Parte 4 : Decretos e Cercas
Além da proibição de fazer obras criativas estipulada pela própria Torá, nossos sábios acrescentaram mais alguns decretos e proibições. Por quê?
É possível entender isto com o seguinte exemplo: perto de postes com fios de alta tensão, a companhia elétrica costuma afixar placas com avisos do tipo: “cuidado, alta tensão”, para evitar desastres. Onde passam fios com uma tensão maior ainda, estendem fios de arame farpado em volta das torres para evitar qualquer tentativa de escalá-las. Se o perigo do local é muito grande, como perto de estações de distribuição e grandes transformadores, o local inteiro é cercado com arme farpado, para ninguém sequer poder chegar perto.
Conforme explicado anteriormente, o Shabat é o coração do judaísmo, sendo ainda mais grave que Yom Kipur. “Tocar” nele é como tocar em um cabo da mais alta tensão, e por esse motivo é necessário instituir uma série de “cercas” e proibições, para afastar as pessoas do próprio perigo.
As Vantagens de Observar o Shabat
Foi explicado anteriormente que trabalhos não criativos, por mais esforço que envolvam, não profanam o Shabat. À primeira vista, considerando isto, um judeu poderia passar o Shabat inteiro arrumando a casa, cuidando dos negócios e assim por diante, anulando com isso o descanso do Shabat.
Na prática, porém, é diferente. A Torá diz que “no sétimo dia você descansará” (Shemot 23:12). Que significa “descansará”? Explica o Seforno: “mesmo do que não é obra criativa”. Assim também escreve o Ramban (sobre Vayicrá 19:2): “As obras criativas foram proibidas no Shabat com um princípio negativo, enquanto o esforço foi proibido com um princípio ativo geral, conforme está escrito: 'descansará'”. Ele expande ainda mais esse conceito em outro lugar (Devarim 23:24): “Eis que (nossos sábios) aprenderam da palavra 'descansará' que é necessário descansar completamente, mesmo daquilo que não faz parte dos ofícios criativos especificados pela Torá e seus derivados… pois fomos ordenados pela Torá a descansar nos dias festivos, mesmo em relação ao que não é um ofício”.
Além de recebermos a ordem de “guardar o dia do Shabat para santificá-lo”, referente à proibição de fazer tarefas criativas, fomos também ordenados a cumprir que “no sétimo dia descansará” – descansará do que é permitido fazer como ofício.
Se isso não for guardado, o propósito espiritual do Shabat ficará faltando: santificar o homem e a vida. Tratar de assuntos mundanos no Shabat, apesar de não profaná-lo à primeira vista, faz com que o homem experimente o Shabat como algo comum, sem receber dele nenhum proveito. Portanto, não apenas a “obra criativa” foi proibida no Shabat como também o “trabalho”.
O Talmud Yerushalmi (Shabat 6:3) apresenta duas ideias de como aplicar esse preceito. A primeira ideia sustenta que “os dias de Shabat e Yamim Tovim (festividades) foram dados apenas para comer e beber “ – ou seja, para descansar e aproveitar deles (de qualquer modo, o Yerushalmi acrescenta que mesmo de acordo com essa opinião deve-se falar palavras de Torá neles, para não vir a conversar sobre o que é proibido fazer no Shabat e terminar transgredindo algo por considerar a proibição mais leve). A segunda opinião, por sua vez, entende que “os dias de Shabat e Yamim Tovim (festividades) foram dados apenas para se ocupar neles com palavras de Torá”.
De acordo com a primeira ideia, o Shabat foi dado “para comer e beber”. Comer e beber, no judaísmo, não é um fim por si só, apenas um modo de aproximar as pessoas e estreitar os vínculos entre elas. Conforme dizem nossos sábios, “grande é o gole (de vinho), que aproxima (os corações)”. A “Mesa de Shabat” é uma ferramenta de construção da célula familiar, e a ligação entre os membros da família é aprimorada durante as três refeições de Shabat.
