Um garoto pobre, com cerca de doze anos de idade, vestido de forma muito humilde, entrou na perfumaria, escolheu um sabonete comum e pediu a Rafael, o proprietário, que embrulhasse para presente. Com orgulho, explicou que era um presente para sua mãe. Rafael ficou comovido diante da simplicidade daquele presente. Olhou com dó para o garoto e teve vontade de ajudá-lo. Pensou em embrulhar, junto com o sabonete comum, algum artigo mais significativo, mas ficou na dúvida. O garoto, notando a indecisão do homem, pensou que ele estava duvidando da sua capacidade de pagar. Colocou a mão no bolso, retirou as moedinhas que tinha juntado com dificuldade e colocou-as sobre o balcão. Rafael ficou ainda mais comovido quando viu as moedas, de valor tão insignificante. Concluiu que se o garoto pudesse, certamente compraria algo bem melhor para a mãe. Lembrou-se de sua própria mãe. Ele também tinha sido muito pobre em sua infância, e muitas vezes quis presentear sua mãe, mas nunca teve condições. Quando finalmente conseguiu seu primeiro emprego, ela já havia partido deste mundo. Impaciente com a demora, o garoto perguntou:
– Moço, falta alguma coisa?
– Não – respondeu Rafael – É que, de repente, eu me lembrei da minha mãe. Ela morreu quando eu ainda era muito jovem. Sempre quis dar um presente para ela, mas nunca consegui comprar nada.
Com a espontaneidade natural das crianças, o garoto perguntou:
– Nem um sabonete?
Rafael ficou em silêncio. Pensou um pouco e desistiu da ideia de melhorar o presente do garoto. Embrulhou o sabonete com o melhor papel que tinha na loja, colocou uma fita e entregou para o garoto sem dizer mais nada. Quando ficou sozinho, as lágrimas começaram a sair. Como é que nunca havia pensado em dar algo pequeno e simples para sua mãe? Sempre havia entendido que presente deveria ser alguma coisa significativa, tanto que, minutos antes, havia sentido dó da simples compra do garoto e chegou a pensar em melhorar o seu presente. Comovido, Rafael aprendeu naquele dia uma grande lição. Junto com o sabonete do menino vinha algo muito mais importante e grandioso, o melhor de todos os presentes: o gesto de amor.
A Parashá desta semana, Eikev (literalmente “Se”), começa com uma introdução que condiciona o recebimento de recompensas ao cumprimento das Mitzvót da Torá, como está escrito: “E será, se vocês escutarem estes mandamentos, e os observarem, e os cumprirem, então D'us cuidará de vocês… Ele os amará, e os abençoará, e os multiplicará” (Devarim 7:12,13). O entendimento simples destas palavras é que, se demonstrarmos o nosso amor por D'us, escutando Suas ordens e cumprindo Suas Mitzvót, então Ele se comportará conosco na mesma medida e nos amará.
Porém, algo nos chama a atenção nas palavras de Rashi (França, 1040 – 1105), um dos maiores comentaristas da Torá, conhecido por trazer normalmente a explicação mais simples e direta dos versículos. Porém, neste versículo, percebemos que ele “fugiu” da explicação mais simples, que seria dizer que a Torá condiciona a recompensa recebida ao cumprimento de todas as Mitzvót da Torá. Ao invés disso, Rashi cita um Midrash (parte da Torá Oral) que explica que a palavra “Ekev”, que significa a condição “se”, também significa “calcanhar”. Ele diz que o versículo não se refere a todas as Mitzvót, e sim especificamente às Mitzvót que nós “pisamos sobre elas com o nosso calcanhar”, isto é, Mitzvót que desprezamos por considerarmos como sendo menos importantes. De acordo com esta explicação, a Torá está nos advertindo a não desprezarmos estas Mitzvót que consideramos menos importantes.
Esta explicação de Rashi desperta um questionamento. A explicação mais simples do versículo é muito mais abrangente e incluiu todas as Mitzvót da Torá. Então por que Rashi abandonou a explicação mais simples e abrangente, e escolheu trazer uma explicação que se aplica somente a um grupo reduzido de Mitzvót? Por que o amor de D'us estaria condicionado apenas às Mitzvót que têm menos importância aos nossos olhos?
Uma pergunta semelhante surge em relação a outro ensinamento dos nossos sábios: “Seja tão meticulosos no cumprimento das Mitzvót menos importantes como no cumprimento das Mitzvót mais importantes, pois você não sabe como as Mitzvót serão recompensadas” (Pirkei Avót 2:1). Porém, o que esta Mishná (parte da Torá Oral) está nos ensinando? Se a própria Mishná reconhece que existem Mitzvót mais importantes e outras menos importantes, por que a conclusão é que talvez D'us não nos recompensará de maneira proporcional ao valor das Mitzvót? Se há Mitzvót mais importantes, não seria mais lógico dar ênfase ao cumprimento delas?
