“O Dr. Vladimir Yakalevitch era um médico extremamente habilidoso. Era um profissional muito esforçado, quase obstinado em alcançar o sucesso. Especializou-se em cirurgia cardíaca e começou a crescer na carreira, até tornar-se chefe da cardiologia do Hospital Ichilov, em Tel Aviv. Era muito respeitado e admirado pelos seus colegas e pacientes.
Certa vez, o Dr. Yakalevitch estava no meio de uma cirurgia cardíaca quando seu celular tocou. Era um paciente particular que precisava de uma cirurgia de emergência, o que significava muito mais dinheiro do que aquela cirurgia de convênio que ele estava fazendo. O Dr. Yakalevitch voltou à sala de cirurgia e disse aos médicos auxiliares que infelizmente não havia mais o que fazer para salvar o paciente, e ordenou que interrompessem os procedimentos e desligassem os equipamentos. Depois disso, ele abandonou o hospital e foi cuidar de seu paciente particular.
O anestesista e o residente se olharam em estado de choque, pois sabiam que a situação não estava tão ruim assim. Eles continuaram operando sozinhos e a cirurgia foi um sucesso. Em seguida, fizeram um relatório no qual questionaram o procedimento médico do Dr. Yakalevitch. Quando o relatório chegou às mãos do diretor do hospital, ele imediatamente iniciou uma rigorosa investigação. Evidências surgiram de que aquela não havia sido a primeira vez que o Dr. Yakalevitch abandonou cirurgias para atender pacientes mais lucrativos. Também descobriram que ele aceitava subornos, intimidava médicos e praticava outros graves delitos. O caso foi parar na justiça, e o Dr. Yakalevitch foi condenado a sete anos de prisão” (História Real, relatada pelo Rav Dovid Kaplan no livro “Impact!”).
Se a pessoa deseja muito crescer na vida, mas não é guiada por valores absolutos de moralidade, pode acabar transformando-se até mesmo em um frio assassino, que troca vidas por dinheiro. Isto pode acontecer com os outros, mas se não tomarmos muito cuidado, também pode acontecer com cada um de nós.
Nesta semana lemos a Parashat Shemini (que literalmente significa “Oitavo”). Um dos assuntos da Parashat é “Kashrut” (leis alimentares), e são ensinados os sinais para reconhecermos quais são os animais e peixes permitidos ao nosso consumo. E assim a Torá fala sobre os peixes: “Entre todos os que estão na água, estes vocês comerão: todos aqueles que têm barbatanas e escamas… Mas todos aqueles que não têm barbatanas e escamas… são uma abominação para vocês” (Vayikrá 11:9,10). Portanto, para um peixe ser Kasher, ele precisa ter estas duas características: escamas que recobrem seu corpo e barbatanas que auxiliam sua movimentação na água. Em relação a estes sinais, o Talmud (Nidá 51b) traz uma informação muito interessante: “Todo peixe que tem escamas também tem barbatanas (e é Kasher); porém, há peixes que tem barbatanas mas não tem escamas (e são impuros)”. Mas o próprio Talmud questiona: se todo peixe que tem escamas também tem barbatanas, por que não está escrito na Torá apenas escamas? O Talmud responde que escrever escamas e barbatanas é uma forma de engrandecer a Torá e glorificá-la.
Este ensinamento do Talmud levanta alguns questionamentos. Por que justamente estas características, escamas e barbatanas, são as que fazem com que um peixe seja Kasher? Além disso, como trazer uma informação completamente irrelevante vem engrandecer e glorificar a Torá?
Explica o Rav Yossef Jacobson que, de acordo com as fontes místicas, os atributos físicos de todos os animais refletem diferentes qualidades espirituais de suas almas. Além disso, o misticismo judaico também nos ensina que a comida consumida pela pessoa tem um profundo efeito em sua alma. Portanto, quando a pessoa come a carne de certo animal, a “personalidade” deste animal afeta a identidade de quem o consumiu. Por isso, os sinais de Kashrut dos animais escondem características sobre seu comportamento, e estas características influenciam aqueles que os consomem.
Por exemplo, as barbatanas e escamas incorporam duas qualidades que estão embutidas nas almas dos peixes que apresentam estes sinais, e que são qualidades necessárias para o desenvolvimento saudável do caráter do ser humano. Quando um judeu consome este tipo de peixe, ele se torna um ser humano mais refinado e mais “Kasher”. Já quando ele consome um peixe que não tem estas características, automaticamente ele reduz em sua alma um pouco destas qualidades. Por isso, precisamos entender o que representam os sinais de Kashrut dos peixes.
As escamas, que funcionam como uma “armadura” e protegem o corpo do peixe contra agressões externas, representam a qualidade da integridade, que nos protege de nos tornarmos vítimas dos obstáculos que a vida apresenta. Um homem com integridade não vai enganar seus consumidores, apesar dos aparentes lucros envolvidos; ele não falará mentira para um amigo, apesar do conforto momentâneo que isto traz; ele não trairá sua esposa, apesar da tremenda tentação envolvida. Integridade significa ter padrões absolutos de certo e errado, e estar comprometido com uma moralidade que transcende as nossas tentações e a nossa índole. Como as escamas, a integridade protege nossa vida, tanto neste mundo quanto no Mundo Vindouro.
