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Principal e secundário

“Em uma época em que as Yeshivót (Centros de estudo de Torá) da Lituânia estavam passando por uma situação econômica muito delicada, o Rav Zalman Sorotzkin zt”l (Lituânia, 1881 – Israel, 1966) e uma delegação enviada pelos grandes rabinos da geração fizeram um evento em Varsóvia, na Polônia, com o objetivo de tentar encontrar formas de salvar as Yeshivót. Algumas delas não tinham nem mesmo dinheiro para alimentar os estudantes e corriam o risco de fechar suas portas, deixando centenas de alunos sem um local para se dedicar dia e noite ao estudo da Torá. Entre os participantes do evento estavam vários editores de jornais judaicos, que foram convidados justamente para que a iniciativa desta delegação de tentar ajudar as Yeshivót fosse amplamente divulgada. Um dos editores, ao escutar os detalhes da difícil situação das Yeshivót, perguntou ao Rav Zalman:
 
– Desculpe a sinceridade, mas escutei que o Rav Meir Shapira (Império Austro-Húngaro, 1887 – Polônia, 1933) está construindo uma bela Yeshivá em Lublin, na Polônia, e teve êxito em juntar muito dinheiro para a construção. Não seria melhor ele utilizar este dinheiro para ajudar as outras Yeshivót já existentes? Por que ele não dedicou seu tempo e esforço para juntar comida para os alunos que mal tem o que comer?
 
– Sua pergunta é muito boa – respondeu o Rav Zalman – mas a resposta é muito simples. Mesmo que ele tentasse juntar dinheiro para as outras Yeshivót, ele não teria sucesso. As pessoas gostam de fazer generosas doações para a construção de Yeshivót bonitas e luxuosas, mas para manter o dia a dia das Yeshivót depois de prontas infelizmente são poucos os que querem participar. Tenho certeza de que quando a Yeshivá do Rav Meir Shapira estiver pronta, ele terá as mesmas dificuldades das outras Yeshivót da Europa para se manter.
 
E infelizmente foi exatamente o que aconteceu. Apesar da facilidade que o Rav Meir Shapira teve para construir a “Yeshivá Chochmei Lublin”, depois de pronta ele passou muitas dificuldades e contraiu enormes dívidas para poder mantê-la funcionando”.
 
Assim é a natureza do ser humano. Fazemos grandes doações para prédios e construções faraônicas, mas são poucos os que estão dispostos a ajudar a manter os lugares de Torá depois de prontos. 
 


 

Nesta semana lemos a Parashat Terumah (que literalmente significa “doação”), que descreve a construção do Mishkan (Templo Móvel), o local onde D'us escolheu para repousar a Sua presença junto ao povo judeu. O Mishkan e seus utensílios, como a Menorá e o Mizbeach (Altar de sacrifícios), foram construídos com madeiras nobres e metais preciosos, como ouro e prata. De onde vieram estes materiais? De doações do povo, como está escrito: “Fale com os Filhos de Israel e peguem para Mim uma Terumá (doação ou porção), de cada pessoa cujo coração for generoso peguem a Minha Terumá. E esta é a Terumá que vocês pegarão deles…” (Shemot 25:2,3).
 
Explica Rashi (França, 1040 – 1105) que nestes versículos aparece três vezes a palavra Terumá, referindo-se aos três tipos diferentes de doações feitas pelo povo judeu. A primeira era uma doação obrigatória, no valor de meio Shekel de prata por pessoa, destinado à construção das bases do Mishkan. A segunda era uma doação anual obrigatória, no valor de meio Shekel de prata por pessoa, destinada a um fundo para a compra dos Korbanót (sacrifícios) comunitários oferecidos diariamente no Mishkan. E a terceira era uma doação voluntária, sem valor definido, cujo objetivo era reunir os materiais necessários para a construção do Mishkan e seus utensílios.
 
Mas desta explicação trazida por Rashi surge um grande questionamento. Para a construção das bases do Mishkan e para o fundo dos Korbanót comunitários, D'us decretou que as doações do povo fossem obrigatórias, com um valor fixo por pessoa, e esta obrigatoriedade incluía até mesmo os pobres, enquanto na construção do Mishkan, que tinha uma importância fundamental para o povo judeu, D'us deixou para que cada um doasse de forma voluntária, apenas quem quisesse e o valor que quisesse. Não deveria ter sido o contrário?
 
Responde o Rav Zalman Sorotzkin zt”l que a Torá está se aprofundando na psicologia do ser humano e nos ensinando uma incrível lição. Normalmente somos muito ágeis para fazer doações para projetos que envolvem a construção de salas e prédios, mas temos mais dificuldade em doar para manter o propósito do prédio após ele estar pronto. Mas será que isto é correto? Por exemplo, o que é mais importante e querido aos olhos de D'us, a construção do Mizbeach ou a manutenção dos Korbanót que eram oferecidos ali diariamente? Obviamente que o propósito é mais importante do que os meios, isto é, a oferenda dos Korbanót é muito mais importante do que o Mizbeach, que é apenas um meio para que a oferenda seja realizada.

Há uma prova interessante que demonstra como nos enganamos ao achar que as construções são mais importantes do que seus propósitos posteriores. Apesar de ser proibido fazer Shechitá (abate Kasher) em um animal no Shabat, por ser uma das 39 Melachót (trabalhos criativos proibidos), há uma exceção em relação à Shechitá dos Korbanót oferecidos no Shabat, que é permitida. Já a construção do Mishkan, apesar de sua importância e santidade, não fazia parte de nenhuma exceção e deveria parar completamente durante o Shabat. Portanto, enquanto a oferenda dos Korbanót tinha uma permissão especial para ocorrer no Shabat, a construção do Mizbeach era proibida, demonstrando que aos olhos de D'us os Korbanót eram ainda mais importantes do que o próprio Mizbeach.
 
Porém, apesar de ser mais querido para D'us a oferenda diária dos Korbanót do que a construção do Mishkan, e apesar das doações para a construção do Mishkan serem voluntárias, em um único dia o povo doou até mais do que era necessário para a construção do Mishkan, e as pessoas somente pararam de doar quando foi dado um aviso para que parassem de trazer materiais. Como D'us conhece as inclinações do coração de Suas criaturas, Ele sabia que para a construção do Mishkan todas as pessoas correriam para trazer sua doação, o que é bastante compreensível, pois todos querem deixar sua marca para a posteridade. Por isso não foi necessário que esta doação tivesse um caráter obrigatório, pois as pessoas naturalmente trariam até mais do que era necessário, como ocorreu. Mas para o objetivo final da construção, isto é, a oferenda dos Korbanót propriamente dita, as pessoas não teriam doado a não ser que fosse uma obrigação. D'us, que conhece a natureza humana, sabe que esta doação é difícil, e por isso quis incentivar as doações garantindo que doar para a compra dos Korbanót traria expiação espiritual para o doador.
 
Infelizmente também podemos observar este fenômeno atualmente. O propósito da construção de uma Yeshivá ou de uma sinagoga é o estudo de Torá e a Avodat Hashem (Serviço Divino) que ocorrerão lá dentro depois de pronta e que trarão méritos para todo o povo judeu, enquanto a construção do prédio da Yeshivá e da sinagoga é apenas um meio. Apesar disso, vemos que muitas pessoas são extremamente generosas na construção dos prédios, doando fortunas para as paredes, portas, janelas, e tijolos, mas são poucos os que são generosos para manter as Yeshivót e sinagogas funcionando. Poucos se preocupam que na mesa dos estudantes de Torá haja comida e bebida suficiente para que possam ter força para estudar, ou que as contas de luz e de água da sinagoga sejam pagas.
 
Por que isto acontece? Normalmente as pessoas querem investir seu dinheiro em coisas duráveis. Quando alguém doa para a construção de uma sinagoga, sabe que daqui a muitos anos seu investimento ainda estará de pé e seu esforço estará presente naquelas paredes, enquanto aquele que doa para comprar comida está doando para coisas não duráveis, pois as comidas são imediatamente consumidas. Mas este é um grande equívoco, pois o alimento é o que mantém os estudantes saudáveis e fortes para poderem estudar com concentração e alegria, e toda a Avodat Hashem realizada nestes prédios certamente é eterna, muito mais duradoura do que as construções de tijolo e cimento, apesar de não percebermos isto com os nossos olhos. Nas sinagogas, a luz, a água e outros gastos, apesar de também serem investimentos não duráveis, é o que mantém o propósito do lugar. Os tijolos, cimento, móveis, pintura e acabamentos são apenas meios para que as pessoas tenham um lugar físico para sua Avodat Hashem, mas o principal, a meta, é o estudo diário da Torá e as Tefilót, que são tão queridos aos olhos de D'us e são eternos.
 
Mas se este conceito é verdadeiro, então por que a doação das bases do Mishkan também era obrigatória? Apesar das pessoas se interessarem em doar para a construção de prédios, isto ocorre apenas depois que já se iniciaram as fundações, isto é, depois que as pessoas já viram que o projeto realmente vai acontecer. Antes das fundações as pessoas ainda não acreditam que o projeto realmente sairá do papel, e ainda não se interessam em doar. Por isso D'us teve que obrigar a doação da prata para as bases de sustentação do Mishkan, enquanto para o restante das estruturas o povo correu para doar até mais do que era necessário.
 
Da Parashat aprendemos que doar para a construção de Yeshivót e sinagogas é algo muito grandioso e valoroso, porém mais valoroso ainda para D'us é a manutenção dos lugares de Torá já existentes. Ao manter uma sinagoga ou uma Yeshivá, apesar de não estarmos construindo paredes físicas, certamente estamos construindo paredes espirituais eternas.

SHABAT SHALOM

Rav Efraim Birbojm

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