O sucesso depende de quem?

Avraham e Daniel viviam na cidade de Telz, na Lituânia. Eles eram muito amigos, vendiam o mesmo tipo de mercadoria e a situação financeira dos dois era muito parecida. Em certo momento da vida, após escutarem conselhos de pessoas mais experientes, eles decidiram que era hora de expandir os negócios e se mudar para uma cidade grande, vizinha de Telz. Lá eles poderiam desenvolver melhor seus negócios e aumentar seus lucros.
 
Para Avraham a mudança foi excelente. Sua mercadoria fez muito sucesso na cidade grande e em pouco tempo ele já havia aumentado seu negócio. Mas para Daniel as coisas não foram nada bem. Após algumas tentativas frustradas de se estabelecer na cidade grande, ele acabou desistindo e voltou para seu negócio em Telz. Daniel se entristeceu profundamente e sentiu muita inveja de Avraham, cujo negócio prosperava cada vez mais. Daniel não entendia por que D'us não o havia ajudado a prosperar na cidade grande.
 
Poucos meses depois estourou uma guerra e todos os moradores judeus daquela cidade grande foram expulsos. Entre eles estava Avraham, que foi obrigado a ir para a Rússia. Seu negócio colapsou, sua família passou por dificuldades e sofrimentos extremos e ele acabou perdendo sua esposa e seus filhos. No final, Avraham tornou-se um miserável.
 
Enquanto isso, em Telz, Daniel viu repentinamente sua sorte mudar. Sem nenhuma explicação lógica, seus negócios começaram a melhorar e ele lucrava cada vez mais. No final, sua tristeza se transformou em uma enorme alegria. O que parecia ser a sua desgraça acabou se tornando a sua salvação. (História Real)
 
Esta é apenas uma entre centenas de histórias nas quais é possível ver que o sucesso na vida não depende dos nossos esforços e investimentos, e sim da Mão de D'us. Como dizemos na nossa Tefilá (reza): “Muitos são os pensamentos no coração do homem, mas é a vontade de D'us que sempre se cumpre”. 
 


Nesta semana lemos a Parashat Noach, que começa descrevendo o “Mabul”, o terrível dilúvio com o qual D'us destruiu a humanidade, uma consequência direta das pessoas terem se desviado completamente dos caminhos corretos. E no final da Parashat a Torá descreve outro importante acontecimento: a construção da Torre de Babel, como está escrito: “E eles disseram: “Venham, vamos construir para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue até o céu, e faremos para nós um nome, para que não sejamos espalhados pela face da terra” (Bereshit 11:4).
 
Mas a construção da Torre de Babel desperta muitos questionamentos. Em primeiro lugar, o que significa que as pessoas construíram a cidade e a torre para não serem espalhadas pela terra? Além disso, a Torá descreve o que ocorreu após o início da construção: “E D'us desceu para ver a cidade e a torre… E disse D'us: 'Eles são um só povo, e todos eles têm uma só língua, e isto é o que eles começaram a fazer! E agora, eles não serão impedidos de fazer tudo o que tramaram? Venham, vamos descer e confundir sua língua, para que um não entenda a língua do seu companheiro' ” (Bereshit 11:5-7). Destes versículos fica claro que algo incomodou D'us naquela construção, mas qual foi o erro que eles cometeram, já que os versículos não mencionam nenhuma transgressão? Também não se entende que tipo de castigo foi aplicado, pois a mistura das línguas pode ser entendida como uma punição? E finalmente, por que a Torá diz que D'us desceu para ver o que eles estavam fazendo?
 
Rashi (França, 1040 – 1105), comentarista da Torá, explica o motivo que levou as pessoas a construírem aquela torre gigantesca. Elas estavam insatisfeitas com o fato de D'us ter sozinho o controle dos Mundos Superiores, então elas quiseram construir uma torre para subir ao céu e lutar contra Ele. O Midrash (parte da Torá Oral) acrescenta que eles queriam subir com machados para lutar contra D'us. Além disso, Rashi traz também outro motivo. O dilúvio havia ocorrido 1.656 anos após a Criação do mundo, e aquela geração chegou à conclusão que havia um fenômeno natural de colapso do Céu que resultava em dilúvios cíclicos. Por isso eles quiseram construir uma torre, para que servisse como um suporte e impedisse um novo dilúvio quando se completasse o novo ciclo de 1.656 anos.
 
Porém, estas explicações trazidas por Rashi também apresentam algumas dificuldades. Como pode ser que a humanidade, poucas gerações depois de D'us ter destruído o mundo inteiro com o dilúvio, demonstrando Sua força e Seu controle sobre toda a natureza, achou que era possível desafiá-Lo, e ainda mais com machados? E se esta era a intenção deles, por que D'us mudou a natureza do mundo e confundiu a língua deles, ao invés de simplesmente esmagá-los, demonstrando a nulidade da força do ser humano perante a grandeza de D'us? E finalmente, se o erro foi algo tão grave, uma verdadeira rebelião contra D'us, por que isto não está escrito explicitamente na Torá?
 
