Pense antes de falar

Pouco antes do seu falecimento, o Rav Yitzchak Blazer escreveu em seu testamento que não queria nenhum tipo de “Esped” (discurso fúnebre, no qual o falecido é louvado e suas boas ações e características são ressaltadas em público). E quando ele faleceu, apesar da pressão de muitos rabinos e da população de Jerusalém para que fosse feito o “Esped”, já que o Rav Yitzchak Blazer era muito querido e admirado por todos, ficou decidido que a vontade do falecido seria cumprida. 

O Rav Chaim Berlin, que era muito próximo do Rav Yitzchak Blazer, também acatou a vontade do falecido. Porém, ele achou que o momento da partida de um Tzadik (Justo) tão grande não poderia passar em branco. Após refletir muito, ele chegou à conclusão de que o falecido havia pedido para que não houvesse discursos de louvor, mas não havia pedido para que as pessoas não chorassem por sua morte. Então ele convocou toda a cidade para que escutassem palavras fortes de despertar pela perda de um grande sábio de Torá, levando todos ao choro. 

Isto aconteceu no começo da semana. Na noite de Shabat, o Rav Yitzchak Blazer apareceu para o Rav Chaim Berlin em um sonho e disse:

– Queria lhe dizer obrigado por você ter escutado meu pedido e não ter feito um discurso de louvores. 

O Rav Chaim ficou contente e surpreso com a aparição do amigo, e aproveitou a oportunidade para perguntar como era o julgamento que ocorre depois do falecimento. O Rav Yitzchak Blazer respondeu:

– O julgamento aqui em cima é muito rigoroso. Não é possível para nenhum ser vivo imaginar a severidade deste julgamento. E em especial, eles são extremamente rigorosos com as falas proibidas e outros maus usos da fala.

– E qual foi o resultado do seu julgamento?

– Durante toda a semana não me permitiram vir agradecer por você ter escutado meu último pedido. Somente no Shabat recebi esta permissão de aparecer para você em um sonho.

O Rav Yitzchak Blazer não contou mais nenhum detalhe e nem explicou suas palavras misteriosas. Logo depois o Rav Chaim Berlim acordou e nunca mais voltou a vê-lo em seus sonhos. Apesar de sua última pergunta não ter sido respondida, o Rav Chaim Berlim nunca mais esqueceu este sonho, principalmente por causa da ênfase que o Rav Yitzchak Blazer deu para a gravidade das transgressões envolvendo a fala, com terríveis consequências espirituais mesmo depois da morte” (História Real)

Muitas vezes falamos coisas erradas por impulso ou apenas pela falta do que dizer, e achamos que isto não é um problema. Nisto estão incluídos palavrões, ofensas e principalmente o Lashon Hará (maledicência). Mas nos ensina o Chafetz Chaim que nos mundos espirituais cada palavra que pronunciamos fica guardada para sempre, e as palavras mal utilizadas são usadas contra nós no julgamento celestial. Como é dito nos filmes policiais: “Tudo o que você disser poderá ser usado contra você”

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Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Tazria e Metsorá, que falam sobre a contaminação e a cura de uma terrível doença espiritual chamada “Tsaráat”, que manchava a pele das pessoas que cometiam certos tipos de transgressões, entre elas o Lashon Hará (falar de maneira que denigre o próximo, causando constrangimento, sofrimento ou perdas).  Aquele que se contaminava com Tsaráat tinha que ficar pelo menos uma semana fora do acampamento, isolada e sozinha no deserto, como parte do processo de purificação. Por que este isolamento? Era um castigo “Midá Kenegued Midá” (medida por medida). Da mesma forma que o transgressor causou com seu Lashon Hará que as pessoas se afastassem daquele sobre quem ele falou coisas negativas, assim ele também era retirado do acampamento e passava um tempo completamente isolado do resto do povo. Além disso, o arrependimento sincero era parte da cura, e o isolamento ajudava a pessoa a refletir sobre seus maus atos e se arrepender.

Havia alguns outros processos pelo qual a pessoa deveria passar para que se curasse completamente desta doença espiritual. Por exemplo, a Parashá Metsorá descreve que o Cohen (sacerdote) responsável pela cura da pessoa com Tsaráat precisava aspergir azeite no Mishkan (Templo Móvel), como está escrito: “E ele deverá aspergir azeite com seu dedo 7 vezes diante de D'us” (Vayikrá 14:16). Mas o que significa esta expressão “diante de D'us”?

Existem na Torá muitos tipos de Korbanót (sacrifícios). É interessante perceber as diferenças que há nas leis dos diversos Korbanót. Por exemplo, quando uma pessoa comum do povo cometia certas transgressões não intencionais e trazia um Korban para ser sacrificado, o sangue deste Korban era aspergido no altar de cobre, que ficava no pátio externo do Mishkan. Mas quando um Cohen cometia certas transgressões não intencionais, o sangue do seu Korban era trazido para dentro do Kodesh, uma parte mais sagrada do Mishkan, e era aspergido sobre o altar de ouro e sobre a Paróchet (cortina), utensílios que ficavam dentro do Kodesh. Mas por que estas diferenças? Que diferença faz o local onde o sangue era aspergido? E por que não era feito um processo padrão para todos os Korbanót?

Ensinam nossos sábios que tudo o que existe no mundo material tem um paralelo no mundo espiritual. Da mesma forma que existe a cidade física de Jerusalém, existe também uma Jerusalém espiritual. Da mesma maneira que existe fisicamente o Monte do Templo, local em Jerusalém onde ficava o Beit Hamikdash (Templo Sagrado), assim também existe o Monte do Templo espiritual. E da mesma maneira que no Monte do Templo ficava o Beit-Hamikdash físico, também existia no Monte do Templo espiritual um Beit-Hamikdash espiritual.

Quando uma pessoa comete uma transgressão no mundo físico, ela “mancha” também o mundo espiritual. Quanto maior a rigorosidade da transgressão, maior a “marca” que esta transgressão deixa nos mundos espirituais e, portanto, maior a necessidade de expiação. Quando um judeu comum transgride, ele causa com que a impureza do seu mau ato suba para os mundos espirituais e alcance o pátio do Beit Hamikdash espiritual. Por isso, parte do “conserto” era aspergir o sangue no altar externo, que ficava no pátio. Mas pelo fato do Cohen ser responsável pelo serviço Divino, ele estava em um nível espiritual mais elevado do que o resto do povo e, portanto, sua transgressão deixava marcas mais profundas nos mundos espirituais, atingindo a parte interna do Beit Hamikdash espiritual, um local ainda mais sagrado. Por isto, para “consertar” o erro de um Cohen não era suficiente apenas aspergir o sangue do Korban no altar externo, era necessário aspergir sobre o altar interno e a Paróchet. As diferenças nas leis de cada Korban eram necessárias, portanto, pois cada Korban era oferecido de acordo com a gravidade da transgressão que ele vinha expiar.

Mas explica o Rav Israel Meir HaCohen, mais conhecido como Chafetz Chaim, que mesmo uma pessoa comum pode causar uma grande destruição espiritual. Isto acontece no caso de transgressões muito graves, como a pessoa que fala Lashon Hará, uma transgressão tão grave que atinge até a parte mais interna do Beit Hamikdash espiritual. Explica Rashi, comentarista da Torá, que as palavras “diante de D'us” significam que o azeite deveria ser aspergido em direção à parte mais sagrada e elevada do Beit Hamikdash, o Kodesh Hakodashim, local onde apenas o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) podia entrar, em total estado de pureza, e somente no dia de Yom Kipur. Por que aspergir nesta direção? Pois este era o lugar, no Beit Hamikdash espiritual, atingido pela impureza do Lashon Hará. 

Há outro ensinamento que desperta a importância do cuidado com a nossa fala. O Cohen Gadol entrava no Kodesh Hakodashim apenas uma vez no ano, em Yom Kipur, e o primeiro serviço que ele fazia era o acendimento do incenso no altar de ouro. O Talmud (Yomá 44a) explica que o incenso expiava a transgressão de Lashon Hará do povo judeu, como está escrito: “Vem aquilo que é feito secretamente (a oferenda de incenso no altar interno) e expia o ato feito secretamente (o Lashon Hará)”. Isto significa que a pessoa mais sagrada do povo judeu, no dia mais sagrado do ano e no local mais sagrado do mundo, somente poderia começar seus serviços após expiar a transgressão de Lashon Hará. Dentro do Kodesh Hakodashim eram feitos alguns serviços que traziam expiação para os pecados de todo o povo judeu. Mas o Cohen Gadol somente podia entrar depois que se formava uma névoa com a fumaça que saia do incenso, e caso ele entrasse sem a fumaça, morreria. Isto nos ensina que a transgressão de Lashon Hará atrapalhava todos os serviços que eram feitos no Kodesh Hakodashim e que traziam expiação para o povo judeu. Portanto, sem o conserto do Lashon Hará, não havia a possibilidade de consertar nenhuma outra transgressão.

Daqui vemos o enorme peso espiritual da transgressão de falar Lashon Hará. Por isso, devemos cuidar muito de nossas bocas, ao lembrar-nos de quanta influência espiritual negativa podemos causar com um único Lashon Hará, levando impureza para os lugares espirituais mais elevados e sagrados e dificultando o nosso arrependimento.

Muitas vezes procuramos áreas na vida nas quais podemos crescer espiritualmente. Das Parashiót lidas nesta semana, Tazria e Metsorá, aprendemos que o primeiro passo que precisamos dar para crescermos em espiritualidade é o controle da nossa fala. Enquanto não consertarmos os erros relacionados ao mau uso da fala, em especial o Lashon Hará, nosso arrependimento não será completamente aceito por D'us. Portanto, toda vez que quisermos falar algo, é bom pensar se realmente vale a pena falar. Pois como ensinam os nossos sábios: “Se a palavra vale prata, o silêncio vale ouro”.

“Uma pessoa madura reflete antes de falar. Um tolo fala e só depois reflete sobre aquilo que disse”

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