia sido não derramar as gotas de óleo que o sábio havia dado a ele. O sábio então pediu para que ele desse uma nova volta e contemplasse as maravilhas do palácio. Yossef pegou a colher e voltou a passear pelo palácio, mas desta vez foi reparando em cada detalhe. Viu os jardins, as montanhas ao redor, a delicadeza das flores, o requinte com que cada obra de arte estava colocada em seu lugar. De volta à presença do sábio, relatou tudo o que havia visto.
 
– Mas onde estão as duas gotas de óleo que lhe pedi para que cuidasse? – perguntou o sábio.
 
Olhando para a colher, Yossef percebeu, envergonhado, que havia derramado o óleo.
 
– Este é o único conselho que tenho para lhe dar – disse o sábio, com um sorriso – O segredo da felicidade está em aproveitar as coisas do mundo, mas sem jamais esquecer seus verdadeiros objetivos. 

 

Nesta semana lemos a Parashá Ha'azinu, um cântico entoado por Moshé que expressa o reconhecimento da harmonia que há na Criação de D'us, demonstrando que o passado, o presente e o futuro se integram de maneira perfeita. E no próximo Domingo de noite (16/10) começa uma das festas mais alegres do ano, Sucót, também chamada pelos nossos sábios de “a época da nossa alegria”, na qual dormimos e comemos durante uma semana em uma “Sucá”, uma cabana cujo teto deve ser provisório, com materiais que crescem na terra, como bambus, folhas e galhos de árvores. Habitamos na Sucá para cumprir as palavras do versículo: “E vocês devem habitar em Sucót sete dias… para que seus descendentes saibam que em Sucót Eu fiz os Filhos de Israel habitarem quando Eu os tirei da Terra do Egito” (Vayikrá 23:42,43).
 
Na verdade, as “Sucót” nas quais os judeus habitaram após a saída do Egito é motivo de disputa entre os sábios do Talmud (Sucá 11b). Rabi Eliezer opina que a Sucá é uma lembrança das “Ananei Hakavód” (Nuvens de Glória), que envolveram e protegeram os judeus durante os 40 anos em que vagaram pelo deserto inóspito, enquanto Rabi Akiva opina que a Sucá é uma lembrança do povo ter habitado literalmente em cabanas quando estavam no deserto. Mas esta discussão não é apenas filosófica. Pelo fato do versículo dizer explicitamente o motivo de habitarmos na Sucá, então a pessoa deve estar consciente deste motivo no momento de cumprir a Mitzvá. O Rav Yaacov ben Asher (Alemanha, 1270 – Espanha, 1340), mais conhecido como Tur, escreve na Halachá (Lei Judaica) que devemos nos lembrar, no momento de fazermos a Brachá de “Leishev BaSucá” (Sentar na Sucá), que a Sucá é uma lembrança das “Ananei Hakavód”.
 
Porém, este ensinamento do Tur é um pouco problemático. A priori ele definiu que a opinião do Rabi Eliezer, de que a Sucá é em lembrança das “Ananei Hakavód”, prevaleceu sobre a opinião do Rabi Akiva, e que assim nós devemos fazer na prática. Porém, o Talmud (Eruvin 46b) afirma explicitamente que todas as vezes em que há uma discussão entre  Rabi Eliezer e Rabi Akiva, a Halachá é como Rabi Akiva. Como pode ser que o Tur aparentemente vai contra uma definição Haláchica do próprio Talmud, que é uma autoridade superior?
 
Outra questão interessante surge quando analisamos de forma mais profunda a opinião de Rabi Akiva. O que significa que o povo judeu vivia, na época em que estavam no deserto, em cabanas? Todos concordam que o povo judeu era protegido pelas “Ananei Hakavód” na época em que estava no deserto, inclusive o Rabi Akiva. Então, se já havia uma proteção sobrenatural ao povo judeu, qual era a necessidade de construir cabanas? 
 
Explica o Rav Elchanan Shoff que, apesar dos judeus realmente não precisarem de cabanas para o seu cotidiano, pois já viviam protegidos pelas “Ananei Hakavód”, eles necessitaram de cabanas nos momentos em que saíram da proteção das Nuvens. Por exemplo, quando saíram para guerrear contra os reis Sichón e Og. Portanto, de acordo com o Rabi Akiva, o que nós comemoramos em Sucót são as “cabanas de guerra” que o povo judeu fez quando enfrentou seus inimigos no deserto. Mas por que D'us definiu uma Festividade na qual nós comemoramos as “cabanas de guerra” que o povo judeu construiu em momentos específicos dos 40 anos no deserto? Qual é mensagem que estas cabanas nos transmitem?
 