Explica o Rav Yosef Leib Bloch zt”l (Lituânia 1860 – 1930) que a resposta de todos estes questionamentos está no entendimento do incrível poder criado através da união. As pessoas começaram a perceber que a população mundial estava crescendo muito, e que logo precisariam se separar e se espalhar pela terra. Mas eles entendiam a força da união, sabiam que poderia levá-los à grandeza, então por isso começaram a pensar em uma estratégia para manter esta união. Através da união eles achavam que conseguiriam superar qualquer dificuldade, como guerras, doença e outras tragédias. E eles realmente estavam certos no seu entendimento.
 
Nos últimos séculos presenciamos uma quantidade imensa de invenções revolucionárias, e mesmo assim sabemos que isto é apenas uma pequena gota d'água no mar diante dos segredos da natureza que ainda não foram revelados. Quem sabe quantas forças incríveis e ocultas na natureza poderiam ter sido reveladas caso houvesse união no mundo, caso as pessoas trabalhassem juntas, associando suas forças para criar, revelar e inventar? Achamos que estamos evoluindo, mas é sabido que no passado havia muito mais conhecimentos do que temos hoje, em várias áreas, inclusive na medicina e engenharia. Por exemplo, o Rei Chizkiahu ocultou um livro chamado “O Livro das Curas”, que trazia conhecimentos de cura para qualquer doença. Outro exemplo é que até hoje ninguém entende como as pirâmides do Egito, com pedras gigantescas, foram construídas sem a ajuda de equipamentos pesados. Também nas sabedorias ocultas, como feitiçaria e controle do mundo espiritual, havia muito mais conhecimento do que temos hoje. Com medo de perder esta força, aquela geração decidiu se unir, e a torre serviria como um centro e um símbolo da união mundial.
 
Mas então qual foi o erro daquela geração, se tudo o que eles queriam era manter a união como um meio para evitar que tragédias e sofrimentos recaíssem sobre o mundo? D'us percebeu que no coração deles havia algo a mais do que isso. O que eles queriam no fundo era viver com suas próprias forças, desconectados de D'us. Talvez nem mesmo eles haviam percebido que em sua busca havia uma vontade de se libertar da Supervisão Divina. É por isso que a Torá escreveu apenas a parte revelada do erro, que era a vontade de se unir e simbolizar isto através da construção de uma cidade e uma torre, mas a rebeldia contra D'us não aparece de forma explícita, pois era apenas uma vontade oculta no coração deles.
 
É isto que quer dizer a expressão “D'us desceu”, isto é, Ele desceu no fundo da intenção das pessoas e percebeu que a construção da cidade e da torre eram uma tentativa de negar a existência de D'us e de tirar de si o jugo da Supervisão Divina. Com a força de união de toda a humanidade realmente eles poderiam ter alcançado muito. Foi por isso que D'us precisou cancelar os planos daquela geração, misturando as línguas e quebrando sua união. E este foi um gigantesco castigo, causar desunião para uma geração que sabia dar tanto valor para a união.
 
Com estes conceitos entendemos um pouco melhor os ensinamentos dos nossos sábios. Quando o Midrash diz que eles queriam lutar contra D'us com machados, não se refere a uma luta física, e sim a uma demonstração de que eles queriam sair da Supervisão Divina e utilizar as incríveis forças da natureza de acordo com a sua própria vontade. Mesmo as tragédias e desgraças que ocorrem no mundo, como o dilúvio, são totalmente controladas por D'us e utilizadas apenas para benefício da humanidade, para que o ser humano chegue em seu propósito. Mas a geração da Torre de Babel quis assumir o comando e mudar as regras do jogo. Quando eles tentaram construir um apoio para evitar o dilúvio, demonstraram que queriam interferir na vontade de D'us, imaginando que mesmo o que foi decretado por Ele poderia ser evitado através do uso das forças da natureza. Em outras palavras, a geração da Torre de Babel tentou passar por cima de D'us e ignorar completamente que o mundo é regido por leis espirituais, não por leis físicas.
 
Este ensinamento da Parashat continua sendo muito atual. Há pessoas que acham que através de seus esforços físicos conseguirão mudar decretos espirituais. Quando passamos por dificuldades, nos esforçamos de todas as maneiras no mundo material para tentar mudar a nossa situação, mas nos esquecemos que a fonte de tudo é espiritual. Temos a obrigação de fazer o nosso esforço, mas sem exageros, e com a consciência de que nossos esforços servem apenas para despertar a Misericórdia Divina, pois tudo depende Dele. Portanto, qualquer exagero no nosso esforço demonstra uma falta de Emuná (fé). D'us quer que façamos o nosso esforço, a nossa parte, mas nunca esquecendo que o sucesso depende apenas Dele. Pois quando Ele decide algo, não há esforço físico que possa mudar os Seus decretos.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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