Já as barbatanas, membros no formato de asas que permitem que o peixe mova-se para frente com grande velocidade e habilidade, representam a qualidade da ambição. Ambição saudável significa conhecer suas próprias forças e querer utilizá-las na sua totalidade, dando o impulso necessário para atravessar os turbulentos mares da vida e maximizar o potencial que D'us nos deu. A ambição nos salva do perigo de ficarmos atolados na lama das pressões da vida, e nos leva a buscar preencher nossas aspirações e deixar gravada para sempre nossa contribuição para a humanidade.
Muitas vezes surge um dilema em nossas vidas: qual destas duas qualidades é a mais importante para ser cultivada, “escamas” ou “barbatanas”? Qual é a principal função da educação, nos concentrarmos principalmente em prover aos nossos filhos a confiança e as habilidades necessárias para que eles se tornem produtivos e sejam pessoas realizadas na vida, ou devemos focar mais intensamente em educar nossos filhos com padrões morais mais elevados? Em outras palavras, devemos nos preocupar mais em como eles viverão a vida ou como eles ganharão a vida?
A resposta está no interessante ensinamento do Talmud: “Há peixes que tem barbatanas mas não tem escamas”, e estes são impuros. Isto significa que um ser humano que tem ambições mas não tem integridade não é “Kasher”. Ele pode nadar e se divertir em grandes mares e oceanos com seu talento e sua genialidade, mas seus conhecimentos podem estar corrompidos e suas conquistas podem estar contaminadas, produzindo efeitos desastrosos. Uma pessoa com “barbatanas” pode estar cheia de confiança e ambição, dirigindo seus atos sempre com a motivação de causar um impacto na sociedade. Porém, educar crianças para que elas sejam ambiciosas e confiantes não garante a integridade moral delas. Atualmente, a política brasileira é um dos melhores exemplos de seres humanos que tem barbatanas mas não tem escamas. Pessoas que, com muita perseverança, com o ideal de mudar o mundo, chegaram à grandeza, mas se corromperam quando alcançaram o poder.
Por outro lado, o Talmud nos ensina que “Todo peixe que tem escamas também tem barbatanas”, e é Kasher. Se você ensinar uma criança a se comportar na vida com temor e respeito diante da verdade e da integridade, com um firme compromisso de servir a D'us, o Criador que definiu uma moralidade absoluta, esta criança também terá sucesso em desenvolver suas “barbatanas”. Independentemente do seu nível intelectual e de suas proezas, ele encontrará as “barbatanas” com as quais avançará em várias áreas da vida, e suas conquistas certamente contribuirão para transformar o mundo em um lugar melhor.
Quando o Talmud questiona que a Torá deveria ter escrito apenas “escamas”, sem a necessidade de escrever “barbatanas”, em um nível mais profundo nossos sábios estão questionando qual é a importância de enfatizar a necessidade de “barbatanas” para desenvolver um ser humano “Kasher”? Por que a ênfase em ambição faz parte de uma educação moral e “Kasher”? Por que não focar apenas na integridade e na ética? Então o Talmud responde: “Para engrandecer a Torá e glorificá-la”. Isto significa que nossa missão espiritual não consiste apenas em praticar integridade e moralidade, mas também em desenvolver totalmente nosso potencial, materialmente e espiritualmente. Antes de cada alma vir ao mundo, ela já era completamente íntegra. A razão que cada alma desce ao mundo material não é apenas para guardar o que ela já possuía, mas também para fazer a diferença, para dar sua contribuição particular ao mundo. Nosso trabalho neste mundo não é apenas guardar nossas “escamas” espirituais, mas também desenvolver “barbatanas” de alta qualidade. A pessoa que consegue atingir estes dois objetivos certamente chega ao nível de “engrandecer a Torá e glorificá-la”.
Estamos vivendo em uma época difícil. Quando pensávamos que a humanidade havia chegado ao fundo do poço quando vimos as cenas de terroristas derrubando as Twin Towers (Torres gêmeas), surge o Estado Islâmico para mostrar que o poço é bem mais fundo do que imaginávamos. Atos bárbaros são comemorados com festas e distribuição de balas para as crianças. Cabeças de inocentes são cortadas e as imagens transmitidas através das redes sociais, mulheres são transformadas em escravas sexuais, homens bomba são vistos como heróis e se explodem no meio de mulheres e crianças, matando e mutilando centenas de inocentes. O Estado Islâmico é a prova do quão gigantesco é o mal que pode emanar de pessoas que possuem o entusiasmo e a ambição, mas cuja moralidade foi corrompida e pervertida.
Este é grande ensinamento para nossas vidas sobre as características dos peixes: potencia sem controle é algo extremamente perigoso. Queremos atingir nosso potencial, queremos ser grandes, mas antes de tudo precisamos construir a nossa base, que é a moralidade. Com moralidade, tudo o que construímos cresce firme e saudável, e se mantém estável para sempre. Porém, sem moralidade, nossas conquistas são como um castelo de cartas, que aparenta ser algo grandioso, mas que ao menor tremor desaba completamente.
“VOCÊ É O QUE VOCÊ COME” (Ditado popular)
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm