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Quanto vale uma vida?

Sharon Steiff era professora de inglês da oitava série na Maimonides School, em Massachusetts. Ela foi diagnosticada com leucemia e, apesar de ter procurado incansavelmente por um doador de medula óssea, ela faleceu sem encontrar ninguém compatível. O falecimento daquela professora abalou muito seus alunos, entre eles Itzik, um rapaz religioso. Naquela época ele não tinha idade suficiente para ser doador, mas ficou com aquela ideia guardada na cabeça. Somente em março de 2007, quando já estudava em Israel, finalmente conseguiu se registrar como potencial doador de medula óssea, uma homenagem a sua professora.
 
Por algum tempo ele continuou com sua vida cotidiana. Mas tudo mudou em novembro de 2008, durante seu segundo ano na Yeshiva University. Certa manhã, enquanto caminhava para a aula, seu telefone celular tocou com um número que ele não conhecia. Era a instituição “Gift of Life”, informando que ele era um potencial doador para um paciente que precisava urgentemente da doação de medula óssea. Itzik, pego de surpresa, começou a procurar motivos para não doar. Tinha provas na faculdade e muitos trabalhos para entregar, e no fundo também sentia um pouco de medo. Mas lembrou-se do desespero de sua professora procurando um doador. A chance de salvar a vida de alguém não era algo que surgia todos os dias. Era o momento de dar para outra pessoa o presente que sua professora nunca havia recebido. Então Itzik disse sim.
 
Depois de alguns exames complementares, Itzik foi autorizado a doar células-tronco. De repente, tudo se tornou real. Ele estava realmente indo doar vida para alguém, ele estava indo salvar a vida de outra pessoa. Itzik informou seus professores que perderia uma semana de aulas. Eles foram muito acolhedores e solidários, permitindo-o fazer as provas e trabalhos depois. Todos estavam orgulhosos da sua atitude corajosa.
 
No dia 2 de fevereiro, sua data de doação, ele foi ao hospital. Seis horas depois, estava feito. Foram necessários alguns dias para que Itzik recuperasse totalmente a sua força. Ele recebeu total apoio da família e dos amigos, o que definitivamente ajudou-o a passar por todo o difícil processo. O paciente que recebeu a doação aos poucos foi se recuperando, até que pôde voltar à sua vida ao normal. Com seu gesto nobre, Itzik havia salvado a vida de outro ser humano, e isto não tinha preço. Itzik conta que teve seus temores e seus momentos de dúvida, mas lembrar que estava dando a alguém o dom da vida era a melhor motivação que poderia ter (História real). 

Nesta semana lemos a Parashá Vaishlach (literalmente “E enviou”), que descreve o momento em que Yaacov começou a voltar para casa. Yaacov havia passado 14 anos no Centro de Estudos de Torá de Shem e Ever, descendentes de Noach, e mais 20 anos trabalhando na casa de seu tio Lavan, para fugir da fúria de seu irmão Essav, que queria matá-lo. Ele havia partido de casa sozinho, mas voltava agora com uma enorme família. Depois de tantos anos, Yaacov acreditava que a fúria de Essav já havia se aplacado e que ele poderia voltar tranquilamente para casa. Ele mandou mensageiros para verificar como estava a situação, mas os mensageiros voltaram com a terrível notícia de que Essav vinha ao seu encontro com um verdadeiro exército. Certamente a fúria de Essav ainda queimava dentro dele e o tempo não havia conseguido acalmá-lo.
 
Porém, o que nos chama mais a atenção foi a reação de Yaacov ao escutar as más notícias, pois está escrito: “E Yaacov ficou com medo e isto o angustiou” (Bereshit 32:8). Como pode ser que Yaacov ficou angustiado? Ele era neto de Avraham, aquele mesmo Avraham que havia derrotado, com poucos homens, a coligação dos quatro exércitos mais poderosos do mundo. Além disso, Yaacov havia presenciado os milagres que D'us fez para protegê-lo das trapaças e da ameaça física de Lavan. D'us havia aparecido para Yaacov em um sonho e havia garantido que o protegeria de qualquer mal. Yaacov podia até estar preocupado com as consequências de uma batalha sangrenta, e que talvez ele não tivesse méritos para ser salvo. Mas por que ele ficou angustiado? Ficar angustiado não é uma demonstração de falta de Emuná (fé)?
 
Rashi (França, 1040 – 1105) explica que Yaacov realmente teve medo de ser morto por Essav na batalha, mas ele tinha Emuná (fé) completa em D'us, sabia que se ele tivesse méritos, D'us poderia protegê-lo mesmo contra um poderoso exército. Mas a angústia de Yaacov era que, em uma situação de guerra, ele teria que matar Essav. Portanto, a maior preocupação de Yaacov era não querer matar seu próprio irmão.
 