Explica o Rav Yohanan Zweig que quanto mais forte é o relacionamento entre duas pessoas, é mais comum elas sentirem liberdade de pedir coisas relativamente simples e triviais uma à outra. Entretanto, se o relacionamento não é tão forte, as duas partes tendem a limitar os pedidos a assuntos de maior importância. Por exemplo, uma pessoa não pensaria duas vezes em acordar algum conhecido às duas da manhã para pedir um auxílio médico urgente, mas a mesma pessoa acharia inconcebível a ideia de acordar um conhecido às duas da manhã para pedir a ele um pote de sorvete. No outro extremo, uma esposa não veria nenhum problema em pedir para que seu marido compre para ela um pote de sorvete às duas da manhã, em especial se ela estiver grávida. Isto quer dizer que sentir liberdade de fazer pedidos simples é uma demonstração de amor e conexão.
Esta ideia se aplica também espiritualmente. Nós somos naturalmente mais cuidadosos com as Mitzvót que consideramos como sendo mais importantes e fundamentais, enquanto naturalmente cumprimos com menos entusiasmo e cuidado as Mitzvót que não consideramos como princípios fundamentais. Entretanto, isto é um grande erro, pois quanto mais forte é um relacionamento, mais apta está a pessoa a concordar com pedidos aparentemente triviais e simples. Portanto, é justamente através das Mitzvót mais simples e básicas que nós demonstramos o nosso compromisso e expressamos o nosso amor por D'us. É por isso que o cumprimento das Mitzvót “leves”, que parecem ser menos sérias, é justamente o que mede o nosso relacionamento com D'us.
Com este conceito podemos entender o que a Mishná de Pirkei Avót está nos ensinando. Há duas maneiras através das quais D'us pode definir a recompensa de uma Mitzvá: através da sua importância ou através do comprometimento e amor refletido no cumprimento desta Mitzvá. Como não nos foi revelado qual das duas medidas D'us usará na definição da nossa recompensa, então é importante sermos igualmente cuidadosos com ambos os tipos de Mitzvót, pois um tipo tem uma maior recompensa por sua importância, enquanto outro tipo tem uma maior recompensa pela sua demonstração de amor e comprometimento.
Assim também é possível entender o motivo pelo qual Rashi abandonou a explicação convencional, mais abrangente, e optou por trazer uma explicação baseada no Midrash, mais limitada. O versículo descreve explicitamente o cumprimento de certas Mitzvót cuja recompensa será o amor de D'us. Como D'us se comporta conosco “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), então certamente trata-se de Mitzvót que demonstram um nível maior do nosso amor por D'us. É por isso que Rashi entende que as Mitzvót às quais o versículo se refere são aquelas que consideramos menos importantes, pois são justamente elas que, quando cumpridas com cuidado, entusiasmo e alegria, verdadeiramente demonstram o nosso enorme amor por D'us.
Precisamos colocar no coração este ensinamento para conseguirmos cumprir com alegria e entusiasmo mesmo as Mitzvót mais simples do cotidiano. É fácil se sentir inspirado na Tefilá de Yom Kipur, mas o que demonstra de verdade o nosso amor por D'us é tentar se inspirar nas Tefilót do dia-a-dia, mesmo com toda a correria e obstáculos que surgem quando tentamos rezar com concentração. É fácil sentir a santidade da mesa de Shabat, mas o que ressalta o nosso amor pelas Mitzvót é sentir também a santidade da mesa durante a semana. É mais fácil sentir temor no cumprimento das Mitzvót da Torá, mas é uma demonstração muito maior de conexão espiritual e temor a D'us quando também conseguimos cumprir, com o devido respeito, as Mitzvót que foram decretadas pelos nossos sábios. Assim, os pequenos atos do cotidiano se transformam, através do entusiasmo e da alegria, em atos gigantescos.
Este conceito também se aplica ao nosso relacionamento com as outras pessoas. Muitas vezes queremos demonstrar o quanto gostamos ou nos importamos com alguém, e esperamos algum momento especial e grandioso para demonstrar o que sentimos. Mas isto é um grande erro, pois são justamente os pequenos atos do cotidiano que demonstram o quanto nos importamos com as pessoas. Quando damos um presente a alguém, muitas vezes o que mais toca a pessoa não é o conteúdo do embrulho, e sim as palavras que estão escritas no cartão. O nome “presente” já indica que o principal objetivo de darmos uma lembrança a alguém é demonstrar o quanto queremos estar presentes na sua vida. Por isso, a melhor maneira de demonstrar o nosso amor não são com grandes presentes, e sim com pequenas atitudes diárias de carinho, respeito e atenção.