A segunda idéia, por sua vez, sustenta que o Shabat foi dado “para estudar Torá”. Muitas vezes, um indivíduo só lembra de perguntar as questões essenciais sobre o significado da vida e seu objetivo na velhice. É só então que ele possui tempo, não precisa mais ficar correndo atrás do trabalho e de assuntos mundanos e pode começar a pensar sem nada que o atrapalhe.
Esse é também o motivo pelo qual D'us nos deu o Shabat – um dia de pausa da correria e da rotina. Nesse dia de descanso, é possível pensar sobre nossa função no mundo, entender a vida e seu propósito por intermédio do estudo da Torá de D'us – a partir da qual é possível tomar conhecimento do verdadeiro modo de vida que leva à nossa meta.
Qual é a conclusão dessa discussão? Diz o Yerushalmi: “Separe uma parte para o estudo da Torá e uma parte para comer e beber”. Ou seja, metade para o estudo e metade para as refeições.
Quando um judeu cumpre as três refeições de Shabat, com as quais a família judaica é fortalecida, e paralelamente estuda a Torá de D'us, ele sente como fica mais elevado e santificado no dia do Shabat. Quando termina o dia do Shabat e começam os dias comuns da semana, sua alma sofre com isso. A “alma a mais” que possuía nesse dia, de acordo com nossos sábios, o abandona e ele precisa cheirar boas especiarias de bessamim, durante a havdalá, para recuperar um pouco seu espírito.
Com isso, é possível entender a proibição de se esforçar e trabalhar com algo que não se refere ao Shabat. Para conseguir absorver o que o Shabat tem a oferecer, é necessário desconectar-se completamente do mundo no qual estávamos envolvidos durante os seis dias da semana. Esse desligamento é atingido com o auxílio das proibições de Shabat.
É possível mostrar esse conceito palpavelmente com o seguinte exemplo: se um bebê pudesse falar na hora de seu nascimento, certamente gritaria de pavor quando cortassem seu cordão umbilical. “Por que vocês estão fazendo isso comigo?” – perguntaria. “Eu prefiro continuar conectado à minha mãe, assim como estive nos últimos nove meses”!
O que responderíamos a ele? “Você estaria certo se tudo fosse como era antes de ter nascido. No mundo ao qual você chegou, porém, não há a possibilidade de ficar fisicamente ligado à sua mãe. é necessário que você se torne um ser cada vez mais independente!”
A transição dos seis dias da semana para o dia do Shabat é como a passagem para um outro mundo. O objetivo das proibições do Shabat é desligar o homem do mundo ao qual estava preso nos últimos seis dias e fazê-lo entrar no mundo interno do Shabat, que é completamente diferente. O lugar dos prazeres materiais é no mundo de ontem, enquanto os deleites do novo mundo do sétimo dia são a construção da família e o estudo da Torá; o entendimento da essência da vida acompanhado das maravilhosas três refeições que acontecem neste dia santo.
O Shabat é comparado ao “Mundo Vindouro”. D'us enxertou neste mundo unidades de tempo pertencentes ao mundo espiritual superior, e esses são os dias de Shabat. Apenas com o cumprimento do Shabat de acordo com as obrigações da Torá, um membro de Israel é capaz de provar um pouco dos deleites do Mundo Superior – prazeres espirituais profundos, que preenchem toda a sua existência. Não existe substituto para os deleites espirituais do Shabat. Prazeres materiais, por mais numerosos que sejam, nunca terão o mesmo valor dessas delícias eternas.
Apesar do esforço necessário para cumprir o Shabat como se deve, podemos testemunhar um fenômeno incrível: todo aquele que prova as delícias do Shabat é atraído por elas e quer ficar sempre ligado ao Shabat. Ele não sente que precisa abrir mão de nenhum prazer, apenas que possui o mérito de experimentar um deleite profundo que não possui nenhum paralelo em nosso mundo.
Assim, parece apropriado dar um novo nome ao Shabat: uma visita ao Palácio do Rei.
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