De acordo com o Rav Yehuda Loew zt”l (Polônia, 1525 – República Checa, 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, Rashi não falou explicitamente que Yaacov estava com medo de matar Essav, e sim que “Yaacov estava com medo de matar outros”. Ele explica que, na realidade, Yaacov estava com medo de matar os homens que estavam acompanhando Essav, pois havia a possibilidade de que eles não tinham a intenção de matá-lo, e sim estavam sendo forçados por Essav a lutar contra ele.
 
Porém, o Talmud (Sanhedrin 72a) afirma que “se alguém vem te matar, se levante e o mate”. Isto significa que, apesar de um dos mandamentos mais importantes da Torá ser o “Não matarás”, isto não se aplica à autodefesa. A pessoa tem a obrigação de se defender caso sua vida esteja em risco. Então por que Yaacov chegou a ficar angustiado com a possibilidade de matar Essav ou os homens que o estavam acompanhando? Mesmo que estavam sendo obrigados a atacar Yaacov, ele tinha o dever de proteger sua própria vida, mesmo que para isto fosse necessário matar aqueles que colocavam sua vida em risco!
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que, infelizmente, a dificuldade que temos em relação à explicação trazida por Rashi vem da falta de entendimento do verdadeiro valor de uma vida humana. Vivemos em uma época em que as pessoas não valorizam mais a vida. O último século testemunhou duas guerras mundiais, nas quais morreram milhões de inocentes das formas mais cruéis. Atualmente pessoas matam para roubar um tênis ou um celular. O descaso com a vida é assustador, e cada vez mais os governos aumentam os investimentos em armas de destruição em massa. O mundo atualmente vive sob o terror das armas nucleares, que em segundos podem destruir cidades inteiras.
 
Porém, não é apenas nas guerras e nos crimes que vemos a falta de valor à vida. O aborto é visto cada vez mais como uma opção válida, dando ao ser humano o poder de escolher quem merece e quem não merece nascer e viver. Não estamos falando de casos de aborto de bebês que são fruto de atos de violência. O grande perigo é que, a partir do momento em que o aborto for visto como uma opção natural, isto pode abrir precedentes para que mesmo motivos banais sejam utilizados para justificar a interrupção de uma gravidez. Um feto já é um potencial de vida, e após 40 dias de gestação ele já tem uma alma. Interromper este potencial de vida é um crime. A eutanásia também ganha cada vez mais força, deixando claro que o ser humano considera que a vida pertence a nós, e qualquer um tem o direito de acabar com uma vida, mesmo que seja a sua própria vida, quando assim decidir. E tudo isto ocorre por não sabemos o valor verdadeiro de uma vida.
 
A Torá não é insensível. Ela entende a dor daqueles que estão passando por dificuldades, como a família de um paciente que está sofrendo em estado terminal. Porém, a Torá leva em consideração que D'us tem cálculos perfeitos e Sua bondade é ilimitada, enquanto nós somos limitados. É um terrível equívoco pensar que somos donos da vida. Não fomos nós que construímos nosso corpo e não fomos nós que colocamos neste corpo inerte uma alma de vida. Portanto, por que achamos que podemos decidir sobre a vida e a morte? O único dono da vida e da morte é D'us, o Criador de tudo. Uma pessoa que quer abortar ou praticar a eutanásia está se colocando acima de D'us. Somente D'us sabe todos os cálculos e pode levar em consideração também as implicações espirituais de cada instante de vida e de cada sofrimento. Somente Ele conhece o passado, o presente e o futuro, e Ele sabe o que é o melhor para cada um de nós. Cabe a nós termos Emuná (fé) de que tudo o que Ele faz é para o nosso bem.
 
A partir do momento em que D'us coloca uma alma dentro de um corpo, a pessoa recebe um potencial gigantesco de realização. O fim de uma vida representa o fim deste potencial. Por isso, embora exista a permissão de transgredir o “Não matarás” para proteger a própria vida, ainda assim o fato de tirar uma vida, encerrando assim um potencial, é uma grande tragédia. Apesar da permissão de matar por autodefesa, mesmo assim doía muito em Yaacov a ideia de matar outro ser humano. Mesmo que havia a possibilidade de serem Reshaim (malvados), assassinos cruéis, ainda assim a possibilidade de precisar tirar a vida de uma pessoa fez Yaacov ficar angustiado, pois Yaacov sabia o verdadeiro valor de uma vida humana.
 
Precisamos voltar a ter a sensibilidade do valor verdadeiro de uma vida. Uma vida não tem preço, como afirma o Talmud (Sanhedrin 37a): “Aquele que salva uma vida, salva o mundo inteiro”. Enquanto as pessoas se preocupam em aprovar leis que permitem o aborto e a eutanásia, bancos de sangue ficam vazios e pessoas morrem por falta de doadores de medula óssea. Ao invés de valorizar tanto a morte, é hora de começarmos a valorizar a vida.     

SHABAT SHALOM

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