A pergunta fica ainda mais complexa quando refletimos sobre a atitude do povo judeu. Quando soldados saem para a guerra contra seus inimigos, eles não constroem cabanas sobre a terra, por ser um alvo muito fácil, e sim constroem abrigos em trincheiras, abaixo do nível da terra. Qual é o sentido militar do povo judeu ter construído cabanas para ir à guerra? E se a nossa Sucá é uma recordação da “Sucá de guerra”, por que a construímos de maneira tão frágil, coberta com materiais pouco resistentes, como folhas de palmeiras e bambus? Não seria correto fazer uma construção reforçada?
 
Responde o Rav Chaim Halberstam zt”l (Polônia, 1830 – 1876), mais conhecido como “Rebe de Sanz”, que a Sucá não é simplesmente um lugar para comer e dormir. O Talmud (Sucá 26a) nos ensina que devemos tratar a Sucá como normalmente tratamos a nossa moradia permanente. Isto quer dizer que, da mesma maneira que uma pessoa considera sua casa como residência mesmo quando ela sai para fazer coisas fora, assim também deve ser a nossa Sucá, isto é, mesmo quando sai da Sucá, a pessoa não deve perder a conexão com ela. E da mesma maneira que uma pessoa não sai à toa de casa, somente quando precisa resolver coisas fora, assim também devemos nos comportar com a Sucá, somente devemos sair da Sucá quando temos algo importante para fazer fora.
 
Isto tem implicações espirituais importantes. Enquanto a pessoa está na Sucá, ela está sentada em um lugar de pureza e envolvida pela santidade da sua sombra. E quando a pessoa sai da Sucá por bons motivos, como para cumprir a Vontade de D'us, ainda assim ela mantém consigo a santidade da Sucá, pois a Sucá continua sendo sua residência.
 
O mesmo ocorre em relação às “Ananei HaKavód”. Normalmente elas protegiam o povo de qualquer tipo de perigo apenas quando os judeus estavam dentro delas, mas quando eles saíam, perdiam a sua proteção, como aconteceu no ataque de Amalek: “Como ele (Amalek) saiu ao seu encontro no caminho e feriu aqueles que haviam ficado para trás, que estavam fracos e cansados” (Devarim 25:18). Rashi explica que Amalek somente conseguiu atacar aqueles que estavam fora das Nuvens. Porém, havia uma exceção: aqueles que saíam das Nuvens por motivos justificáveis continuavam recebendo a proteção delas mesmo estando fora. Isto quer dizer que, se a pessoa saísse das Nuvens para cumprir a vontade de D'us, ela levava consigo o poder das Nuvens e também estava imune a qualquer tipo de ataque, como se estivesse dentro delas.
 
Com esta explicação podemos entender por que os judeus construíram cabanas e não trincheiras. Aqueles que saíram para guerrear contra Sichón e Og estavam cumprindo a Vontade de D'us e, por isso, podiam habitar tranquilamente em cabanas mesmo estando no front de batalha, pois elas eram intocáveis. Mesmo que eram cabanas frágeis, cobertas por materiais sem nenhuma resistência, nenhum inimigo podia atingir o povo judeu, pois a energia das “Ananei Hakavod” continuava com elas.
 
Isto responde também o questionamento em relação à Halachá. Quando o Tur diz que devemos ter, no momento em que nos sentamos na Sucá, a intenção de relembrar das “Ananei Hakavód”, esta opinião engloba também a opinião de Rabi Akiva, pois de acordo com Rabi Akiva a proteção das “cabanas de guerra” era uma extensão da proteção das Nuvens que se aplicava mesmo quando os judeus estavam fora.
 
Todos os anos, quando nos sentamos em uma cabana frágil que recorda as “Ananei Hakavód”, estamos nos lembrando que podemos estender a santidade da nossa Sucá para todas as outras coisas que fazemos fora dela. A Sucá nos traz a incrível possibilidade de nos ocuparmos com coisas mundanas e, mesmo assim, continuar envolvidos com as “Ananei HaKavod” que a Sucá representa. Mesmo os atos mais simples, como comer e dormir na Sucá, tornam-se grandes Mitzvót. O ensinamento de Rabi Akiva é que qualquer coisa se torna espiritual quando é feita dentro da Sucá, ou até mesmo fora dela caso a pessoa não se desconecte.
 
Este ensinamento da Sucá se aplica a todas as áreas de nossas vidas. Mesmo quando estamos nos ocupando com o mundo material, se não perdemos o foco, se nossas atitudes forem sempre voltadas ao cumprimento da nossa missão, então poderemos extrair espiritualidade de cada ato material. Podemos comer, dormir, viajar e ter prazer sem nos desconectarmos do espiritual. Este é o segredo da felicidade verdadeira. Este é o segredo de Sucót.

 

SHABAT SHALOM E CHAG SAMEACH

R' Efraim Birbojm

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